Encontro
de Escritores
- 3 ?-
Continuava animada a
conversa naquele inusitado encontro em Alcobaça.
Rodeavam agora Dom
Dinis todos aqueles que haviam passado pela sua Universidade lembrando que fora
este grande rei que, em 1290 instituira o Estudo
Geral Português, com a assinatura do documento “Scientiae thesaurus mirabilis”.
Parecia, e era (e continua a ser!) a maior figura da história de Portugal.
Propunham até, os antigos alunos, ali fazerem uma serenata ao grande
Rei, e o lembraram, meio em segredo, para não melindrarem a memória de Dom
Afonso o quarto, de seu filho Pedro Afonso que tanta obra deixou. Ainda
ensaiaram uma pequena trova de D. Dinis, mas em voz baixa já que os outros
convivas estavam, também em animada conversa: "Ai flores, ai flores do verde pino, se sabedes
novas do meu amigo! ai Deus, e u é?
João Rodrigues,
depois Amato Lusitano, lamentava ter ido estudar em Salamanca por ser considerado
na altura de sangue sujo. Brilhou pela Europa, assim como Abraão Zacuto
Lusitanum de quem Dom João III se serviu, mas não impediu que fosse igualmente
expulso de Portugal. António Vieira conversava com eles que sabiam que ele
também havia sofrido semelhante perseguição, bem como outro brilhante conviva
Garcia de Orta.
- Até o grande
mestre Damião de Gois, de família nobre, por melhor e mais profundamente pensar
foi perseguido pelo mesquinho clero e acabou, ao que dizem, assassinado! E
espero que ninguém se esqueça do que sofreu o também grande Diogo do Couto.
Lamentavam todos os
presentes que os sefarditas tivessem sido expulsos dum país que eles
tanto amavam e continuaram a respeitar mesmo longe. E, pior, expulsos por quem
deles se serviu, D. João III, esmagado sob o peso da beatice dominicana.
Herculano, ouviu falar neste rei e não se conteve, seu ar austero:
-
Era um homem medíocre, inábil, fanático, inábil para governar por si
próprio".
António Vieira, mais
cordato:
- Aproveitemos
este encontro, este convívio e procuremos esquecer as nossas desventuras. Vamos
beber um bom vinho das terras de Garcia de Orta, não direi à nossa saúde
porque... mas ao nosso encontro.
Muito mais grupos se
formavam sem que alguém fosse impedido de circular.
Já Dom João, o
primeiro, beijara a mão de seu bisavô, e presenciado o respeito de que ficou
sempre merecedor, num instante se viu rodeado pelos amigos, entre eles Dom João
de Ornelas cujo semblante não negava o prazer de estar no “seu” antigo
mosteiro!
E pelos cronistas!
Fernão Lopes, que elogiava o trabalho de Duarte Nunes ao refundir as crônicas dos reis da primeira dinastia, e a dos três primeiros reis da
dinastia de Avis, na Segunda
Parte das mesmas crônicas, o
que foi apoiado por Gomes Enes, de Zurara, e Herculano que ainda acrescentou:
- Na
opinião do 1° Marquês de Alegrete, foi Duarte Nunes de Leão quem abriu
caminho à crítica da História em Portugal, escrevendo com juízo e madureza,
certamente enquanto apreciava o seu tão famoso e elogiado vinho!
O que ele também fez.
Herculano estava eufórico. Ele, sempre aquela cara fechada, enigmático,
exultava com os personagens que tão bem conhecera no Tombo.
E chegados estavam
agora os filhos Dom Duarte e Dom Pedro.
- Bonito esse
vosso livro meu filho, o Leal Conselheiro. Exemplo de um homem honrado que
bebeu, sobretudo de sua mãe, a delicadeza e o comportamento exemplar. Pena que
meu neto Afonso tenha sido tão ingrato com seu tio Pedro, que foi o melhor
conselheiro que poderia ter encontrado.
Dom Pedro, que foi
Duque de Coimbra, duque de Treviso, Cavaleiro da Ordem da Jarreteira, ar
triste, no íntimo o filho preferido de seu pai, que sempre amou seu irmão e seu
sobrinho, perdoava, mas não podia esquecer o que lhe fizeram.
- São águas
passadas. Penso em meu irmão Henrique e o quanto ele teria gostado de ler a
carta de Pero Vaz, de Caminha. Aproxima-te Pero Vaz, para te abraçar em nome de
meu irmão Henrique.
- E tu também
Pero de Magalhães, o homem que veio de Gand para nos dar a primeira descrição,
em história, das Terras de Vera-Cruz! E pensar que tudo isto devemos ao grande
rei, nosso antepassado, com a sua grande visão.
Poucas eram as
figuras femininas, entradas no Mosteiro sem o conhecimento do Dom Abade, mas
ali estava Florbela Espanca, por especial deferência de São Pedro, que advogara
em sua defesa a escrita libertina, os vários casamentos que não deram certo e
as tentativas de suicídio, porque sabia o quanto ela havia sofrido.
- Florbela?Aqui ?Acabo
de sair de um outro encontro, feminino, porque não gostei do que disse a Soror
Mariana, a fazer-se de vítima arrependida, quando já se sabe que não foi ele
que escreveu as cartas ao francês ! Mas eu...
Sou aquela que passa e
ninguém vê ...
Sou a que chamam triste
sem o ser ...
Sou a que chora sem
saber porquê ...
