Soltas (2) e Dispersas
1.-
Já não sei que ano corria, mas seria no princípio do século XX. O rei Dom
Carlos, em 1907 (?) visitou a Real Coudelaria de Ater do Chão e era diretor da
mesma Cristiano Mendes Callado, creio que avô de quem mais tarde foi o diretor
da Escola de Regentes Agrícolas de Évora, um Grande Homem, o Engenheiro Agrónomo Augusto de Matos Rosa, nascido
naquela Vila, na altura com seis anos, e quem me contou o episódio.
Sua
majestade chegou numa viatura fantástica: um automóvel! Jamais havia sido visto
naquelas bandas, semelhante meio de transporte. Seria talvez o que foi dele. Um
Peugeot de 18 CV de 1905.
Com
o rei seguia a rainha Dona Amélia, motorista e ajudante. No regresso da visita
à Coudelaria, o rei passou na casa do diretor da mesma para o deixar, e o
menino Augusto entusiasmou-se de tal modo com o automóvel, que quis por força
entrar nele. O rei, amável, como parece que sempre foi, pegou na criança,
sentou-o entre ele e a rainha, e o carro seguiu em frente com a intenção de o
deixarem um pouco adiante, na praça principal, para onde o pai seguia a pé. Uma
distância de menos de duzentos metros!
O
pequeno Augusto sentia-se como o Petit
Prince, levado às alturas!
A
rua onde moravam, numa bela casa, tinha no final – e ainda tem – uma curva
muito apertada, fazendo um ângulo de quase noventa graus – e ainda me lembro
que não era qualquer um que cinquenta anos depois se atrevia a passar ali de
carro! – e o carro d’El-rei... não passou! Engasgou-se na curva, tiveram que
vir braços extras para o colocarem para trás, e andando de ré foram até à porta
do menino que ali foi deixado com imensíssimo desgosto! A viagem fora demasiado curta!
Suas
majestades recuaram um pouco mais e seguiram viagem por outra rua!
2.-
Finalmente encontrei, aliás, tomei conhecimento do meu mais antigo antepassado!
Segundo
grandes cientistas, o primeiro ser, não contando as amebas, mas aqueles onde já
se encontrava algo como o DNA, os “famosos” eucariontes
ou eucariotas, seriam os
primeiros seres que deram toda a vida animal a este planeta.
Nunca
fui muito fã destes eucariotas, porque me lembravam o Judas Escariotes, e era
um peso na consciência ter um antepassado ligado a essa família, mesmo sendo
isso há dezenas de milhões de anos, se não bilhões.
Agora,
para meu sossego nova descoberta foi feita, e descobriram que os eucariontes
são descendentes dos procariontes ou procariotas, de modo que a minha árvore
genealógica ficou muito mais simpática.
Falta
só descobrir como era a cara do vovô Procariontes!
Devia
ser alguma coisa como o que aqui vai, mas sem o rabo que os macacos ficaram com
ele. Ainda por cima era um “flagelo”! Mas que o DNA é igualzinho ao nosso... é.
Mas
agora, em plena idade da decrepitude, o médico – visita de rotina – receitou-me
dois medicamentos que me vão proporcionar a eternidade!
Um deles, cujo preço é de extrema
singeleza para a compreensão humana, anunciado pela farmácia na Internet é De:
R$ 157,01 mas vendem por:
R$ 22,99. Vejam só quando gentileza pública: 85,5% de desconto!
O outro é o autêntico elixir da
vida eterna (Amén). Na sua composição entram: cera alba (cera de abelha) cera
de carnaúba (com que se dá polimento a móveis e automóveis), dióxido de titânio
(que é um pigmento para tintas ou para protetor solar), farinha de trigo (do
padeiro), goma arábica (um dos componentes da Coca-Cola e o que eu usava em
garoto para fixar o cabelo) laca vermelha (um corante tirado da cochonilha),
muito outro lixo e talco (esteatita, um mineral
filossilicato, com composição química Mg3Si4O10(OH)2, muito usado para pôr nas
virilhas do bebés para não assar).
Com tal
composição, além dumas inúteis vitaminas, isto só pode ser o elixir da longa
vida!
Mas no Brasil é
assim, descontos, sem que se peça alguma coisa, que vão a, pelo menos, 85,5% e
mais um remedinho cheio de coisas para o deixar lustroso com as ceras, penteado
com a goma e fresquinho com o talco.
Será que eu estou
bem dos neurónios?
