quarta-feira, 11 de maio de 2016



Era uma vez...
Cabo Verde - 1991


Ainda com a empresa espanhola de projetos – GEIPEX –uma ida a Cabo Verde.
Avião aterra no Sal, uma ilha com uns 27 km. de comprido e até de 10 no mais largo, altitude (?) máxima de cerca de 40 metros, onde se situa o aeroporto.
Sensação à chegada: deserto, céu e mar lindos, gente atenciosa, tudo plano, temperatura agradável. Pouco depois entrada no avião de hélice para nos levar à capital, cidade da Praia na ilha de Santiago, em menos de uma hora.
à minha espera um conhecido (ou colaborador) do Grupo Pão de Açúcar, cujo nome já ficou para trás da memória, mas que todo o tempo foi de uma inexcedível gentileza e a quem até hoje recordo com gratidão e simpatia.
Uma rápida volta pela cidade, incluindo a passagem frente à estátua de Serpa Pinto, o grande oficial português que governou Cabo Verde entre 1894 e 1897, o que me deixou agradavelmente surpreso, e depois um descanso no hotel, simpático, numa localização magnífica e que creio será hoje o Hotel Praia Mar.
No dia seguinte começou com uma visita ao mercado, um espetáculo de animação e colorido, sempre rostos com sorrisos cativantes, e depois uma rápida volta pelo interior, quase todo seco, vermelho que verdece rapidamente com qualquer chuvinha que caia, o que é raro, e marcação de entrevista com o Ministro da Agricultura.
Aproveitámos ainda o tempo para ir ver a Cidade Velha, o primeiro estabelecimento dos portugueses quando se instalaram na ilha. Ainda lá está um lindo pelourinho e as ruinas da antiga catedral. Mas como tudo, ou quase, em Cabo Verde são lugares em que apetece ficar a viver!
Aquele mar...