Sou talvez a visão que
Alguém sonhou,
Alguém que veio ao mundo
pra me ver
E que nunca na vida me
encontrou!
- Alegra-te
Florbela. És muito estimada e admirada entre todos – disse-lhe Guiomar
Torrezão que “representava” a luta pela emancipação das mulheres.
Ao ver Guiomar,
Camilo fez questão de abraçá-la, e agradecer-lhe a carta que ela lhe escreveu “Há
muito que penso em escrever um artigo substancial sobre Camilo...” e
Guiomar retribuiu lembrando a carta dele: “Beijo as mãos de V. Exª pela
fineza dos seus cuidados com a minha esquisita existência.”
Carolina Michaelis de
Vasconcellos, nascida em Berlim, mas portuguesa por casamento e coração,
notabilizou-se na história e poesia dos antigos do seu novo país, divulgando-os
por toda a Europa. Já havia recebido os cumprimentos de Sá de Miranda que tão
bem havia estudado e ajudado a difundir, as homenagens de Herculano e Antero de
Quental (cuja vida suplantou em virtude o desastre da sua morte) lembrando as
suas trocas de correspondência, sempre com um belo caráter de respeito próprio
de uma grande dama e de grandes homens. Por fim e seu imenso espanto é com o
próprio Camões quem lhe vai agradecer os Estudos Camoneanos que mais
ainda o engrandecera, sobretudo junto ao povo germânico.
Um pouco afastados
conversam já Camilo e Herculano que, maliciosamente, lhe pergunta pelo cão que
aquele lhe dera e após a sua nomeação para a Academia de Ciências de Lisboa lho
pedira de volta! Camilo, mordaz, esboçou uma desculpa, o que, coisa rara, fez
aparecer um largo sorriso na cara de Herculano.
Bernardo Correa de
Melo, o Conde de Arnoso, ao lado da Ramalhal figura, ria-se com aquela
conversa, e Eça, que havia escutado Garrett falar na sua terra, a bela Póvoa de
Varzim, pergunta a Antero se, lá no etéreo, em que pouco nos vemos,
também lhe chamam, como ao grande apóstolo Simão, São Pedro, o Santo Antero!
- Aproveitemos e
vamos brindar a este encontro, mas com vinho especial de Tormes que, no meio de
tantas delicias etílicas, encontrei! É o vinho do Porto no seu melhor! E
esquecer a triste e cómica Questão Coimbrã!
- Imodéstia tua Eça,
com o vinho! Mas sabes bem que quem moveu esses ridículos combates coimbrões
foi a vaidade ferida dos mestres e dos pontífices! O espírito de rotina
violentamente incomodado! Melhor mantermos o nosso Bom Senso e Bom Gosto para
saborearmos o teu bom vinho e a magnífica companhia dos que aqui se encontram!
Esqueçamos as cartas
que José Feliciano de Castilho, dizendo tanto disparate, publicou no Brasil,
onde os homens de Bom Senso deram, não atenção mas até risada de desprezo.
- É verdade, atalhou Machado de Assis. Vivia-se uma época
em que era permitido publicarem-se calúnias, mas os homens sensatos, se as
liam, logo rasgavam esses escritos. Um dos que sofreu com isso foi o grande
mestre Gilberto Freyre, usado como argumento político duma ditadura poderosa e
logo a seguir insultado pelos revoltosos!
- Não há melhor meio
para conhecer o homem português do que ler as obras de Gilberto Freyre, um
homem simples mas com uma obra extraordinária. Foi às origens e mostrou como se
adaptou aos trópicas e criou o homem brasileiro.
Palavras de Ariano
Suassuna, sempre alegre e comunicativo, rendia assim homenagem a quem deu
partida para que aparecessem depois os grandes romances sobre o homem
brasileiro.
- Foi isso Ariano,
assim criei Grande Sertão:Veredas, Sagarana, e outros cantando baianos e
mineiros, e você com o extraordinário Auto da Compadecida e tantas outras obras
magníficas mostrando o Nordeste do Brasil.
- Rosa, não esqueça
João Cabral de Melo Neto. Camões cantou a epopeia dos portugueses. João Cabral
o sofrimento dos nordestinos, como naquele incomparável poema Morte e Vida
Severina.
Luis Augusto
Palmeirim, até então calado, deliciado a ouvir tantos colegas de letras, ele
que teve o condão de “descobrir” novos talentos, estava entusiasmado com a
conversa que entretanto derivara para o Brasil.
- Que maravilha! Já
chegámos ao Brasil. Os nossos irmãos de Além o Grande Rio Atlântico. Mas não
podemos passar incólumes pelos Açores. Aqui ao lado, calado, o que não é seu
natural, está o homem do Mau Tempo no Canal!
Vitorino Nemésio,
habitualmente bem disposto, alegre, brincalhão, rendia-se aos que o rodeavam,
- Desse Mau Tempo,
Luis Augusto, tantos e tantos saíram para irem povoar novos mundos. Desde a
América do Norte ao Brasil, para onde levaram o culto do Espírito Santo que a
nossa grande Rainha Santa Isabel nos confiou.
- E o que me dizes
dos que foram e criaram raízes por África, Ásia, Japão?
- Muito. Mas, como
descobri no meio de tantas garrafas uma de vinho do Pico, vou afinar a garganta
com uma delícia da minha terra, e do Antero, e já volto.
Nós também
voltaremos, com a continuação deste Encontro de Escritores, daqui a uns dias.
15/01/2017
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