domingo, 29 de novembro de 2015




Cheiro a Mar - 2

Não esqueças, nunca,
Que é ficar para trás não ir avante.
Ramon de Campoamor- Poeta espanhol, 1817-1910
2.   Por África e não só

Como seria África? Igual ao que víamos nos filmes do Tarzan? O tempo iria desvendar-nos muito desse continente magnífico, que tanto nos marcou pela vida fora.
Por estas terras, muitas foram as andanças por cima das águas. Logo de entrada, quando em Angola só havia dois pedaços de estradas asfaltadas, 60 km entre Luanda e Catete, que parecia uma montanha russa, tantos os altos e baixos, e mais 30 entre Benguela e Lobito, tudo mais naquela extensa terra era mesmo de terra, e pontes... nem me lembro já se havia, ou quantas, de modo que o cruzar os rios era feito em toscas, mas fortes jangadas de madeira. Um cabo de aço preso nas duas margens, homens fortes, troncos nus, a ximbicarem, e na travessia do Quanza, na estrada para a Quibala, cantavam:
“Vai, não vai / vira, não vira / mata-bicho... cem angolares”
para “comoverem” os motoristas a não esquecerem de lhes dar o musendu, ou o matabisu, uma gorjeta suplementar! Sempre recebiam.
E havia jangadas em muitas estradas. Na estrada para a reserva da Quissama, no Cubango, e muito mais.

A caminho da Quissama, já com jangada a motor.
Ali está o Fusca do meu grande amigo Armando Avillez

Em alguns ribeiros se as chuvas não tivessem sido muito fortes, passava-se com o carro por dentro da água. No tempo em que perguntar pelo estado da estrada a resposta era simples: se não tivesse chovido, “passa” se tivesse caído uma boa chuvarada, “não passa”! E quando não passava, à espera de baixarem as águas, às vezes mais de um dia, dormia-se dentro do carro! Tudo era aventura!

Pelas "auto-estradas de Angola

Por mares, muitas viagens de navios: de volta a Lisboa, saído do Lobito, primeiro no velho “Quanza”, que parou em Luanda, Pointe Noire, ex-Congo Belga, onde entrou um casal que se tornou um dos mais fortes amigos que tive: a Arlete e o Zé Neto! A seguir um dia na Madeira para descarregar 1.500 toneladas de milho que Angola mandava para aquela terra (hoje não manda nada!) e nos proporcionou visitar aquela maravilhosa ilha. Regresso a Angola, de avião e mais uma vez no “Niassa”, do Lobito para Lisboa. Sempre sozinho nestes percursos. Finalmente, desta vez levando junto a família, ainda só com dois filhos, de volta a Angola no “Pátria”. Muito mar cruzado!
Vivendo em Luanda e tendo que me deslocar com frequência, e com receio de enjoar nos aviões, os brilhantes DC3, algumas idas a São Tomé no “Moçambique” e no “Vera Cruz”, e alguns passeios especiais neste último, convidados pelo comandante, saudoso primo, fazendo, em dois dias Luanda-Lobito-Luanda. Tudo isto misturado com muito voo para a Europa e dentro de Angola, nos aviões de carreira e em teco-tecos alugados em serviço da Cuca.
No meio de estudos e estágios em fábricas, na Europa, um dia, depois de tantas vezes ter visto um risco vermelho num mapa da Europa que guardava havia muitos anos, entendi que aquele risco indicava uma ligação marítima entre Harwich na Inglaterra e Esbjerg na Dinamarca. Uma vez em Londres, 1961, fui informar-me. Havia! Comprei a passagem para o casal e mais o nosso belo carro na altura, um Simca Aronde. Saímos de Harwich ao meio dia, um inabitual calor de verão nas terras de suas majestades, o Hide Park cheio de londoners estendidos ao sol, à noite já navegando no Mar do Norte um mau tempo incrível fez o barco balançar como louco. Parte da viagem incluía jantar, típico de dinamarquês – smorrebrod com arenque fumado, que achámos mais ou menos intragável – a minha mulher cheia de medo do temporal não comeu nem dormiu e eu quase cai várias vezes do beliche com os balanços, para chegarmos à Dinamarca no dia seguinte às sete da manhã e zero graus de temperatura! Foi barato. Ainda hoje esse trajeto para dois adultos e um carro médio custa £ 150,0.
Mas o mar lá estava sempre, sempre, a banhar Angola, convidando a que o gozássemos, tentador, lindo, e começa a doença da vela roendo-me as ideias desde a mais tenra idade, a vela, que me fez cair apaixonado pelo Argus, que acabei por comprar, além dum pequeno Moth Europa para um dos filhos se ir iniciando.
Com muita animação e vontade, organizou-se o 1° curso de Patrão de Costa (no Brasil, Mestre Amador) e mais tarde, sozinho, em Moçambique, com o auxílio de um jovem oficial da Marinha, a difícil Carta de Patrão de Alto Mar (Capitão Amador no Brasil), no tempo em que não havia GPS, e tudo era feito na base do sextante, cálculos matemáticos, consulta de “cartas de altura”, perto da costa a orientação pela rádio, uma boa canseira de que o próprio jovem oficial já nem se lembrava!
Mas tinha o MEU barco! Agora sim, podia gozar a independência, o horizonte infinito, a calma e o chuá-chuá da água a roçar pelo casco, os fins de semana a navegar em mar aberto ou no Mussulo, sem ter que ficar espalmado na praia a apanhar sol como um largarto e ficar a semana toda incomodado com a queimadura!...
Não falhava um fim de semana! Marinheiros “auxiliares” os filhos: um, dois ou todos conforme a disposição deles!

