Depois
do...
Encontro
de Escritores
É
verdade! Acabou o Encontro em Alcobaça.
As
testemunhas saíram rapidamente, de
fininho, e o organizador esperou que os monges aparecessem para “prestar
contas” ao Dom Abade.
Este
nada vira, ouvira ou sentira e estava extremamente curioso para saber o que se
teria passado, tanto mais que as testemunhas tinham ido embora sem falarem com
alguém.
No
refeitório estavam as garrafas que sobraram – muitas delas vazias – uns quantos
copos espalhados pelas diversas mesas, mas tudo arrumado, sem o menor sinal de
qualquer distúrbio.
-
Meu amigo, afinal o que se passou aqui,
que ninguém viu a não ser as testemunhas à chegada? Não se ouviu um ruído, uma
voz, nada?
- Dom Abade, a única
coisa que lhe posso dizer é que nem eu nem qualquer das testemunhas tocou
nessas garrafas! Mas quanto a contar-lhe o que se passou... impossível. Eu
seria amarrado e mandado para um sanatório de loucos e, como pode imaginar é
tudo quanto eu não quero!
- Nem em segredo de
confissão?
- Nem assim, Dom Abade,
também meu amigo. Gostaria que o senhor me dissesse se lhe devo alguma coisa,
se notou algum estrago, enfim, quero sair daqui de consciência limpa.
- Não nos deve nada.
Está tudo perfeito e isso ainda mais me intriga.
- Então, se me der
licença gostaria de ir novamente até ao altar de São Pedro.
- À vontade. Já sabe o
caminho.
- Muito obrigado por
tudo. Quem sabe se um dia eu ainda lhe conte alguma coisa. Vou pensar nisso. E
terá que ser em segredo de confissão e com um psicólogo ao lado para que me
julguem louco!
A
caminho do altar já foi ouvindo:
- E então gostaste do
Encontro?
Olhou
à sua volta, a Igreja vazia e reconheceu, no seu íntimo a voz de Simão Pedro.
Ajoelhou
frente ao altar e respondeu sem abrir a boca:
- Querido São Pedro. Creio que jamais alguém
terá tido um presente dos céus como este. Estou tão emocionado que tenho que ir
repousar a cabeça. Mas antes vim dizer-vos só: Obrigado.
- Agora vou eu ver o que
eles terão a me dizer! E, se tiver oportunidade, não deixarei de te transmitir.
- Obrigado. Muito
obrigado.
Nem
para casa foi. Precisava digerir tudo aquilo e precisava de solidão. No
primeiro hotel que encontrou pediu um quarto sossegado, sem ruídos de rua e que
lhe levassem algo para comer e uma garrafa de vinho.
Ele
mesmo estava sem saber se aquilo a que tinha assistido fora real ou só um
sonho, e se estaria ainda a sonhar.
O
hotel deu-lhe um quarto no último andar, janelas de vidro duplo, e uma bela
vista para o “seu” Mosteiro.
Feliz
mas confuso – e com alguma fome! – começou por ir assinalando na lista que
inicialmente tinha feito, para saber quem tinha estado presente.
Logo
de entrada notou a falta de Gil Vicente! Porquê? Uma personagem tão importante!
Estranho.
Ouviu
então aquela voz, já sua conhecida:
-
Gil Vicente continua melindrado porque
teimam em não lhe reconhecer o mérito de ter feito, por suas mãos, aquele
maravilhoso ostensório que está no Museu. Diz que se incomoda quando dizem que
“se atribui a Gil Vicente” em vez de afirmarem diretamente que foi obra sua.
Por isso não apareceu!
- E Fernão Mendes Pinto?
- O mesmo. Levaram séculos
para lhe reconhecer o valor e a veracidade do que escreveu! E ainda se sente
insultado quando por maledicência lhe chamavam o “Fernão Mentes? Minto!”
querendo fazer graça que o ofendia.
- Duas jóias na nossa
literatura! Se houver um próximo Encontro serão os primeiros a convidar.
Continuava
a correr a lista e via que teria sido impossível que todos tivessem
comparecido. O número dos que apareceram já daria para ali terem ficado até...
até...
Só
então reparou que uma grande quantidade deles estava anotada numa segunda
folha! Talvez São Pedro tivesse, ele mesmo visto que seriam demais e não
“olhou” para esta outra página.