3.-
A conquista do trono de Portugal
pela coroa de Castela, começa em 1580 quando o rei Filipe II de Espanha manda
um exército comandado pelo duque de Alba que
entrou em Portugal em julho e rapidamente foi destroçando as forças portuguesas
que se lhe opunham.
Em Cascais, no mês de agosto, venceu a
guarnição portuguesa enforcando o comandante dela, D. Diogo de Meneses, além do
alcaide Henrique Pereira e dois artilheiros. Depois de enforcado D. Diogo de
Menezes foi degolado.
Em
1619, meio apagada já a lembrança das assolações e cruezas do Duque d’Alba,
Filipe III (II de Portugal) decide visitar Portugal. Em 10 de Maio entrou em
Elvas e mandou avisar que ao passar em Évora queria presenciar um Auto de Fé.
Deram-lhe a ambicionada festa, que durou desde manhã ao pôr do sol, com cento e
vinte penitenciados e doze criaturas queimadas vivas, quatro homens e oito
mulheres. (Este Filipe não será o mesmo, com outro nome que comanda agora o
ISIS?)
Em 29 de Julho fez a sua entrada
solene em Lisboa e não pôde este monarca reprimir um grito, de admirado e
surpreso ao contemplar as riquezas variadas que por todas as partes se lhe
antolhavam. Haviam saído a recebe-lo as corporações dos mesteres ou ofícios e,
circundando os arcos triunfais em cada rua levantados, achara reunidas as
pompas do Oriente e do Novo Mundo. Registrou-lhe a história um dito, que a
hombridade portuguesa fez depressa esquecer ao seu sucessor: “Só hoje sei o que é uma recepção real!”
Quando a corporação dos ourives
desfilou em sua presença, não se contentaram os diretores da festa com adereçar
de simbólicas imagens douradas o préstito; apresentaram ao frouxo herdeiro de
Filipe II estátuas de prata maciça.
Durante
toda a sua permanência em Portugal sempre mostrou a máxima indiferença pelos
negócios públicos.
Depois
desta visita ficaram ainda mais acentuados os desentendimentos entre Portugal e
a Espanha.
4.-
Um dos meus tios, casado com uma irmã de meu pai, aquele tio de quem todos mais
gostávamos, gordo, sempre sorridente, simpático, nunca criando qualquer
problema, para ele estava sempre tudo bem.
Impecável,
o cabelo cheio de brilhantina, muito bem penteado e muito bem vestido, era um
companheiro esplêndido.
Gostava
do seu copo e, infelizmente bebia demais, o que o fez “ir-se embora” mais cedo.
O seu vício era tal que um dos meus irmãos, seu afilhado, estava encarregado de
providenciar para que o seu frasco de “água de colónia” no quarto de banho
estivesse sempre cheio, para que a tia não percebesse; a água de colónia era
gin, que ele começava a beber logo pela manhã!
Nós,
os irmãos, que cedo ficámos sem pai, e nunca tínhamos um tostão furado, aos
domingos, quando íamos almoçar em casa dos avós, aguardámos, impacientes a
chegado do tio Chico!
- Quem quer fazer um favor ao tio,
e ir comprar cigarros? Player’s Navy Cut.
Os
mais velhos apresentavam-se em menos de um segundo! O tio dava-nos dez escudos
e os cigarros, já não lembro bem mas custariam uns três ou quatro, e nós
guardávamos o troco! Era a maneira que esse tio arranjava de, disfarçadamente,
nos ir dando uns cobres!
Sempre
trabalhou na empresa que, creio que até ao fim da II Guerra, representava a
Peugeot e Packard, de modo que o tio Chico tinha sempre um Peugeot, um pexoxinho, como ele lhes chamava.
Muitas
vezes, no verão, de Sintra para Lisboa lá ia o tio, só ou comigo ou o meu irmão,
quando eu teria aí os meus dezoito anos. Volta e meia o carro engasgava-se,
saía fumaça de algum lugar, o tio encostava na estrada, abria o capô, olhava
para dentro com ar compenetrado e soltava o seu habitual científico veredito:
- Isto deve ser qualquer coisa. O
melhor é chamar o mecânico!
E
ali ficávamos à espera que alguém passasse e chamasse um mecânico na primeira
povoação!
O
seu mal foi o álcool. Mas era um indivíduo de coração imenso, afável, bem disposto,
avesso a discussões e que adorava o seu Belenenses; o Belenensesinho!
Foram
tristes os últimos dias da sua vida, mas está, de certeza lá em cima, num lugar
tranquilo, em Paz.
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06/2015
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