Um dos “auxiliares”: Tiago com pouco mais de um ano

O Sonho de um dia fazer uma navegação a sério, correndo o mundo, levava-me a sonhar...
Transferido para Moçambique, não podia levar o Argus. Calhou, no meio das viagens pela Europa ir a Londres onde aproveitei para comprar os planos dum catamaran polinésio de 40’, sem cabine central, simplesmente um estrado unindo os dois cascos, que considerava ideal para passear pelas costas africanas e arribar às praias sem dificuldade. Procura em Lourenço Marques um bom construtor naval, discutimos o projeto, ele diz que tem que encomendar as madeiras de qualidade que teriam de esperar pelo menos um ano para não empenarem depois de cortadas. Se tem que ser assim, é. Quando um dia, uns dois anos depois, ele me avisa que poderia começar a obra, tudo pronto, madeiras em condições,... o “glorioso” vintecincobarraquatro com cravos vermelhos antecipadamente encomendados pelo partido dos comunas, que estava a par de tudo, acabou de vez com o meu barato e o de milhares de outros.
Até uma prancha de surf à vela que tinha encomendado em França nunca recebi!
Entretanto só tivemos ocasião de comprar um Optimist para os filhos menores e um Vaurien para os outros, que ainda conseguiram chegar conosco de volta a Luanda.
Mas já era tarde para gozar o mar!
Pouco depois... acabou-se África. Refúgio no Brasil, com a mulher e sete filhos no lombo. E aqui não houve mais dinheiro para fantasias desportivas!
Ficaram os sonhos dos mares, as saudades, dos rios, das savanas e muito das gentes das terras africanas!
Só a assinaturas de algumas revistas de vela onde, feito criança, ia “estudando” e definindo o barco que melhor se adaptaria para um dia... um dia... o sonhado cruzeiro à volta do mundo, feito Joshua Slocum, por milagre, se tornar realidade!

(continua)


quarta-feira, 25 de novembro de 2015



Cheiro a Mar - 1
Um mergulho nas profundezas da memória

E nunca que ouvimos a nossa vida em nós,
Só ouvimos é quando chega o seu silêncio...
José Luandino Vieira, in “Águas do Mar, o Guerrilheiro”


1.                  De Portugal até Angola
Um mergulho nas profundezas da memória, sem óculos nem “snorkel”, o coração cheio de vontade de reviver alguns momentos que as águas proporcionaram.
A água é, como sabemos, o mais precioso dom que a natureza, com toda a sapiência do Criador, nos legou. E está a tornar-se um dos mais raros, poluído pelos resíduos industriais dos grandes potentados financeiros, em fase de destruição total do planeta. Rios e mares.
Creio que todos começamos a nossa vida por beber, além do maravilhoso leite materno, água.
Em pequeno, o quanto era chic aquelas roupinhas “à marujo”, que se usavam em dias de festas! Um chamado às águas, há tantos anos, que esqueci quando foi, mas ficou para sempre! Quem lembra destas elegâncias???


As brincadeiras nas praias, no tempo em que as ondas eram perigosas, um ou outro mergulho meio a medo, porque as ondas grandes ninguém as enfrentava e hoje são brincadeira de surfistas. Nas marés baixas, o mar afastava-se de mansinho, afloravam rochas pequenas, cobertas de rasas algas, onde brincávamos com minúsculos caranguejos e anémonas, e nas grandes marés apanhávamos mexilhões, lapas e percebes (que delícia!). Comendo-os, muitas vezes ali mesmo, come-se e bebe-se mar, tal como disse Tomaz de Figueiredo: Aquele gosto e o cheiro a mar nunca mais saíram das papilas sensoriais, do coração, do pensamento, da vontade de o ter sempre por perto.
E tê-lo sempre por perto nem que seja para sentar em qualquer lugar e ficar olhando, olhando, sonhando.
Andar pelas margens do Tejo, ver aquelas lindas asas brancas como cisnes, dos pequeninos “Lusitos” de instrução a futuros mareantes, passeando em cima das águas...
Talvez 1940 e tal. Criança, foi para mim um espetáculo “quase grandioso” atravessar o rio Tejo, em Vila Franca de Xira, numa jangada. Ainda nem projetada estava a ponte que continua a chamar-se “Marechal Carmona” e que, por ter em cada lado, nas entradas, uma esfinge do então simpático Presidente da República, ficou conhecida como a "Ponte Bi-Carmonato de Pontássio”. Genial.
Inaugurada em 1951, já pelo Presidente Craveiro Lopes e Salazar que chegaram a Vila Franca, imponentes, numa viatura espetacular: um “Landau de Cinco Vidros”, carro lindíssimo que se encontra hoje no Museu de Carros de Cavalos na Quinta da Bouça perto de Viana do Castelo. 



A travessia, com os carros a balouçarem a jangada quando entravam, era emocionante!
Outras travessias, por vezes com o Tejo mal humorado, muitas de Lisboa para o Barreiro, onde apanhava o comboio da linha “Sul e Sueste” para Évora. Na Casa Branca, quilómetros antes de ali parar, à nossa espera já nos invadia o fumo e o cheirinho maravilhoso, uummm... das bifanas incomparáveis que estavam a fritar no cais, e o copo dum tinto mais que alentejano que se bebia no bar da estação tirado diretamente do pipo, um candeeiro de petróleo dando a todo o ambiente um misto de paz e verdade, o comboio separava-se: parte seguia para o Algarve e outra para Évora e audiante. Os que íamos para a famosa e saudosa Escola de Regentes Agrícolas, a Herdade da Mitra, saíamos no apeadeiro do Tojal, hoje desativado, onde nos aguardava uma carroça da Mitra para nos levar as malas! Os seis ou oito quilómetros que nos separavam da Escola eram galgados a pé. E à noite.
Deixemos o sequêro e voltemos às águas.
Saudade da calma e linda baía de Cascais, algumas velejadas no Sharpie 9 do meu querido irmão, compadre e padrinho Luis Quintella, e ser projetado para fora pelas suas “traiçoeiras” brincadeiras ao cambar quando eu estava distraído e a retranca me obrigava a banho forçado!
Lembro bem as primeiras águas que cruzei. Doces.
Por cima das águas, não esqueço duas visitas importantes: uma ao Navio Escola do Brasil, “Almirante Saldanha”, em 1946 (?) na primeira viagem que este belíssimo navio fez à Europa, instruindo os Guarda Marinha, os “Espadinhas”, entre os quais um primo que nos deu um prazer imenso ter conhecido.
  


