segunda-feira, 20 de julho de 2015




Soltas (2) e Dispersas


1.- Já não sei que ano corria, mas seria no princípio do século XX. O rei Dom Carlos, em 1907 (?) visitou a Real Coudelaria de Ater do Chão e era diretor da mesma Cristiano Mendes Callado, creio que avô de quem mais tarde foi o diretor da Escola de Regentes Agrícolas de Évora, um Grande Homem, o Engenheiro Agrónomo Augusto de Matos Rosa, nascido naquela Vila, na altura com seis anos, e quem me contou o episódio.
Sua majestade chegou numa viatura fantástica: um automóvel! Jamais havia sido visto naquelas bandas, semelhante meio de transporte. Seria talvez o que foi dele. Um Peugeot de 18 CV de 1905.



Com o rei seguia a rainha Dona Amélia, motorista e ajudante. No regresso da visita à Coudelaria, o rei passou na casa do diretor da mesma para o deixar, e o menino Augusto entusiasmou-se de tal modo com o automóvel, que quis por força entrar nele. O rei, amável, como parece que sempre foi, pegou na criança, sentou-o entre ele e a rainha, e o carro seguiu em frente com a intenção de o deixarem um pouco adiante, na praça principal, para onde o pai seguia a pé. Uma distância de menos de duzentos metros!
O pequeno Augusto sentia-se como o Petit Prince, levado às alturas!
A rua onde moravam, numa bela casa, tinha no final – e ainda tem – uma curva muito apertada, fazendo um ângulo de quase noventa graus – e ainda me lembro que não era qualquer um que cinquenta anos depois se atrevia a passar ali de carro! – e o carro d’El-rei... não passou! Engasgou-se na curva, tiveram que vir braços extras para o colocarem para trás, e andando de ré foram até à porta do menino que ali foi deixado com imensíssimo desgosto!  A viagem fora demasiado curta!
Suas majestades recuaram um pouco mais e seguiram viagem por outra rua!

2.- Finalmente encontrei, aliás, tomei conhecimento do meu mais antigo antepassado!
Segundo grandes cientistas, o primeiro ser, não contando as amebas, mas aqueles onde já se encontrava algo como o DNA, os “famosos” eucariontes ou eucariotas, seriam os primeiros seres que deram toda a vida animal a este planeta.
Nunca fui muito fã destes eucariotas, porque me lembravam o Judas Escariotes, e era um peso na consciência ter um antepassado ligado a essa família, mesmo sendo isso há dezenas de milhões de anos, se não bilhões.
Agora, para meu sossego nova descoberta foi feita, e descobriram que os eucariontes são descendentes dos procariontes ou procariotas, de modo que a minha árvore genealógica ficou muito mais simpática.
Falta só descobrir como era a cara do vovô Procariontes!
Devia ser alguma coisa como o que aqui vai, mas sem o rabo que os macacos ficaram com ele. Ainda por cima era um “flagelo”! Mas que o DNA é igualzinho ao nosso... é.

Mas agora, em plena idade da decrepitude, o médico – visita de rotina – receitou-me dois medicamentos que me vão proporcionar a eternidade!
Um deles, cujo preço é de extrema singeleza para a compreensão humana, anunciado pela farmácia na Internet é De: R$ 157,01 mas vendem por: R$ 22,99. Vejam só quando gentileza pública: 85,5% de desconto!
O outro é o autêntico elixir da vida eterna (Amén). Na sua composição entram: cera alba (cera de abelha) cera de carnaúba (com que se dá polimento a móveis e automóveis), dióxido de titânio (que é um pigmento para tintas ou para protetor solar), farinha de trigo (do padeiro), goma arábica (um dos componentes da Coca-Cola e o que eu usava em garoto para fixar o cabelo) laca vermelha (um corante tirado da cochonilha), muito outro lixo e talco (esteatita, um mineral filossilicato, com composição química Mg3Si4O10(OH)2, muito usado para pôr nas virilhas do bebés para não assar).
Com tal composição, além dumas inúteis vitaminas, isto só pode ser o elixir da longa vida!
Mas no Brasil é assim, descontos, sem que se peça alguma coisa, que vão a, pelo menos, 85,5% e mais um remedinho cheio de coisas para o deixar lustroso com as ceras, penteado com a goma e fresquinho com o talco.
Será que eu estou bem dos neurónios?

