Lisboetas – IV
As ossadas e o Mosteiro dos Jerónimos
Quem
não conhece o Mosteiro dos Jerónimos? Talvez o mais importante, e o mais visitado
monumento de Portugal. Uma obra única e bem portuguesa.
Foi
mandado construir por Dom Manuel I, no lugar onde o Infante Dom Henrique tinha
construído, para os mareantes, uma pequena ermida da Ordem de Cristo à entrada de Lisboa, junto às margens do
Tejo. Em 1499 Dom Manuel fez doação do mosteiro aos monges de S.
Jerónimo.
Foi
o célebre arquiteto francês Jacques Boytac, Diogo Boitaca em português, o
grande mestre do manuelino, o encarregado de dirigir tão importantes trabalhos
que começaram em 1502, ano em que começou também a traçar o que seria a
maravilhosa Torre de Belém.
À
frente destas obras se conservou até 1516. No ano seguinte foi João de Castilho
o responsável, junto com uma série de grandes artistas portugueses, franceses,
espanhóis e outros.
Começa
por aqui o mistério do Mosteiro dos Jerónimos.
Num
quadro de 1657, que temos que aceitar como uma “foto” autêntica, o estilo
manuelino por ali... ainda estaria para ser pensado! Vê-se o pórtico que parece
igual ao de hoje e pouco mais.
Em
uma outra pintura, um pouco mais recente, começa a ver-se um “manuelinho”
nascente, mas nada que se possa comparar ao que é hoje.
Em
1833 o Mosteiro era uma ruina e foi entregue à Casa Pia para acolher jovens,
mendigos e desfavorecidos. Começa somente a ser reconstruído em 1860, obra,
imensa, que foi até ao fim do século.
Isto
nos leva a crer que os Jerónimos são uma bela obra do século ... XIX!
Lá
estarão sepultados, entre outros, o rei D. Manuel e sua segunda mulher D. Maria
de Aragão e Castela, D. João III e sua mulher D. Catarina da Áustria, e... , e
dizem também que lá está o triste, inexperiente e eternamente aguardado D.
Sebastião que nunca voltou do Magrebe, nem morto, mas interessantes também são
os túmulos de Vasco da Gama e de Luis de Camões. Sem dúvida duas belas peças
escultóricas, em estilo “manuelininho” ambas do século XIX.
Mas parece que alguns destes túmulos são uma farsa.
Comecemos por Dom Sebastião. Em Julho deste ano
escrevi um pouco sobre os Falsos Sebastiões, mas repito aqui uma pequena
passagem, relembrando que o povo português ansiava pelo retorno do seu jovem
rei, o que prejudicava a aceitação do espanhol Filipe II/I:
“O primeiro fingido a manifestar-se foi El-Rei D.
Filipe I de Portugal no ano de 1582, mandando vir de Ceuta um corpo que lá estava
depositado, dizendo ser o d’El-Rei D. Sebastião e o enterrou no Real Convento
de Belém, na capela que está no Cruzeiro, da banda da Epístola e achando-se o
dito Rei D. Filipe pessoalmente a todas estas cerimónias.”
Mentira. Mandaram um corpo qualquer e o espanhol
enganou uns quantos portugueses. Poucos.
Continuemos pelo túmulo de Vasco da Gama, a quem o
rei D. Manuel, em 1519 deu o título de Conde da Vidigueira, o primeiro português
a ser nobilitado sem ser de sangue real. Morreu na Índia, em Calicut em 1524 e
foi sepultado naquela cidade na Igreja de São Francisco. Em 1539 os seus restos
mortais são trasladados para Portugal, mais concretamente para a Convento de
Nossa Senhora das Relíquias do Carmo da Vidigueira, onde repousou, tranquilo
até... dizem, 1880. Talvez antes, porque com a abolição das ordens religiosas
em 1834, talvez, talvez, alguém tenha querido salvar os despojos do grande
Almirante e os escondido nalgum outro lugar. Mas oficialmente diz-se que em
1880 foi para os Jerónimos, colocado ao lado de Camões. Terá ido, terá...
porque parece que os vidigueirenses na ocasião se opuseram à saída do seu mais
ilustre personagem. Aliás em 1884, sem saber qual a data certa e o nome, “um jornal lisboeta afirmou saber onde se
encontravam os verdadeiros restos de Vasco da Gama” e que não estariam nos
Jerónimos. Mistério!