Em 1950 a primeira “Grande Viagem Oceânica”! Ano Santo, excursão a Roma de rapazes da Acção Católica, no “Mouzinho”, navio comprado em 1929 e que morreu em 1954. Enjoo de começo e muita alegria a seguir, com amigos que muitos já se foram e outros ainda por cá estão e preenchem o nosso coração. Os que tinham dinheiro viajavam nas cabines. O maralhal, nos porões transformados em caserna de combate. Uma maravilha! Vimos Roma, alugámos uma Vespa e fomos recebidos pelo Papa Pio XII em Castel Gandolfo.
Ficaria mal se não dissesse que ficámos hospedados num colégio de freiras – era verão e não havia aulas – e as boas das freirinhas não tinham mãos a medir à voracidade com que aquela rapaziada devorava as espantosamente boas “paste cotta con salsa di pomodoro e formaggio”. Vão 65 anos e ainda hoje me abrem o apetite!
Mais tarde, já nos anos 50 e qualquer coisa, a visita a Portugal do porta-aviões americano “Coral Sea”, um imenso gigantão dos mares. Impressionou, sobretudo por dentro, o tamanho do elevador para os aviões que lhe estacionavam no porão (130!); parecia que todo o cais lhe caberia dentro. 295 metros de comprimento e 230.000 HP de força dos motores, 33 nós de velocidade! Um monstro dos mares.


“Coral Sea” fotografado em 1986 já com novos aviões a bordo.

Depois começaram as águas a “sério”.
1954. Primeiro de Agosto. Casado há pouco mais de duas semanas, embarcava no “Moçambique”, sozinho, a caminho de Angola. Deixava no Cais da Rocha, em Lisboa, mãe, irmãos, tias, sogros e a noiva que só iria ter comigo dois meses e meio mais tarde. O navio a afastar-se, do cais uns lenços brancos em acenos tristes e eu, coração apertado, apertadíssimo, levantava tristemente a mão para que me vissem entre as serpentinas que atiravam os emigrantes para fingirem que era uma festa. A maioria com os olhos lacrimejando!
Meio enjoado nos primeiros dias, a escala na Madeira, com toda a sua beleza natural e um casual encontro com um amigo de infância, o querido Zé Perestrello, retemperou-me as forças e um pouco do espírito. Depois, uma semana mais de mar, com peixes voadores e golfinhos alegrando a monotonia, a disposição já refeita, boa comida – na mesa do comissário – sem que as saudades abrandassem, uma manhã, bem cedo, surge no horizonte um “chapéu mexicano com algodão envolvendo a parte média do cone”. São Tomé.
Ainda cedo o navio lança âncora na bela baía Ana Chaves, pouco afastado do cais.
As minhas tias sabiam que ali vivia um afastado parente, Humberto Gomes de Amorim, administrador das roças do Banco Ultramarino; mandaram-lhe um telegrama avisando da passagem do “parente-emigrante”.
Homem influente na ilha, lá estava em terra, brilhante careca à mostra. Entrou na primeira lancha que se dirigiu ao navio e foi a bordo buscar-me. Simpático, levou-me para tomar o “mata bicho” cheio de frutas tropicais e um belo café na varanda da sua casa – quase um palácio – e depois dar uma volta por aquela ilha das maravilhas. Tivemos dificuldade em saber qual era o nosso antepassado comum, mas ao fim de muito procurarmos lá estava: o bisavô dele, Francisco Gomes de Amorim, tio e padrinho do meu também bisavô e homónimo! Bingo.
Mais um dia e meio de mar entrámos finalmente na baía de Luanda, à noite. Dez dias de mar, e toda uma nova vida pela frente.


05/04/2015

domingo, 22 de novembro de 2015




Lisboetas – IV

As ossadas e o Mosteiro dos Jerónimos

Quem não conhece o Mosteiro dos Jerónimos? Talvez o mais importante, e o mais visitado monumento de Portugal. Uma obra única e bem portuguesa.
Foi mandado construir por Dom Manuel I, no lugar onde o Infante Dom Henrique tinha construído, para os mareantes, uma pequena ermida da Ordem de Cristo à entrada de Lisboa, junto às margens do Tejo. Em 1499 Dom Manuel fez doação do mosteiro aos monges de S. Jerónimo.
Foi o célebre arquiteto francês Jacques Boytac, Diogo Boitaca em português, o grande mestre do manuelino, o encarregado de dirigir tão importantes trabalhos que começaram em 1502, ano em que começou também a traçar o que seria a maravilhosa Torre de Belém.
À frente destas obras se conservou até 1516. No ano seguinte foi João de Castilho o responsável, junto com uma série de grandes artistas portugueses, franceses, espanhóis e outros.
Começa por aqui o mistério do Mosteiro dos Jerónimos.
Num quadro de 1657, que temos que aceitar como uma “foto” autêntica, o estilo manuelino por ali... ainda estaria para ser pensado! Vê-se o pórtico que parece igual ao de hoje e pouco mais.
  


Em uma outra pintura, um pouco mais recente, começa a ver-se um “manuelinho” nascente, mas nada que se possa comparar ao que é hoje.


Em 1833 o Mosteiro era uma ruina e foi entregue à Casa Pia para acolher jovens, mendigos e desfavorecidos. Começa somente a ser reconstruído em 1860, obra, imensa, que foi até ao fim do século.


Isto nos leva a crer que os Jerónimos são uma bela obra do século ... XIX!
Lá estarão sepultados, entre outros, o rei D. Manuel e sua segunda mulher D. Maria de Aragão e Castela, D. João III e sua mulher D. Catarina da Áustria, e... , e dizem também que lá está o triste, inexperiente e eternamente aguardado D. Sebastião que nunca voltou do Magrebe, nem morto, mas interessantes também são os túmulos de Vasco da Gama e de Luis de Camões. Sem dúvida duas belas peças escultóricas, em estilo “manuelininho” ambas do século XIX.

Mas parece que alguns destes túmulos são uma farsa.

Comecemos por Dom Sebastião. Em Julho deste ano escrevi um pouco sobre os Falsos Sebastiões, mas repito aqui uma pequena passagem, relembrando que o povo português ansiava pelo retorno do seu jovem rei, o que prejudicava a aceitação do espanhol Filipe II/I:

“O primeiro fingido a manifestar-se foi El-Rei D. Filipe I de Portugal no ano de 1582, mandando vir de Ceuta um corpo que lá esta­va depositado, dizendo ser o d’El-Rei D. Sebastião e o enterrou no Real Convento de Belém, na capela que está no Cruzeiro, da banda da Epístola e achando-se o dito Rei D. Filipe pessoalmente a todas estas cerimónias.”

