Era uma vez... na Guiné - 1991
Ainda mais duas viagens em trabalho, que apesar de em
nada terem resultado, ficaram na memória. Aliás são três viagens porque a
Angola fui duas vezes, com pouco tempo de intervalo e com a mesma finalidade.
Hoje vamos à Guiné-Bissau.
O avião aterrou por volta da meia noite. À minha
espera também um colaborador do Pão de Açúcar (de Portugal).
E começa a descarga das malas. À mão. Avança um
carregador até ao avião. Parava. Conversava um pouco com os colegas. Pegava
numa mala e levava-a até ao saguão do aeroporto. Largava a mala e descansava um
pouco! E assim se foi sucedendo a descarga.
Às duas horas da noite ainda eu esperava a minha mala,
quando o meu “cicerone” sugeriu que fosse para o hotel assim mesmo, que ele se
encarregaria que alguém me levasse a dita, tão logo aparecesse.
Paciência. Nem pijama, nem nada de toalete – escovar
os dentes, por exemplo – e deitei-me.
O hotel, se me lembro, seria um Holiday Hinn, fora
cidade, construção recente, mas muito incómodo para quem tinha que andar na
cidade. (Será hoje o Hotel Lybia?) De noite lá apareceu a sobredita mala, que
me foi entregue já eu tinha adormecido, mas pela localização preferi mudar para
outro hotel. Construção antiga, tinha sido a sede dos oficiais do exército
português, e passou a chamar-se Hotel “24 de Setembro”, data da declaração
unilateral de independência do país, uma razoável quantidade de confortáveis pequenos
apartamentos, que serviram aos oficiais e famílias, uma boa área central, tudo
em pleno e bom funcionamento, e onde se encontravam todos os visitantes
estrangeiros e, à tarde, os “importantes” da terra, incluindo o presidente,
Nino Vieira, que gostava de aparecer com ar “democrático e popular” no seu
carrão e boa escolta de jipes, para “paternalmente” acenar, sem sair do carro, aos
“importantes, dar a volta e sair!
Bom serviço e boa comida.
Hotel 24 de
Setembro
Nesse hotel, todos os dias aparecia um vendedor de
artesanato, peças pequenas, madeira, prata, malaquita, etc., tudo muito bonito.
O Mamadou. Um cara grande, gordo, simpático e que sempre fazia bom negócio com os
visitantes. Muçulmano, não me largava, não só porque eu conversava muito com
ele, como sobretudo porque eu não comprava nada!
- Mamadou,
você é muçulmano, quantas mulheres tem?
- Quatro, que
mais a lei aqui não permite. (Filhos
já não lembro quantos disse que tinha)
- E como é a
organização com tanta mulher para dormir?
- A primeira
mulher é quem organiza tudo, e além disso fica de olho nas outras para que não
façam nenhuma estupidez. Cada uma tem sua casa onde vive com os filhos. Toda a
semana mudo de mulher. Sai uma, que leva toda a roupa de cama e pessoal para lavar
e entra outra com tudo lavadinho. E assim vai. Todas se dão bem.
- Caramba,
Mamadou, você tem uma vida de sultão!
Ele ria e insistia para eu comprar qualquer coisa, mas
eu nada!
Pelas ruas da cidade viam-se, completamente
abandonados, grupos geradores que pareciam novos. À primeira avaria, ou por
falta de peças, ali ficavam a enferrujar, equipamento caro, da Caterpillar!
Na entrada da área onde estavam os serviços de
Agricultura, um trator, completamente novo, com os dois pneus grandes vazios.
Nunca trabalhou. Um descaso impressionante.
Pelas ruas vendiam-se livros surripiados aos antigos
serviços, como o da agricultura. Comprei por mirreis, uns livros, já raros
naquele tempo sobre o estudo completo dos solos do país e mais dois ou três,
todos com o carimbo do tempo colonial! Tudo saqueado.
Saímos da cidade pouco para o “mato”, para o interior
da floresta (tivemos que passar por dois controles militares, mostrar
documentos, etc.), atravessar pelo menos um dos braços de mar em jangada, para
chegarmos por fim à vista do que teria sido uma relativamente grande instalação
industrial. Obra feita pelos “generosos” bancos internacionais, para industrialização
da mancarra, o nosso amendoim.
Mas, ó céus, a Guiné produz, ou produzia muito
amendoim, praticamente tudo trabalhado na base da agricultura familiar, e o
projeto dos sábios foi reunir a produção num centro. Esqueceram-se dum
“pequenino” detalhe. O país é todo atravessado por rios e braços de mar, de
modo que para ir dum canto a outro, tem que se dar a volta pelo interior, e
assim mesmo atravessar diversas jangadas, depois de ter andado umas centenas de
quilômetros por estradas quase intransitáveis! Resultado a “fábrica”, quase
inativa, construída em estrutura de ferro, naquele clima estava toda
enferrujada e quase nada fazia. Assim mesmo o guarda que lá estava não nos
deixou visitar aquele elefante branco.