E muito menos ao lado dos ossos de Camões, porque
com o maior vate das letras lusas o caso é mais complicado e.... vigarizado.
Viveu Luis de Camões seus anos finais num quarto de
uma casa próxima da Igreja de Sant’Ana, num estado, segundo narra a tradição,
da mais indigna pobreza. Seria um exagero romântico, pois ainda podia manter o
escravo Jau, que trouxera do oriente, e documentos oficiais atestam que
dispunha de alguns meios de vida. Parece que, tendo adoecido com a peste foi levado
para o hospital, onde faleceu a 10 de junho de 1579, sendo enterrado numa
campa rasa na Igreja de Sant’Ana, ou no cemitério dos pobres do mesmo hospital.
Depois do terramoto de 1755, que destruiu a maior
parte de Lisboa, foram feitas tentativas para se reencontrarem os despojos de
Camões, todas frustradas. Mas....
Em 1858 uma comissão foi
constituída e encarregada por Rodrigo da Fonseca, então ministro do Reino, de
encontrar as ossadas do lírico e lhe dar sepultura digna, para coincidir com o
tricentenário da sua morte, outro erro, porque terá falecido em 1579. Só nesse
ano morreram em Lisboa mais de 40.000 pessoas, e as freiras do convento mais
não faziam do que as “encaixar” de qualquer modo, em qualquer canto da igreja
ou fora dela, ninguém cuidando de assinalar o que era de quem, e certamente as
freirinhas nunca teriam ouvido falar em Camões, Lusíadas nem, quem sabe, na
Ilha dos Amores, por quem certamente, muitas suspiravam!
No entanto “até
a própria comissão teve dúvidas da autenticidade do que trasladou”.
No relatório da comissão pode ler-se, referindo os
trabalhos de escavação empreendidos em 1858, que “a uma certa altura viram-se ossos em forma que se lhe não tinha
mexido. Alguns d’estes eram pois sem dúvida os de Luiz de Camões; mas quais, se
nem era possível distinguir a sepultura”!
A solução encontrada foi carregar uma boa braçada de ossos,
quaisquer, e dizer que seriam do vate.
Nada disso impediu a farsa.
“Levaram-se os ossos em
procissão, com a máxima solenidade, desde o velho convento de Sant’Ana até ao
Arsenal, e dali, numa esquadrilha de vapores, ao cais de Belém, e meteram-se no
venerando templo dos Jerónimos, dentro de um caixão, ossos, com que se podiam
compor vários esqueletos – até de mulheres – e dizia-se em voz alta que eram os
restos do imortal autor dos Lusíadas. Pela boca pequena, afirmavam todos, serem
despojos de sapateiros e freiras! Deixaram ir o rei e a rainha pôr flores no
caixão das madres de Sant’Ana e dos confrades de S. Crispim, bem como no de
Vasco da Gama, igualmente apócrifo; e ninguém na imprensa ergueu a voz para
impedir isto! Ainda mais: negou-se lugar a quem quis impedi-lo.
Apenas
uma sociedade científica, por instâncias que eu fiz a um dos seus membros,
encetou a questão, mostrando a necessidade de se examinarem os ossos, antes da
procissão; e neste sentido oficiou a outra corporação sábia. Esta julgou
prudente atabafar o negócio, dizendo «que deixassem ir tudo na fé dos
padrinhos»!