Mentira. Mandaram um corpo qualquer e o espanhol enganou uns quantos portugueses. Poucos.

Continuemos pelo túmulo de Vasco da Gama, a quem o rei D. Manuel, em 1519 deu o título de Conde da Vidigueira, o primeiro português a ser nobilitado sem ser de sangue real. Morreu na Índia, em Calicut em 1524 e foi sepultado naquela cidade na Igreja de São Francisco. Em 1539 os seus restos mortais são trasladados para Portugal, mais concretamente para a Convento de Nossa Senhora das Relíquias do Carmo da Vidigueira, onde repousou, tranquilo até... dizem, 1880. Talvez antes, porque com a abolição das ordens religiosas em 1834, talvez, talvez, alguém tenha querido salvar os despojos do grande Almirante e os escondido nalgum outro lugar. Mas oficialmente diz-se que em 1880 foi para os Jerónimos, colocado ao lado de Camões. Terá ido, terá... porque parece que os vidigueirenses na ocasião se opuseram à saída do seu mais ilustre personagem. Aliás em 1884, sem saber qual a data certa e o nome, “um jornal lisboeta afirmou saber onde se encontravam os verdadeiros restos de Vasco da Gama” e que não estariam nos Jerónimos. Mistério!

E muito menos ao lado dos ossos de Camões, porque com o maior vate das letras lusas o caso é mais complicado e.... vigarizado.

Viveu Luis de Camões seus anos finais num quarto de uma casa próxima da Igreja de Sant’Ana, num estado, segundo narra a tradição, da mais indigna pobreza. Seria um exagero romântico, pois ainda podia manter o escravo Jau, que trouxera do oriente, e documentos oficiais atestam que dispunha de alguns meios de vida. Parece que, tendo adoecido com a peste foi levado para o hospital, onde faleceu a 10 de junho de 1579, sendo enterrado numa campa rasa na Igreja de Sant’Ana, ou no cemitério dos pobres do mesmo hospital.

Depois do terramoto de 1755, que destruiu a maior parte de Lisboa, foram feitas tentativas para se reencontrarem os despojos de Camões, todas frustradas. Mas....

Em 1858 uma comissão foi constituída e encarregada por Rodrigo da Fonseca, então ministro do Reino, de encontrar as ossadas do lírico e lhe dar sepultura digna, para coincidir com o tricentenário da sua morte, outro erro, porque terá falecido em 1579. Só nesse ano morreram em Lisboa mais de 40.000 pessoas, e as freiras do convento mais não faziam do que as “encaixar” de qualquer modo, em qualquer canto da igreja ou fora dela, ninguém cuidando de assinalar o que era de quem, e certamente as freirinhas nunca teriam ouvido falar em Camões, Lusíadas nem, quem sabe, na Ilha dos Amores, por quem certamente, muitas suspiravam!

No entanto “até a própria comissão teve dúvidas da autenticidade do que trasladou”.

No relatório da comissão pode ler-se, referindo os trabalhos de escavação empreendidos em 1858, que “a uma certa altura viram-se ossos em forma que se lhe não tinha mexido. Alguns d’estes eram pois sem dúvida os de Luiz de Camões; mas quais, se nem era possível distinguir a sepultura”! 

A solução encontrada foi carregar uma boa braçada de ossos, quaisquer, e dizer que seriam do vate.

Nada disso impediu a farsa.

“Levaram-se os ossos em procissão, com a máxima solenidade, desde o velho convento de Sant’Ana até ao Arsenal, e dali, numa esquadrilha de vapores, ao cais de Belém, e meteram-se no venerando templo dos Jerónimos, dentro de um caixão, ossos, com que se podiam compor vários esqueletos – até de mulheres – e dizia-se em voz alta que eram os restos do imortal autor dos Lusíadas. Pela boca pequena, afirmavam todos, serem despojos de sapateiros e freiras! Deixaram ir o rei e a rainha pôr flores no caixão das madres de Sant’Ana e dos confrades de S. Crispim, bem como no de Vasco da Gama, igualmente apócrifo; e ninguém na imprensa ergueu a voz para impedir isto! Ainda mais: negou-se lugar a quem quis impedi-lo.

Apenas uma sociedade científica, por instâncias que eu fiz a um dos seus membros, encetou a questão, mostrando a necessidade de se examinarem os ossos, antes da pro­cissão; e neste sentido oficiou a outra corporação sábia. Esta jul­gou prudente atabafar o negócio, dizendo «que deixassem ir tudo na fé dos padrinhos»!                                   
Deixou-se ir. Prosseguiu o ruído entusiástico, as músicas, os foguetes e salvas, as iluminações esplêndidas, os discursos elo­quentes, os versos, que eu também fiz, sem ter nenhuma admiração postiça, mas simplesmente com a que sempre tivera e tenho ainda hoje. Passada a onda de papelão pintado, pareceu conveniente nomear-se uma comissão para ir procurar os ossos de Camões no convento de Sant’Anna! E nomeou-se! E ela, cônscia da imensa responsabilidade que lhe cabia, depois dos estupendos factos que acabo de narrar, procurou, trabalhou com zelo, consciência e pro­bidade, com todas as qualidades e virtudes de que se vêem já tão raros exemplos n'esta terra. Findos os seus estudos fez deles extenso e perfeito relatório, provando, à luz da mais sensata e ri­gorosa crítica, que os restos do imortal cantor das nossas glórias tinham sido tirados desde muitos anos, talvez que até com intuitos criminosos, do lugar onde fora a sua verdadeira sepultura; e que estavam perdidos para sempre. Entretanto, pode ir ver quem quiser – se não os foram tirar já de lá, à capucha, os caixões depositados no mosteiro de Belém, dos quais se afirmou oficialmente que contém os restos de Camões e os de Vasco da Gama.”
Em 2007, dois arqueólogos, Rosa e Mário Varela Gomes escavaram o sítio do antigo convento, e dizem que os ossuários eram fossas escavadas no solo! Trezentos anos depois encontrar naqueles escombros e fossas os ossos de Camões, sempre pareceu uma brincadeira de muito mau gosto.
Mas lá está um lindo túmulo, falso, no Jerónimos.
Até o túmulo de Alexandre Herculano foi alterado. Tiraram-lhe o baldaquino.

