« Meus Bisavôs »
Como
qualquer outro ser humano eu tive quatro bisavôs, homens.
O
mais antigo nasceu em Massarelos, mãe portuguesa e pai francês, Porto, em
22/04/1824 (?) e “puxou o carro p’ró além” em Belém do Pará em 1918, a seguir um
outro viu a luz em Averomar (lindo nome), mãe e pai portugueses, ele marinheiro
que terá morrido no mar ao regressar de São Salvador da Bahia de Todos os
Santos, Póvoa de Varzim em 13/8/1827 e deixou-nos em Lisboa em 1891, a seguir um
terceiro nasceu em Lisboa a 16/12/1839, avó de origem checa e avô suiço-alemão,
foi “repousar” em Londres em 1909, e o “caçula” que nasceu no Porto em
19/02/1856, mãe e pai bascos de Donostia-San Sebastian, foi o único a conhecer
este bisneto pois só se desencarnou em 1934.
Vamos
traduzir isto por miúdos:
-
O primeiro casou com uma brasileira, em Belém do Pará, tiveram treze filhos, trinta
e seis netos, e um monte de descendentes, uns 80% espalhados no Novo Mundo e os
restantes na “terrinha”.
-
O segundo casou em Vila Nova da Barquinha, ali, a pouco mais de cinco mil
metros do Castelo de Almourol, e a sua descendência, à qual se juntou o sangue
da Amazônia, está 95% em Portugal.
-
O terceiro também veio casar no Brasil, em Pelotas; do primeiro casamento teve
dois filhos, só o macho teve descendência, 90 % em Portugal, e do segundo casamento
mais uma meia dúzia de filhos todos brasileiros.
-
Finalmente o tal “caçula” casou em Lisboa com uma linda garota nascida em
Pelotas no Rio Grande do Sul, Brasil. Sua descendência também está 90% em
Portugal.
O
paterno-materno em 1832 virou brasileiro e dos treze génitos só duas foram para
Portugal, casadas. Longevo, teria uns 95 anos quando apagou. Comerciante
importante, os filhos mais velhos, Luiz e Emília, foram os primeiros
brasileiros a fazerem o Curso de Educação Física, num famoso colégio na
Turíngia, Alemanha, Philantropinium (!). O Colégio ainda existe e parece ser
ótimo.
O
paterno-paterno desapareceu quarenta anos antes de eu ter nascido, mas muito se
falava dele na família, tanto que a partir de certa altura as minhas tias
diziam que eu deveria escrever a sua biografia, para o que eu estava, e
continuo, totalmente despreparado.
Providencialmente
um dia apareceu um senhor, de quem me tornei grande amigo, que decidiu fazer um
trabalho de Mestrado, escrevendo o magnífico livro “Aprendiz de Selvagem – O Brasil na Vida e na Obra de Francisco Gomes
de Amorim”, libertando-me do complexo familiar de ignorante por não ter
sido capaz de escrever a biografia do vovô-bi. (A propósito, creio que este
livro ainda deve existir à venda, talvez através da Biblioteca Municipal da
Póvoa de Varzim (?!), e recomendo-o muitíssimo.)
O
materno-paterno trabalhou muito no Brasil, brigou com sócios e com os governos,
saiu do país “p... da vida” e foi acabar em Londres escrevendo para jornais com
o pseudónimo “Gonçalo da Gama”. Diz ele que em 1907 já tinha escrito 107
“Cartas de Londres”! Infelizmente não consegui encontrar mais do que uma.
O
“biso” materno-materno ainda me conheceu, visto ter falecido tinha eu pouco
mais de dois anos. E ainda tenho uma carta dele, escrevendo a sua neta, minha
mãe, “esperando que o Chico” estivesse muito bem. Estava! Melhor do que hoje.
Tirando
o primeiro, Luiz, o mais velho dos quatro, aliás o que nasceu primeiro, os
outros três foram um tanto dedicados às escritas.
Francisco
foi do que viveu, das letras, como poeta, dramaturgo e escritor, e, para ganhar
dinheiro com letras naquele tempo como nos tempos de hoje... é profissão mais
difícil do que pegador de touros à unha.