Lá
estavam, do Brasil, Machado de Assis, José de Alencar, Gonçalves Dias, Castro
Alves, Monteiro Lobato, Euclides da Cunha, Raul Pompeia, Lima Barreto, Nelson
Rodrigues, os poetas Mário de Andrade, Vinicius de Morais e Carlos Drummond de
Andrade, os Inconfidentes Tomás António de Gonzaga que foi deportado para
Moçambique, Gregório de Matos e Cláudio Manuel da Costa, e ainda mais uns
tantos que o Brasil foi, e é, rico em artistas; de Angola, Uanhenga Xitu, Ferreira
da Costa, Alexandre Lobato, Lucio Lara, e mais e mais, de Moçambique Noémia
de Sousa (esteve em Beja !), Malangatana, Glória de Sant’Anna, Rui de
Noronha, e de Portugal outra infinidade a começar por Santo António e seus
Sermões, João de Deus, Julio Diniz,
Fialho de Almeida, Jaime Cortesão, Alves Redol, Teófilo Braga, Raul Brandão,
Miguel Torga, o Dr. Adolfo Rocha, e... para que reler mais esta interminável
lista?
Pensou:
- Quem
sabe ainda organizarei outro Encontro. Mas para já vou ver se consigo “digerir”
este!
Saboreava o ter visto, e ouvido, personagens
quase míticas como Dom Diniz e seu avô Afonso X, Dom Pedro duque de Coimbra,
parecia ouvir Bandarra a falar sobre as suas profecias que só se viriam a
confirmar daqui a... um monte anos, entretanto os olhos iam-se fechando, começava
a ver um céu estrelado e a ouvir Abraão Zacuto a mostrar-lhe as constelações e
como poderia navegar, depois, com a voz sempre suave de Alda Lara, que lhe
recitava um dos seus poemas. adormeceu!
E continuou a sonhar. Sonhou com livros, com os
autores e a ver uma miríade de leitores a quererem todos comprar as exíguas
edições.
Tudo no seu sonho em vez de lhe dar descanso à
cabeça, que continuava entre feliz e confusa, mais o confundiam.
Umas horas depois sossegou. Acordou tarde. Olhou
em redor e procurava alguma coisa que não sabia o que era.
- Será
que que sonhei tanto tempo e com tantos escritores. E porquê estou a dormir
neste hotel em frente ao Mosteiro da Batalha? Como posso ter a certeza que vi o
grande Rei Dom Diniz e tantos escritores? Será que estou a ficar louco?
Viu a seu lado as listas dos “convidados” e
pensou que teria sido uma “indigestão” literária que lhe tinha feito mal à
cabeça. Mas outra lista, pequena tinha os nomes duns amigos, as testemunhas.
Chamou um deles pelo telefone. Atendeu a
mulher.
- O
Henrique ainda dorme. Chegou ontem muito perturbado e não quis falar sobre o
que se tinha passado. De princípio até pensei que tinha sofrido um acidente,
mas está muito bem de saúde. Mas a cabeça... está um pouco febril.
Chamou outro. A informação que recebeu não
variou muito.
O terceiro, mais calmo atendeu.
- Manel,
estou confuso. Queres-me dizer o que se passou ontem?
- Mais confuso estou eu e, como sabes, costumo ter um raciocínio calmo.
Mas entre confuso e calmo estou maravilhado com o que vimos.
- Temos que nos encontrar. Hoje não, que eu estou demasiado baralhado.
Amanhã, num lugar onde ninguém nos ouça.
- Antes de desligares: porque não convidaste os teus dois bisavôs? E o
Saramago?
- Não me digas nada porque estou com medo de ter ficado avariado da
cabeça. Amanhã com mais calma falaremos. Mas sobre o Saramago posso já
adiantar-te que, para mim é persona non grata. Um cara que foi mau, vingativo,
perseguiu os colegas do jornal, e por fim escreveu livros duma senilidade
nojenta! Nem o São Pedro sabe por onde ele anda! Certamente em lugar mais
quente do que nas Canárias!
Desceu do hotel, já tarde, cheio de fome. Pagou
a conta e em vez de procurar o carro, foi andar um pouco. No Largo do Mosteiro
encontrou um restaurante. Aspecto agradável. Sentou-se na esplanada, bem fronteiro
ao Mosteiro, sem conseguir dele tirar os olhos. Pediu costeletas de carneiro, e vinho bebeu do melhor que “A Casa” dispunha,
uma garrafa de Ramisco da adega
Regional de Colares, colheita de... Refez as forças.
Sem poder conduzir por ter bebido, andou
algumas horas a pé à volta do Mosteiro.
Finalmente meteu-se no carro e foi embora.
Sem saber ao certo o que se tinha passado.
21/01/2017
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