Notas:
1.-  O que vai escrito em itálico é tirado do livro “Memórias Biográficas de Garrett” de Francisco Gomes de Amorim, 1827-1891.
2.- No site “oficial” do Governo de Portugal – Secretaria de Estado da Cultura”, http://www.mosteirojeronimos.pt/pt/index.php?s=white&pid=221  tem estes dizeres:
Em 1888, é colocado o túmulo de Alexandre Herculano (que foi modificado no século XX).
Para celebrar o IV Centenário da chegada de Vasco da Gama à Índia (1898), decide-se em 1894 concluir as obras de restauro. Os túmulos de Vasco da Gama e Luís de Camões, da autoria do escultor Costa Mota, são colocados na capela lateral sul (Foi em 1880). No ano seguinte o Mosteiro recebe os restos mortais do poeta João de Deus. Posteriormente, instalam-se também os túmulos de algumas figuras da literatura e política: Almeida Garret (1902), Sidónio Pais (1918), Guerra Junqueiro (1923) e Teófilo Braga (1924).
Nenhum destes últimos está nos Jerónimos. A Secretaria da Cultura (Cultura?) não poderia corrigir estes dados... falsos?

20/11/2015



terça-feira, 17 de novembro de 2015



O que, afinal, tem mantido a humanidade neste globo apesar de todas as calamidades da natureza e todas as falhas trágicas da humanidade, se não a fé em novas possibilidades e coragem para as defender. Jane Adams (1860-1935)

Daesh, a Europa... e todos os outros


Um horror o que aconteceu em Paris. E na Nigéria, onde a raça do Boko Haram já dizimou mais de 2.000 inocentes e destruiu uma povoação inteira?
O Estado Islâmico, o Daesh, atacou o Estado Francês. Mais evidente declaração de guerra do que esta e as do Boko Haram, são difíceis de acontecer.
A França faz parte da NATO. O Capitulo 5º diz “mais ou menos” que quando um país for atacado do exterior, TODOS os membros da NATO têm obrigação de ripostar, mas quando chega o momento de dar a cara... muitos saem de fininho.
Como? Ficam só uns aviõezinhos que vão lá largar bombas? É brincadeira, e até agora só serviu para a França desencalhar os Mirage que estiveram mais de vinte anos sem vender um só. Agora são encomendas de todos os países árabes, sunitas, que estão a ver que o Daesh não respeita nada, nem ninguém.
Os EUA e a França já soltaram mais de 2.000 bombas. Uns soltam aqui, outros além, lembra a história da “Guerra do Solnado”, mas a de 1906. A de 1908 era mais acima. Mataram, certamente uns quantos terroristas e mais outros tantos civis, mas no 9/11 morreram mais de 2 ou 3 mil e agora na França matar kafir virou quase hábito. Os franceses eram todos “Charlie”, muito amigos dos muçulmanos, depois já não eram tanto, agora estão afogados com ondas de refugiados, entre os quais, um deles, participou deste último massacre!
Depois juntam-se cantam “La Marseillaise” ... « Aux armes, citoyens! Formez vos bataillons! Marchons, marchons »... mas quem forma bataillons, no terreno são os curdos !
A Rússia solta uma bomba no Daesh e 500 nos inimigos do Bashar. A Turquia que está “animadamente” a colaborar, também solta uma bombinha no Daesh e 500 sobre o sofrido povo curdo. Ninguém vê, ninguém reclama, e ainda pensam que a Turquia deva fazer parte da Europa.
Dizem os “experts” que precisavam em primeiro lugar cortar o financiamento ao Daesh. Ótima ideia!
Primeiro têm que cortar o pescoço aos Irmãos Muçulmanos sauditas, e dizer ao rei daquela banda que pare de lhes dar dinheiro (aí os tais irmãos derrubam a monarquia saudita). Depois proibir (proibir tem até graça) o senhor Erdogan de comprar o petróleo roubado da Síria, que passa todos os dias a fronteira, o gás, idem, o algodão e o trigo, idem, idem. O cara vai deixar de comprar? Não vai.
Em terceiro lugar apertar com os bancos TODOS para que deixem de transferir dinheiro para aquela gangue. É evidente que se eles pararem com essas transferências... no dia seguinte o banco sofre uma porção de assaltos, sequestros, kamikazes, etc.    
O problema não parece fácil, mais ainda quando se sabe que os assassinos vivem misturados com uma imensa população que lhes serve de escudo humano... Também no final de II Guerra os americanos destruíram Dresden gratuitamente, matando mais de 250.000 civis, outros tantos em Hiroshima e Nagazaki na solução “encontrada” para acabar a guerra, praticamente somente civis... e Raqqah? (Nota: depois deste texto escrito ele já bombardearam Raqqah)
A França tem 4.000 indivíduos cujas fichas na polícia estão assinaladas com um “S”, que significa que “deveriam estar a ser muito bem acompanhados”! Mas não estão. Isso lembra a II Guerra Mundial. A França viu-se invadida e ocupada pelos nazis, De Gaulle percebeu de imediato que o país não tinha a menor condição de se opor ao fortíssimo invasor, fez a mala, fugiu para Inglaterra e de lá comandou os valentes da Resistência, sempre que podiam limpavam o sarampo aos colaboracionistas!
Esses 4.000 fichados que são potenciais inimigos da França, em contato permanente com os “de gaulles” da Síria, deviam ser desde já encaixotados e mandados para um Auschwitz qualquer, sem necessariamente ter fornos e câmaras de gás, mas guardá-los em segurança máxima.
Não como a “segurança máxima” do Brasil, de onde os prisioneiros fogem por túneis ou até pela porta da frente, às vezes até de helicóptero, a polícia deixa roubar mais de 1.000 armas por ano, o exército um pouco menos, uma tonelada de explosivos foi levada “sem ninguém ter visto” das obras do túnel do metro, o que não é para admirar porque também o lula jamais viu alguma coisa, nem percebeu como ficou, ele, a família, os komerades e outros, bilionários. Não viu nada, não ouviu nada, não falou nada. Parece que os japoneses têm três macacos com uma boa imagem para isso!
Nem o Saramago conseguiria imaginação para escrever um “ensaio sobre a cegueira do Brasil”.
Ora a NATO tem 28 países membros: Albânia, Alemanha, Bélgica, Bulgária, Canadá, Croácia, Dinamarca, Eslováquia, Eslovénia, Espanha, Estados Unidos da América, Estónia, França, Grécia, Holanda Hungria, Islândia, Itália, Letónia, Lituânia, Luxemburgo Noruega, Polónia, Portugal, Reino Unido, Roménia, República Checa e Turquia. A Rússia não faz parte, mas como não tarda a ter lá em Moscovo ou São Petersburgo uns massacritos mais – já teve vários com os muçulmanos chechenos – vai ter que se juntar à festa da NATO.
Se cada país fizer uma forcinha e mandar uns quantos soldados para combaterem no terreno, num instante se junta um exército de 15 ou 30.000 homens, e então sim, o Daesh pode ficar de pernas cortadas. Mas para isso é fundamental que colaborem, com soldados no chão, também os países árabes limítrofes, como, sauditas, emirados, “catarinos e omanos”, kuatianos e iranianos para complicar tudo.
O problema é que a França deixará de vendar aviões, o Japão não venderá mais Toyotas, a Rússia terá que fazer picolés com as Kalashnikov, e outros inocentes países que vivem, bem, de vender armamento... entrariam em depressão!
E então?
Esperar que os franceses (mais os belgas, os espanhóis e os portugas, e o resto dos europeus) sejam obrigados a virar o nariz para Meca cinco vezes por dia e gritar “ allah hu akbar”?
E os curdos, como ficam? Eles que nem árabes são, “levemente” islamizados (e talvez loucos para se livrarem disso), muitos judeus e cristãos, que eram bem tratados na Síria, ficarão mais uma vez enganados e desgraçados, como sempre, desde que foram vergonhosamente traídos pelos franceses e ingleses no Tratado de Lausanne, que deram o maior bolo à Turquia, uma parte à França ( o norte da hoje Síria, que era território curdo) e à Inglaterra o Iraque com mais um “pouco” ao norte, curdo, onde estava o petróleo que eles não estravam dispostos a perder.
O Curdistão amavelmente distribuído pelos amigos de antanho!