Escreveu
muito, o primeiro a escrever um romance em que o herói foi um índio do Brasil –
Romualdo Guataçara - (a seguir a “O
Guarani” de José de Alencar), cantou as belezas da Amazônia, e também quase o único
que cantou a vila, hoje cidade, de Alenquer, no Pará. Foi nesta pequeníssima
aldeia que despertou para as letras! Ainda adolescente sentia-se desterrado, um
miserável, e regressou a Lisboa, onde foi acolhido por Almeida Garrett de quem
acabou por ser, por este, encarregado para escrever as suas memórias, o que fez
com tanto zêlo que até hoje, quem quiser falar do grande do grande
poeta-político tem que se basear no seu trabalho.
João,
engenheiro civil, especializado em hidráulica, fez muita obra no Brasil, desde
Rio Grande, Pelotas e Porto Alegre, e ainda Piracicaba e Goiânia, além de
outras, e acabou a escrever até sobre Camões.
Enganado
e sentindo-se roubado pelo governo, que anulou unilateralmente contratos
estabelecidos, desgostoso, foi embora do Brasil, reclamou, entrou na justiça,
mas viu todos os seus esforços gorados. (Cheira-me a que há hoje muitos casos semelhantes!)
Por
fim, António, engenheiro civil, político,
crítico de arte e professor. Escreveu uma série de livros sobre músicos e
outros artistas, e dele se contava uma história curiosa. Quando Richard Strauss esteve em Portugal foi este bisavô que o
acompanhou. Um dia foram visitar Sintra. O compositor, cabeça a descoberto,
admirava a paisagem. Notou o cicerone:
- Tem graça, você tem
uma cabeça como Beethoven!
- Mas só por fora! Disse o músico,
modestamente, talvez à espera de um cumprimento.
- Evidente.
- !!!
Muito
do que escreveu fazia-o à noite, em pé, chegando a varar a noite. Para isso
tinha uma grande robustez física e forte determinação.
Se
me fosse dado escolher o meu DNA entre estes quatro antepassados, que das
antepassadas pouco a memória registrou, talvez fizesse a seguinte escolha:
-
para grana e longevidade, o bi Luiz;
-
inspiração e boa disposição para a escrita, o Francisco;
-
do João, queda para a hidráulica para regar milhões de quilômetros quadrados onde
reina a seca;
-
finalmente do António a sua determinação, sensibilidade para a música e artes e
para a educação professional.
Teria
sido um “cara bem legal”!
Resumo:
E
por fim, este, quase com 50% de vida nestas terras brasiliensis, tem:
-
4 bisavôs homens nascidos em Portugal de origens diversificadas;
-
3 bisavós brasileiras, uma de Rio Grande, outra de Pelotas e mais uma de Belém
do Pará;
-
1 avó de Belém do Pará;
-
1 avô de Pelotas.
* * *
O
mais curioso é que acabo de ser apresentado ao nosso antepassado mais antigo.
Nunca imaginei, mas ele foi encontrado na China! Era o que me faltava.
Um
Destestômio, chamado Saccorhytus Coronarius. Quando vi a foto dele não tive
dúvidas que era meu antepassado. Um nobre! Testa alta, sinal de inteligência,
boca grande, habituado a discursar e dar ordens, e basta ver aquela tiara de
pequenos cones canelados! Linda.
Não
tem certidão de nascimento mas dizem, dizem, que terá vivido há cerca de 530
milhões de anos.
Se
fosse no tempo da Inquisição, da PIDE ou do DOPS (ou do trump!), o vovô
Saccorhytus, seria levado para interrogatório e contava logo tudo: data de
nascimento, número de contribuinte fiscal, e até a que partido político
pertencia.
A
dificuldade é que parece que era muito baixinho: tinha só um milímetro de
comprimento.
De
qualquer maneira já o inscrevi na minha árvore ginecológica, tanto mais que o
sobrenome de Coronarius vem a propósito da minha, única, que me sobra.
Mas
digam lá: ele não é parecido comigo?
Uma
gracinha!
29/01/2017
ASSIM SE NASCE, ASSIM SE VIVE DANDO VIDA À VIDA E TENDO O DIREITO AO RESPEITO PELO PASSADO E PELO PRESENTE. TAMBÉM A TAL "PIETAS" DOS ROMANOS. UM ABRAÇO ATLÃNTICO, FRANCISCO.
ResponderExcluirSe fosse a você não tinha tão grandes expectativas: é verdade que é um bocadinho mais primário e ainda em frágil linha quanto à evolução genética, mas quanto a grau de beleza não se poderá dizer o mesmo. E abraço.
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