Foi assim que os países NÃO colonialistas trataram os
novos países após a independência. Sugaram, e ainda sugam, quanto podem.
Também fomos perto da fronteira com a Guiné Conakry,
ver como eram “exportadas” as belas mangas da Guiné-Bissau! Tudo vinha do país
vizinho, já embaladas e depois exportadas para Portugal como mangas de Bissau!
À procura de algo que pudesse propor ao país, que
sofria, fomos aos Serviços de Agricultura. Começámos por consultar dados
estatísticos que... quase todos acabavam em 1974! O mais impressionante foi
constatar que o índice pluviométrico tinha caído, nos últimos 25 anos da
estatística existente, cerca de 20%, sobretudo no norte, fronteira com o
Senegal, onde o avanço do Sahel é inexorável. E continua a avançar uns
quilômetros cada ano.
O diretor dos serviços, engenheiro, quando lhe falei
nestes dados respondeu, tranquilo:
- Não.
Continua a chover bem!
Não
devia saber que eu estava falando.
A Guiné continuava a explorar madeiras, derrubando
florestas. Um dos métodos para aguentar um pouco o avanço do deserto, seria uma
barreira de árvores. Falei nisso e disse que se podia arranjar dinheiro para um
programa desse tipo. Não entendeu a minha língua! Não se interessou.
Depois visitei a fazenda dum senhor que, para sua
infelicidade tinha tido posição influente no tempo dos portugueses. Uma casa
grande, grande área com árvores de fruta, floresta e zona de cultivo de
legumes. Na nossa conversa surgiu a ideia de transformar aquele lugar numa
escola de ensino agrícola. Era fácil. Tudo “quase” pronto, facilmente
adaptável, só precisando depois de arranjar professores.
Fui falar com o ministro da economia. Caboverdeano, um
dos companheiros de Amilcar Cabral, e dos mais influentes no país, depois da
independência ficou melhor na Guiné. Lá mandava.
Expus-lhe a ideia da escola, do local, quase dentro da
cidade, infraestrutura com imensos recursos, etc. Ouviu tudo. Depois
levantou-se, foi comigo junto a um grande mapa do país, que ocupava quase uma
parede inteira e disse-me que a ideia era interessante, mas não no local que eu
indicava.
Havia outras áreas muito melhores, e mostrou-me a que
ele escolheria.
Conversámos um pouco mais, saí, e quando voltei a
falar no assunto com outras pessoas, tive logo a resposta certa:
- É evidente que
ele quer o projeto nessa área. Aí as terras são quase todas dele.
Acabou-se a escola agrícola!
Véspera
de ir embora, juntámos um grupo de hóspedes do hotel, mais o meu amigo do Pão
de Açúcar que nos levou a um lugar para comer ostras.
Duas casas pegadas, um pátio na frente. Um abria as
ostras no fogo, o outro, uma venda/bar vendia as cervejas! As doses de ostras
eram calculadas conforme o tamanho da base onde eram servidas: prateleiras de
antigas estantes de aço dos serviços públicos! As mais estreitas, uns 15
centímetros de lado, eram uma dose! As largueironas, talvez uns 30 ou 40 eram
duas ou três. Mas as ostras eram uma delícia!
À saída, no aeroporto, ainda tive problemas
desagradáveis. Um vendedor tinha-me impingido, por 10% do valor pedido
inicialmente, um brinquedo, tipo marimba com uns 30 cm. de comprido, que com
relutância acabei por levar. Levava comigo isso e mais um saquinho com 200 ou
300 gramas de caju torrado, cuja intenção era ir comendo no avião.
Passo na alfândega, com a “marimba” num saco de
plástico e uma maleta de mão tipo “007” que mandaram abrir. O “chefe” diz para
um dos “fiscais” mostra o papel para ele.
Vi logo que vinha encrenca e recusei-me a ler. Disse que estava sem óculos.
Então eles leram o essencial: “Era
proibido levar artesanato e castanha de caju”.
Depois da chatice em Moçambique, deu-me um ataque: “Pois fiquem com essa porcaria toda”,
deixei mala e tudo em cima do balcão e fui embora. Passado um pouco vieram
dizer-me para lá ir buscar. Dali passei a uma sala especial de inspeção.
Vingaram-se. Mandaram-me despir, fiquei em cuecas, vistoriaram tudo e depois
deixaram-me.
“Sorte” ter encontrado na fila de embarque o “diretor”
do turismo do país que tinha conhecido no hotel. Esculhambei com a vida dele, e
como viajava em 1ª classe, sendo o primeiro a sair em Lisboa, avisei-o: Quando
chegarmos vou dizer aos ficais que você é traficante. Vai ver como é agradável
a recepção!
Como imaginam não disse. Mas voltar à Guiné, eu... não
quero. Nunca mais.
19/05/2016
A semelhança é assim em quase toda a Africa,,,assim parecido vi no Congo ex belga, no Sudão, na Tanzania,Angola , mas o pior de tudo foi na Nigeria... excepção para o Congo ex francês
ResponderExcluirsaudações do bcastro