Estão os curdos a lutar contra o Daesh à espera de terem no final o reconhecimento de uma independência, mas...
Falar em Daesh sem mencionar a Somália, a Nigéria, a Líbia e outras áreas nem sequer é diletantismo. É covardia.
Se mundo, chamado civilizado (??? o que fabrica e vende armamento!!!) fala em acabar com o terrorismo, porque só chorar as vítimas do 9/11, de Madrid, de Londres e Paris? E as do Quénia, Nigéria, etc.? Terrorismo tem: Daesh, Al Shabaab, Al Qaeda de Boko Haram  e na Líbia e...
Disse o grande Papa Francisco: “Isto que aconteceu em Paris faz parte de III Guerra Mundial.”
Muita conversa dos políticos, muito discurso, mas sobretudo muita covardia para enfrentar a sério, o inimigo que cresce, cresce, cresce!
Mas...




15/11/2015





terça-feira, 10 de novembro de 2015




Passam-se “coisas” nesta terra (e em todas as outras), que nós, pobres ignorantes e pagantes só tomamos conhecimento quando um repórter, e uma imprensa livre nos trazem ao conhecimento.
Hoje, uma escandaleira internacional, sempre dos benditos ou malditos bancos – de acordo com a ótica por que são vistos – com aquelas monstruosidades de dinheirama, toda falsa, mas que enganam qualquer comum mortal.
Ainda hoje foi recebida, aqui em casa a conta do cartão de crédito que Deus, em boa hora, nos tem permitido pagar sempre sem ter que ficar a dever, porque o nosso “querido” banco, o Itaú, só cobra 336,78% de juros ao ano. Ninharia. Favor de amigos.
Mas vejamos primeiro as escandaleiras mundiais, para as quais os simples mortais são tragados e, como Jó, só dentro da barriga da baleia é que clamamos por piedade e, porque não, vingança. Inútil.

