Matadouros
de Lisboa
Nas mais antigas religiões e nos escritos e legislação
das primitivas civilizações encontram-se vestígios dos primeiros rudimentos da inspeção
de carnes, missão de que se incumbiam os sacerdotes de determinadas castas, que
tinham como principal mister velar pela vida humana.
Referem-se lhe os manuscritos da Índia, principalmente
o Código das Leis de Gentoux (?) e o das Leis de Manú.
De entre os povos antigos, destacaram-se os hebreus
como legisladores em assuntos de higiene alimentar; a Bíblia e o Thalmud
encerram quanto em tal época se sabia sobre a qualidade das carnes. No Levítico
acha-se inscrita, no Capítulo IX, a relação dos animais que se podiam consumir.
O antigo Império Egípcio legou-nos interessante
documentação como, por exemplo, nas admiráveis pinturas do templo de Thebas
onde, entre elas, uma há que apresenta os sacerdotes inspecionando
cuidadosamente as reses que se ofereciam a Amon. Parece que os deuses tinham,
como os homens, acentuada repugnância pela oferenda de animais doentes.
Na velha Grécia, diz-nos Homero que os seus heróis se
alimentavam principalmente de carne. Na Ilíada descrevem-se inúmeros banquetes
onde se sucediam os pratos compostos, quase exclusivamente, das mais variadas
carnes. Na História Natural de Plínio e na obra Da Natureza dos Alimentos de
Galeno, encontra-se exposto quanto interessava cumprir sobre tão importante assunto.
Até esta época não havia matadouros, isto é, locais
privativos destinados à matança e preparação das reses destinadas ao consumo
dos povos. Deve-se aos romanos a mais admirável organização sobre o comércio
dos produtos cárneos, legada pela legislação dos tempos antigos, sendo os primeiros
que construíram matadouros públicos, destinados ao abate dos animais para
abastecimento das grandes cidades. No ano 300 antes de J. C., os romanos
sacrificavam as reses diante do Fórum, na presença dos deuses; os
fulminantes progressos da sua civilização impeliram a prática de tal acto para
locais afastados e a ele exclusivamente destinados.
Assim nasceram os primeiros matadouros, conhecidos no
Império sob o nome de Macellus
(mercado de carne). Entre os Macellus criados, os mais
notáveis foram os de Roma, Macellus Liviae ou Livíanum, compostos
de vários Livianae ou compartimentos destinados à matança do gado e que
se chamavam Boani, Suam, Pecuarii, em harmonia com a espécie animal
neles abatida.
Um dos mais antigos matadouros de Lisboa terá sido, no
ano de 1767, no antigo “Campo do Curral”, onde existiu bem perto a “Praça de Touros de Salitre” e
o “Matadouro do Campo do
Curral”, Mais tarde e, depois do terramoto que abalou Lisboa em
1755, passou a chamar-se “Campo de Santana”.
Campo
de Sant’Anna em 1812
Sucederam-se os séculos e, através deles, têm-se
sucessivamente melhorado até atingirem o alto grau de aperfeiçoamento que, no
século XX, caracteriza estes estabelecimentos industriais.
Atualmente, um matadouro moderno é um estabelecimento
industrial que visa uma tríplice finalidade: transformar em carne, própria para
o consumo, os animais que lhe são confiados para abater; preparar os produtos
derivados, destinados à pública alimentação; aproveitar os subprodutos, entregando-os
ao comércio sob o seu mais alto valor industrial.
O aligeiradíssimo esboço histórico que, a largas
pinceladas, se esboçou mostra como tão importante assunto tem constituído,
desde os mais antigos tempos, motivo para preocupação de todos os povos.
Quando em 28 de Maio de 1926 se implantou a Ditadura
Militar foram animadas as autarquias locais por um sopro de vitalidade que
entusiasmou as populações do Norte a Sul do País. Os Municípios lançaram-se
denodadamente na realização das mais justas, merecidas e ambicionadas
aspirações materiais traduzidas por melhoramentos que, até então, só aos
grandes centros populacionais era dado usufruir.
A Câmara Municipal de Lisboa ao contágio da ânsia
renovadora imediatamente viu a necessidade imperiosa da construção de um novo
Matadouro, fora do centro citadino.
Ao deliberar o Município de Lisboa, em sessão de 22 de
Dezembro de 1852, mandar proceder aos estudos para a construção do actual
Matadouro, inaugurando em l de Janeiro de 1863, os terrenos que o circundavam
encontravam-se totalmente libertos de quaisquer construções, visto que a Cruz
do Taboado (onde é hoje a Direção Nacional da Polícia Judiciária, junto à Rua
Escola de Medicina Veterinária) constituía, ainda, uma bairro relativamente
afastado do centro citadino). Este Matadouro era abastecido pelo Mercado Geral
de Gados, que, abatido deu lugar à Nova Feira Popular de Lisboa, em Entrecampos.