3.- A conquista do trono de Portugal pela coroa de Castela, começa em 1580 quando o rei Filipe II de Espanha manda um exército comandado pelo duque de Alba que entrou em Portugal em julho e rapidamente foi destroçando as forças portuguesas que se lhe opunham.
Em Cascais, no mês de agosto, venceu a guarnição portuguesa enforcando o comandante dela, D. Diogo de Meneses, além do alcaide Henrique Pereira e dois artilheiros. Depois de enforcado D. Diogo de Menezes foi degolado.
Em 1619, meio apagada já a lembrança das assolações e cruezas do Duque d’Alba, Filipe III (II de Portugal) decide visitar Portugal. Em 10 de Maio entrou em Elvas e mandou avisar que ao passar em Évora queria presenciar um Auto de Fé. Deram-lhe a ambicionada festa, que durou desde manhã ao pôr do sol, com cento e vinte penitenciados e doze criaturas queimadas vivas, quatro homens e oito mulheres. (Este Filipe não será o mesmo, com outro nome que comanda agora o ISIS?)
Em 29 de Julho fez a sua entrada solene em Lisboa e não pôde este monarca reprimir um grito, de admirado e surpreso ao contemplar as riquezas variadas que por todas as partes se lhe antolhavam. Haviam saído a recebe-lo as corporações dos mesteres ou ofícios e, circundando os arcos triunfais em cada rua levantados, achara reunidas as pompas do Oriente e do Novo Mundo. Registrou-lhe a história um dito, que a hombridade portuguesa fez depressa esquecer ao seu sucessor: “Só hoje sei o que é uma recepção real!”
Quando a corporação dos ourives desfilou em sua presença, não se contentaram os diretores da festa com adereçar de simbólicas imagens douradas o préstito; apresentaram ao frouxo herdeiro de Filipe II estátuas de prata maciça.
Durante toda a sua permanência em Portugal sempre mostrou a máxima indiferença pelos negócios públicos.
Depois desta visita ficaram ainda mais acentuados os desentendimentos entre Portugal e a Espanha.

4.- Um dos meus tios, casado com uma irmã de meu pai, aquele tio de quem todos mais gostávamos, gordo, sempre sorridente, simpático, nunca criando qualquer problema, para ele estava sempre tudo bem.
Impecável, o cabelo cheio de brilhantina, muito bem penteado e muito bem vestido, era um companheiro esplêndido.
Gostava do seu copo e, infelizmente bebia demais, o que o fez “ir-se embora” mais cedo. O seu vício era tal que um dos meus irmãos, seu afilhado, estava encarregado de providenciar para que o seu frasco de “água de colónia” no quarto de banho estivesse sempre cheio, para que a tia não percebesse; a água de colónia era gin, que ele começava a beber logo pela manhã!
Nós, os irmãos, que cedo ficámos sem pai, e nunca tínhamos um tostão furado, aos domingos, quando íamos almoçar em casa dos avós, aguardámos, impacientes a chegado do tio Chico!
- Quem quer fazer um favor ao tio, e ir comprar cigarros? Player’s Navy Cut.


Os mais velhos apresentavam-se em menos de um segundo! O tio dava-nos dez escudos e os cigarros, já não lembro bem mas custariam uns três ou quatro, e nós guardávamos o troco! Era a maneira que esse tio arranjava de, disfarçadamente, nos ir dando uns cobres!
Sempre trabalhou na empresa que, creio que até ao fim da II Guerra, representava a Peugeot e Packard, de modo que o tio Chico tinha sempre um Peugeot, um pexoxinho, como ele lhes chamava.
Muitas vezes, no verão, de Sintra para Lisboa lá ia o tio, só ou comigo ou o meu irmão, quando eu teria aí os meus dezoito anos. Volta e meia o carro engasgava-se, saía fumaça de algum lugar, o tio encostava na estrada, abria o capô, olhava para dentro com ar compenetrado e soltava o seu habitual científico veredito:
- Isto deve ser qualquer coisa. O melhor é chamar o mecânico!
E ali ficávamos à espera que alguém passasse e chamasse um mecânico na primeira povoação!
O seu mal foi o álcool. Mas era um indivíduo de coração imenso, afável, bem disposto, avesso a discussões e que adorava o seu Belenenses; o Belenensesinho!
Foram tristes os últimos dias da sua vida, mas está, de certeza lá em cima, num lugar tranquilo, em Paz.

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06/2015







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