Deixou-se
ir. Prosseguiu o ruído entusiástico, as músicas, os foguetes e salvas, as
iluminações esplêndidas, os discursos eloquentes, os versos, que eu também
fiz, sem ter nenhuma admiração postiça, mas simplesmente com a que sempre
tivera e tenho ainda hoje. Passada a onda de papelão pintado, pareceu
conveniente nomear-se uma comissão
para ir procurar os ossos de Camões no convento de Sant’Anna! E
nomeou-se! E ela, cônscia da imensa responsabilidade que lhe cabia, depois dos
estupendos factos que acabo de narrar, procurou, trabalhou com zelo,
consciência e probidade, com todas as qualidades e virtudes de que se vêem já
tão raros exemplos n'esta terra. Findos os seus estudos fez deles extenso e
perfeito relatório, provando, à luz da mais sensata e rigorosa crítica, que os
restos do imortal cantor das nossas glórias tinham sido tirados desde muitos
anos, talvez que até com intuitos criminosos, do lugar onde fora a sua
verdadeira sepultura; e que estavam perdidos para sempre. Entretanto, pode ir
ver quem quiser – se não os foram tirar já de lá, à capucha, os caixões
depositados no mosteiro de Belém, dos quais se afirmou oficialmente que contém
os restos de Camões e os de Vasco da Gama.”
Em 2007, dois arqueólogos,
Rosa e Mário Varela Gomes escavaram o sítio do antigo convento, e dizem que os
ossuários eram fossas escavadas no solo! Trezentos anos depois encontrar
naqueles escombros e fossas os ossos de Camões, sempre pareceu uma brincadeira
de muito mau gosto.
Mas lá está um lindo túmulo,
falso, no Jerónimos.
Até o túmulo de Alexandre
Herculano foi alterado. Tiraram-lhe o baldaquino.
Notas:
1.- O que vai escrito em itálico é tirado do livro
“Memórias Biográficas de Garrett” de Francisco Gomes de Amorim, 1827-1891.
2.- No site “oficial” do
Governo de Portugal – Secretaria de Estado da Cultura”, http://www.mosteirojeronimos.pt/pt/index.php?s=white&pid=221 tem estes dizeres:
Em 1888, é colocado o túmulo
de Alexandre Herculano (que foi
modificado no século XX).
Para celebrar o IV Centenário da
chegada de Vasco da Gama à Índia (1898), decide-se em 1894 concluir as obras de
restauro. Os túmulos de Vasco da Gama e Luís de Camões, da autoria do escultor
Costa Mota, são colocados na capela lateral sul (Foi em 1880). No ano seguinte o Mosteiro recebe os restos mortais
do poeta João de Deus. Posteriormente, instalam-se também os túmulos de
algumas figuras da literatura e política: Almeida Garret (1902), Sidónio Pais
(1918), Guerra Junqueiro (1923) e Teófilo Braga (1924).
Nenhum
destes últimos está nos Jerónimos. A Secretaria da Cultura (Cultura?) não
poderia corrigir estes dados... falsos?
20/11/2015
O Panteão Nacional, criado por Decreto de 26 de setembro de 1836, encontra-se instalado em Lisboa, na Igreja de Santa Engrácia.
ResponderExcluirÉ ainda reconhecido o estatuto de Panteão Nacional, sem prejuízo da prática do culto religioso, ao Mosteiro dos Jerónimos, em Lisboa, ao Mosteiro de Santa Maria da Vitória, na Batalha, e à Igreja de Santa Cruz, em Coimbra.
As personalidades sepultadas são:
Almeida Garrett (1799-1854), escritor e político;
Amália Rodrigues (1920-1999), fadista;
Aquilino Ribeiro (1885-1963), escritor[6][7][8];
Eusébio da Silva Ferreira (1942-2014), futebolista;
Guerra Junqueiro (1850-1923), escritor;
Humberto Delgado (1906-1965), opositor ao Estado Novo;
João de Deus (1830-1896), escritor;
Manuel de Arriaga (1840-1917), presidente da República;
Óscar Carmona (1869-1951), presidente da República;
Sidónio Pais (1872-1918), presidente da República;
Sophia de Mello Breyner Andresen (1919-2004), escritora;
Teófilo Braga (1843-1924), presidente da República
Falta lá o de salazar pq nunca ouve um governante que se preocupasse mais com o pais, como ele.
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