A conversa com o ministro não levou a lugar algum no que respeita a projetos de desenvolvimento. O grande problema de quase todas as ilhas de Cabo Verde é a falta de água, de chuva. Cai, por vezes em dois ou três dias o que deveria cair em um mês ou mais, e lá vai ela correndo encosta abaixo lavando e erosionando tudo à sua passagem. Alguns, raros vales, retém um pouco dessa preciosa água, e assim o grande problema seria poder-se represar essa água. Onde? Difícil, e além disso o índice de evaporação naquele clima quente e seco é altíssimo. O ideal seria poder armazená-la em túneis dentro das montanhas, mas como o ótimo é inimigo do bom, o custo tornaria a obra impensável.
Nessa época Cabo Verde vivia muito de remessas de imigrantes sobretudo dos EUA e da Europa. Uma boa fonte de divisas.
Uma das coisas que disse ao ministro foi que deviam lamentar terem-se tornado independes, pior, junto com a Guiné, porque poderiam ter optado pelo mesmo estatuto do Açores e desse modo estariam integrados na UE.
Fez um ar espantado! E insisti:
- O que Cabo Verde tem a ver com África?
- Essa agora! Nós somos africanos! (O ministro era de pele escura)
- Do mesmo modo que há africanos em Portugal, na Europa e nos EUA. O que Cabo Verde tem a ver por exemplo, com a Guiné?
- Somos o mesmo povo!
- Sr. Ministro, o mesmo povo? Aqui tem gente loura, de olhos azuis, a maioria é mestiçada, com tons de pele do mais claro ao mais escuro e alguns africanos. E a Guiné?
- !!!!
- E quantas etnias há em Cavo Verde?
- Etnias?
- Sim. Porque na Guiné são dezenas, e aqui, que eu saiba são todos caboverdeanos!
- Quantos dialetos há na Guiné?
- Isso é verdade. Muitos.
- Dezenas, e muitos não se entendem entre si. E aqui? Fala-se o português e o crioulo, e todos se entendem perfeitamente. Em Portugal um alentejano também tem dificuldades em falar com um ilhéu dos Açores, mas são todos o mesmo povo.
- E para terminar: religiões, quantas há na Guiné? Cristãos, muçulmanos na maioria, e animistas de vária ordem. E aqui? Cristãos e possivelmente alguns pagãos. Agora diga-me o que Cabo Verde tem a ver com a Guiné, com África? Está perto?
O ministro deu-se por vencido e deve ter ficado a matutar que teria sido melhor terem ficado como os Açores. Agora era tarde.
Negócio, projetos do governo, nada!
Pouco ou nada tendo para fazer, depois de falar com mais um ou dois membros do governo, soube que havia um campo de golf. O meu “cicerone”, amável, conhecia um dos sócios que se prontificou a autorizar-me a ir jogar um pouco e emprestar-me os tacos. Perto da Praia, uns pouco minutos.
Campo de golf... num semideserto, os “fairway” secos, de terra muito batida, gente a atravessar por todo o lado ao ponto de eu ver um bola que acabara de jogar voar em direção a uma mulher que levava uma bilha de água na cabeça! Passou-lhe a escassos centímetros atrás da cabeça e, ou ela não deu por isso ou já estava habituada. Eu é que levei um susto!
Mas foi uma novidade. Já tinha jogado golf (sempre mal, claro) em campos verdes com “greens” verdinhos, em Portugal, campos castanhos e “greens” castanhos em Luanda, e agora estava ali a jogar em campos amarelados e greens pretos! Os “greens” eram de terra vulcânica, completamente preta e a bola ali não corria. Cheguei algumas vezes bem perto do buraco, mas fazer a bola andar mais um metro ou dois foi um sufoco! De qualquer modo guardo um palmarés que deve ser raro: joguei em campos de greens verdes, castanhos e pretos!
Sexta feira, para despedida o meu guia, junto com a mulher, levou-me a visitar o famigerado Tarrafal, onde a PIDE “guardou” durante anos sem fim inúmeros opositores ao regime salazarista e colonialista.
Está lá até hoje, mas é triste ver e pensar na estupidez das ditaduras.
Almoçámos, muito bem, num restaurante ali junto à praia, e como o meu amigo tinha sempre feito questão de não me deixar pagar nada, antes de terminarmos a refeição fui falar com o dono e dei-lhe logo o dinheiro da despesa. O que fui fazer! Meu Deus! O casal ficou ofendidíssimo, levou-me de volta ao hotel e não me quis ver mais. Achou que eu lhe tinha feito uma grave ofensa!
O voo de Regresso a Lisboa seria só domingo à tarde, e nada mais havendo a fazer na Praia, decidi passar o último dia, sábado, na ilha do Sal, num hotel magnifico, o Morabeza, na praia de Santa Maria, mesmo na ponta sul da Ilha.
Cheguei ao fim da tarde de sexta feira e... não havia quartos! Mas o gerente lá se mexeu e acabou por encontrar um bangalô. Era assim o hotel: Uma área “social”, com restaurante e bar, outro restaurante na praia, no meio da areia, e depois uma porção de bangalôs independentes pela paria fora. Uma maravilha.
Temperatura ideal, ventinho agradável durante a noite (não havia ar condicionado!), uma praia sem fim, águas a 24-25°, enfim um paraíso. Os hóspedes quase todos belgas. Toda a semana chegava um avião de Bruxelas e trocava os turistas! Aliás o hotel era ou tinha sido de um casal belga.
Quando ele se aposentou comprou um rebocador de alto mar, adaptou-o para nele viver com a mulher e correr mundo, mas quando chegou àquela praia, no Sal, não saiu mais. Construiu uma casa grande e vivia a convidar amigos para lá irem passar férias.
A SAA – South African Airways – ainda no tempo do apartheid não estava autorizada a sobrevoar os países já independentes, tendo que contornar o continente africano, e com esse desvio os aviões não tinham autonomia para chegar à Europa. Encontraram uma solução ideal: propuseram ao tal belga que construísse mais uns quantos quartos que a SAA lhes garantiria a ocupação deixando sempre lá uma tripulação para revezar outra. Assim, parece, terá nascido aquele esplêndido hotel.
Os hóspedes, enquanto lá estive (dormi duas noites!) não se preocupavam muito com pudor. Vi pelo menos duas hóspedas ( que pareciam de muito belo aspeto físico) trocando de roupa, com a porta para a praia toda aberta... para ventilar. A vista era imperdível. Vista para o mar, enquanto elas ventilavam tudo com perfeição!
Quando chegou a altura da partida, não consegui pagar a conta: não lhes interessavam cheques nem tinham cartão de crédito. Não houve problema: deram-me a fatura e indicaram-me quem devia contatar e pagar em Lisboa. O que eu fiz, o que é que pensam?
Mais umas palavrinhas sobre Cabo Verde: naquela altura vida barata e a minha comida com uma ou outra exceção foi camarão e lagosta. Todo o tempo. E vinho. Português. Óbvio.
Gostaria de lá voltar, mas vou ter que deixar os sonhos tomarem conta dessa outra viagem.


09/05/2016

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