A  MÁFIA  E  O  CARTEL
Por José Casado – “O Globo” 10/11/2015

Durante seis anos, entre 2007 e 2013, 30 operadores financeiros vinculados a 15 dos maiores bancos globais manipularam um dos principais indicadores económicos do Brasil - a taxa de câmbio, preço-chave para investimentos e comércio exterior. Eles fizeram acordos para influenciar cotações do real, dólar e outras moedas. Dividiam-se em dois grupos no sistema de chat da agência Bloomberg: um autodenominava-se "A Máfia" outro identificava-se como "O Cartel"
Flagradas nos EUA, as casas bancárias acaba­ram multadas em US$ 5,6 bilhões. Em junho uma delas foi à Procuradoria, em São Paulo. Fez acordos de leniência e delação premiada. O caso foi repassado ao Conselho Adminis­trativo de Defesa Económica (Cade), que viu nas provas recebidas "fortes indícios de condu­tas anticompetitivas" e "de infração à ordem económica". O processo avança sob sigilo.
O Cade lista 11 protagonistas da manipula­ção de cotações da moeda brasileira: Banco Standard de Investimentos, Barclays, Citigroup, Deutsche Bank, HSBC, Merrill Lynch, Morgan Stanley, Nomura, Royal Bank of Cana­da, Standard Chartered e UBS.
Atribui a oito as maquinações com moedas es­trangeiras: Banco Tokyo-Mitsubishi UFJ, Barclays, Citigroup, Credit Suisse, HSBC, JP Morgan Chase, Royal Bank of Scotland e UBS.
Indicia por conspiração, via chat, os operado­res Alexandre Gertel Nogueira, Sérgio Correia, Zanini, Alexandre Santos, Christoph Durst, Christopher Ashton, Colin Devereux, Daniel Evans, Daniel Yúzo Shimada Kajiya, Eduardo Hargrea-1 vês, Fábio Ramalho, Felipe Leitão, Fernando Pais, Frank Cahill, James Witt, James Wynne, bhn Erratt, José Aloisio Teles Jr., Marco Christen, ïark Clark, Martin Tschachfli, MatthewJ. Gardí^ jnei; Michael Weston, Niall O'Riordan, Pablo Fri-sanco Oliveira, Paul Nash, Renato Lustosa Giffo-mi, Ralf Klonowski, Richard Gibbons, Richard Usher e Rohan Ramchandaní. (N. Tudo gente fina, finíssima)
Segundo o Cade, eles fizeram acordos para fixar a diferença (spread) entre o valor de compra e venda de moedas, potencializando lucros dos bancos e os prejuízos dos clientes. Combi­naram cotações falsas e negociaram moedas a preços específicos, cartelizados. Atuaram para bloquear outros operadores (brokers) no mer­cado de câmbio do Brasil, concorrentes ou que se recusaram a aceitar influência. Comparti­lharam informações sobre os negócios de clientes, incluindo contratos, fluxo de recursos, ordens de negociação, preços, posições con­fidenciais, estratégias e objetivos.
Coordenaram, também, operações prévias às colheitas de safras agrícolas, para influen­ciar os índices de referência num "movimen­to de mercado” alterando as cotações dos produtos.        
A federação dos bancos alega que a taxa de câmbio (PTax) é apurada e divulgada pelo BC a partir de informações de mais de 180 instituições num mercado com movimentação média de US$ 6 bilhões por dia, "o que torna praticamente impossível sua manipulação”. (Vê-se)
Exportadores que se sentem prejudica­dos vislumbraram manobra governamen­tal para esvaziar a investigação. Recorreram ao senador Ricardo Ferraço (PMDB-ES), que levou o caso ao Senado. Não se co­nhece, ainda, a extensão dos danos às em­presas e pessoas físicas no Brasil. É certo, porém, que o cartel e a máfia causaram perdas bilionárias.

Depois destas belezas “naturais” vejamos outras que a natureza brasílico-tropical nos tem presenteado nos últimos tempos, mercê do pouco que roubam os “lá do topo... e os outros”;
Por enquanto, este ano podemos contabilizar os seguintes aumentos – os mais significativos – no custo de vida para quem tem que comer:
- o alho aumentou 60%, a batata inglesa (produzida no Brasil) 69%, o filé de boi 40%, as peras 28%, carne de segunda 20%, macarrão 11,74%, vinho e bebidas alcoólicas 10% (o que desiquilibra o meu orçamento), pão 8,73% energia elétrica entre 43 e 51% - conforme os Estados (todos os estados... moribundos), fora tudo quanto já por aqui foi informado.

Entretanto no Texas, com o aumento de instalação de energia eólica, há excesso de produção! Solução: entre as 21h00 e as 06H00 a energia é de graça. Copiaram do Brasil.

Mas tem mais belezas endémico-brasilienses:
- nos últimos oito anos foram assassinadas 13.000 mulheres... por ano! Começaram a faltar os indispensáveis elementos do sexo interessante.
- a economia do país deve sofrer uma retração de 5% até ao fim deste anos. E no próximo?

Pelo mundo todo as “coisas também não estão brilhantes: o aumento de temperatura global passou este ano de 1% - foi de 1,02%. Não se preocupem: quando chegar a 2% a rainha Elisabeth vai abrir o Parlamento de barco ou de biquíni! Um show a não perder.
E em Lisboa o pessoal não precisará ir ao Estoril para tomar banho: toma na Baixa. No Rio de Janeiro... também.

E assim vai o mundo, e o pior é que vai muito mal o que, aqui, nos rodeia!


11/10/2015 

domingo, 8 de novembro de 2015



Matadouros
de Lisboa


Nas mais antigas religiões e nos escritos e legislação das primitivas civilizações encontram-se vestígios dos primeiros rudimentos da inspeção de carnes, missão de que se incumbiam os sacerdotes de determinadas castas, que tinham como principal mister velar pela vida humana.  
Referem-se lhe os manuscritos da Índia, principalmente o Código das Leis de Gentoux (?) e o das Leis de Manú.
De entre os povos antigos, destacaram-se os hebreus como legisladores em assuntos de higiene alimentar; a Bíblia e o Thalmud encerram quanto em tal época se sabia sobre a qualidade das carnes. No Levítico acha-se inscrita, no Capítulo IX, a relação dos animais que se podiam consumir.
O antigo Império Egípcio legou-nos interessante documentação como, por exemplo, nas admiráveis pinturas do templo de Thebas onde, entre elas, uma há que apresenta os sacerdotes inspecionando cuidadosamente as reses que se ofereciam a Amon. Parece que os deuses tinham, como os homens, acentuada repugnância pela oferenda de animais doentes.         
Na velha Grécia, diz-nos Homero que os seus heróis se alimentavam principalmente de carne. Na Ilíada descrevem-se inúmeros banquetes onde se sucediam os pratos compostos, quase exclusivamente, das mais variadas carnes. Na História Natural de Plínio e na obra Da Natureza dos Alimentos de Galeno, encontra-se exposto quanto interessava cumprir sobre tão importante assunto.
Até esta época não havia matadouros, isto é, locais privativos desti­nados à matança e preparação das reses destinadas ao consumo dos povos. Deve-se aos romanos a mais admirável organização sobre o comércio dos produtos cárneos, legada pela legislação dos tempos antigos, sendo os pri­meiros que construíram matadouros públicos, destinados ao abate dos ani­mais para abastecimento das grandes cidades. No ano 300 antes de J. C., os romanos sacrificavam as reses diante do Fórum, na presença dos deuses; os fulminantes progressos da sua civilização impeliram a prática de tal acto para locais afastados e a ele exclusivamente destinados.
Assim nasceram os primeiros matadouros, conhecidos no Império sob o nome de Macellus (mercado de carne). Entre os Macellus criados, os mais notáveis foram os de Roma, Macellus Liviae ou Livíanum, compostos de vários Livianae ou com­partimentos destinados à matança do gado e que se chamavam Boani, Suam, Pecuarii, em harmonia com a espécie animal neles abatida.
Um dos mais antigos matadouros de Lisboa terá sido, no ano de 1767, no antigo “Campo do Curral”, onde existiu bem perto a “Praça de Touros de Salitre” e o “Matadouro do Campo do Curral”, Mais tarde e, depois do terramoto que abalou Lisboa em 1755, passou a chamar-se “Campo de Santana”.
 