Mercado Geral de Gados, depois Feira Popular. Entrada
pela Avenida da Répública
A cidade foi-se expandindo; como que por encanto
rasgaram-se amplas avenidas; os seus progressos delinearam-se precisamente para
os lados onde se tinha construído o Matadouro e, hoje (1937), este encontra-se
situado numa das mais belas avenidas de Lisboa.
Foi o reconhecimento da sua deslocada situação que,
entre outros motivos, determinou a resolução, reconhecida como imprescindível,
de libertar a cidade de um estabelecimento que, apesar dos cuidados consagrados
à manutenção da sua higiene, é insalubre por lei e incómodo de facto.
Não foram as acanhadas dimensões do Matadouro,
construído para uma cidade que então contava uns escassos trezentos mil
habitantes, nem a sua deslocada situação atual os únicos motivos que imperaram
no espírito da Câmara para determinar a resolução da sua transferência.
Prementes razões de ordem económica impõem a criação dum novo estabelecimento,
com as condições precisas para interferir eficazmente na regularização do
abastecimento de carnes, caracterizado este pela lamentável alternância de
fases de superabundância de gado e de acentuada escassez. A sua construção
serve, ainda, para estimular a produção do armentio bovino e ovino, pela
garantia dada à lavoura metropolitana de se lhe conceder os meios necessários
para colocar as suas reses na época em que as tem cevadas, subtraindo-se à
dependência em que atualmente se encontra de só poder desfazer-se dos animais
destinados ao mercado de Lisboa em pequenas partidas condicionadas pelas
necessidades do consumo diário.
Esta contingência determina demoradas esperas que se
traduzem pelo desperdício de milhares de quilos de carne, perdidos durante o
período que decorre desde a oferta do gado até ao momento em que é abatido.
A escolha do terreno constituiu a primeira dificuldade
a vencer.
Posta de parte a primitiva ideia de construir o
matadouro numa propriedade municipal em tempos adquirida, mas que não reunia
as condições precisas, tanto pela pequenez da área, como pelo acidentado da
topografia, caiu a preferência numa propriedade que foi pertença da Manutenção
Militar e que obedecia a premissas pré-estabelecidas e que são consideradas
indispensáveis. Primeira, a área suficiente para nela se instalar: um grande
frigorífico, o matadouro e respectivas oficinas de preparação de produtos, os
edifícios da administração, o depósito de gados e, ainda, todas as numerosas
dependências consideradas imprescindíveis; segunda, proximidade das vias férrea
e fluvial; terceira, localização próximo da cidade.
Adquirida a propriedade e completada a área precisa
pela expropriação de terrenos que lhe ficam ao Sul, delineou-se o plano geral
do futuro matadouro obedecendo a um programa concebido por uma comissão
constituída por um engenheiro e dois médicos-veterinários, por forma à
satisfazer as exigências de uma cidade como Lisboa, aglomerado atual de 600.000
habitantes e que, como tudo faz prever, verá o seu índice demográfico
sensivelmente aumentado dentro de um número de anos relativamente curto. O
esquema de conjunto traçado para as instalações do Novo Matadouro abrange não
só o espaço bastante para todas as secções, como prevê as necessárias
ampliações para o futuro, quando o natural aumento da população citadina as
exigir.
Reconhecida a vantagem de se fazer a marcha dos
serviços, no terreno adquirido, a partir da margem do Tejo, estabeleceram-se as
secções em alas paralelas a esta margem, por forma que os animais chegados
pelas vias terrestre, férrea e fluvial se concentrem todos no mesmo
departamento, ou seja, no Depósito Geral de Gados (onde mais tarde se fez a
Expo 98).
O Matadouro do Largo da Cruz do Taboado encerrou as
suas atividades em 30 de Abril de 1954 e o de Cabo Frio inaugurado em 24 de
Outubro de 1954... morreu para dar lugar à Expo 98!
E a propósito de carnes: ainda se come “aquele bife”
no Nicola? Até o Bocage gostava!
05/11/2015
Gostei de saber um pouco mais das origens mais longínquas do matadouro de Lisboa. Sabe, tio Chico, quando comecei a trabalhar em 1975, foi precisamente na remodelação e modernização dos matadouros do país, que, com o fim do estado corporativo passaram das Câmaras Municipais para a Junta Nacional dos Produtos Pecuários. O conceito que antigamente vigorava de haver matadouros junto dos centros de consumo foi substituído pelo de aproximá-los às zonas de produção.
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