Campo de Sant’Anna em 1812

Sucederam-se os séculos e, através deles, têm-se sucessivamente melho­rado até atingirem o alto grau de aperfeiçoamento que, no século XX, carac­teriza estes estabelecimentos industriais.
Atualmente, um matadouro moderno é um estabelecimento industrial que visa uma tríplice finalidade: transformar em carne, própria para o con­sumo, os animais que lhe são confiados para abater; preparar os produtos derivados, destinados à pública alimentação; aproveitar os subprodutos, entre­gando-os ao comércio sob o seu mais alto valor industrial.
O aligeiradíssimo esboço histórico que, a largas pinceladas, se esboçou mostra como tão importante assunto tem constituído, desde os mais antigos tempos, motivo para preocupação de todos os povos.
Quando em 28 de Maio de 1926 se implantou a Ditadura Militar foram animadas as autarquias locais por um sopro de vitalidade que entusiasmou as populações do Norte a Sul do País. Os Municípios lançaram-se denodadamente na realização das mais justas, merecidas e ambicionadas aspirações materiais traduzidas por melhora­mentos que, até então, só aos grandes centros populacionais era dado usufruir.
A Câmara Municipal de Lisboa ao contágio da ânsia renovadora imediatamente viu a necessidade imperiosa da construção de um novo Matadouro, fora do centro citadino.
Ao deliberar o Município de Lisboa, em sessão de 22 de Dezembro de 1852, mandar proceder aos estudos para a construção do actual Matadouro, inaugurando em l de Janeiro de 1863, os terrenos que o circundavam encontravam-se totalmente libertos de quaisquer construções, visto que a Cruz do Taboado (onde é hoje a Direção Nacional da Polícia Judiciária, junto à Rua Escola de Medicina Veterinária) constituía, ainda, uma bairro relativamente afastado do centro citadino). Este Matadouro era abastecido pelo Mercado Geral de Gados, que, abatido deu lugar à Nova Feira Popular de Lisboa, em Entrecampos.
 

Mercado Geral de Gados, depois Feira Popular. Entrada pela Avenida da Répública

A cidade foi-se expandindo; como que por encanto rasgaram-se amplas avenidas; os seus progressos delinearam-se precisamente para os lados onde se tinha construído o Matadouro e, hoje (1937), este encontra-se situado numa das mais belas avenidas de Lisboa.
Foi o reconhecimento da sua deslocada situação que, entre outros moti­vos, determinou a resolução, reconhecida como imprescindível, de libertar a cidade de um estabelecimento que, apesar dos cuidados consagrados à manu­tenção da sua higiene, é insalubre por lei e incómodo de facto.
Não foram as acanhadas dimensões do Matadouro, construído para uma cidade que então contava uns escassos trezentos mil habitantes, nem a sua deslocada situação atual os únicos motivos que imperaram no espírito da Câmara para determinar a resolução da sua transferência. Prementes razões de ordem económica impõem a criação dum novo estabelecimento, com as condições precisas para interferir eficazmente na regularização do abastecimento de carnes, caracterizado este pela lamentável alternância de fases de superabundância de gado e de acentuada escassez. A sua construção serve, ainda, para estimular a produção do armentio bovino e ovino, pela garantia dada à lavoura metropolitana de se lhe conceder os meios necessários para colocar as suas reses na época em que as tem cevadas, subtraindo-se à dependência em que atualmente se encontra de só poder desfazer-se dos animais destinados ao mercado de Lisboa em pequenas partidas condicionadas pelas necessidades do consumo diário.
Esta contingência determina demoradas esperas que se traduzem pelo desperdício de milhares de quilos de carne, perdidos durante o período que decorre desde a oferta do gado até ao momento em que é abatido.
A escolha do terreno constituiu a primeira dificuldade a vencer.
Posta de parte a primitiva ideia de construir o matadouro numa pro­priedade municipal em tempos adquirida, mas que não reunia as condições precisas, tanto pela pequenez da área, como pelo acidentado da topografia, caiu a preferência numa propriedade que foi pertença da Manutenção Militar e que obedecia a premissas pré-estabelecidas e que são consideradas indispen­sáveis. Primeira, a área suficiente para nela se instalar: um grande frigorífico, o matadouro e respectivas oficinas de preparação de produtos, os edifícios da administração, o depósito de gados e, ainda, todas as numerosas dependências consideradas imprescindíveis; segunda, proximidade das vias férrea e fluvial; terceira, localização próximo da cidade.
Adquirida a propriedade e completada a área precisa pela expropriação de terrenos que lhe ficam ao Sul, delineou-se o plano geral do futuro matadouro obedecendo a um programa concebido por uma comissão constituída por um engenheiro e dois médicos-veterinários, por forma à satisfazer as exigências de uma cidade como Lisboa, aglomerado atual de 600.000 habitantes e que, como tudo faz prever, verá o seu índice demográfico sensivelmente aumentado dentro de um número de anos relativamente curto. O esquema de conjunto traçado para as instalações do Novo Matadouro abrange não só o espaço bas­tante para todas as secções, como prevê as necessárias ampliações para o futuro, quando o natural aumento da população citadina as exigir.
Reconhecida a vantagem de se fazer a marcha dos serviços, no terreno adquirido, a partir da margem do Tejo, estabeleceram-se as secções em alas paralelas a esta margem, por forma que os animais chegados pelas vias terres­tre, férrea e fluvial se concentrem todos no mesmo departamento, ou seja, no Depósito Geral de Gados (onde mais tarde se fez a Expo 98).
O Matadouro do Largo da Cruz do Taboado encerrou as suas atividades em 30 de Abril de 1954 e o de Cabo Frio inaugurado em 24 de Outubro de 1954... morreu para dar lugar à Expo 98!

E a propósito de carnes: ainda se come “aquele bife” no Nicola? Até o Bocage gostava!

05/11/2015