quarta-feira, 8 de julho de 2015



Os (países)  poderosos
e os Outros

Num dos últimos textos lembrei que após a partilha de África os alemães foram “contemplados” com vários territórios que colonizaram com aquele respeito pelo Outro que foi depois o toque de excelência do período nazi.
No Sudoeste Africano, hoje Namíbia encontraram vários povos, alguns deles com os respetivos chefes alfabetizados, e elevado nível de instrução: os hereros, povo banto, pastoril, ali chegaram atrás do gado talvez no século XVI, e os nama ou namaquas, que os colonos começaram por chamar de hotentotes, vindos do sudeste da África atrás também do seu gado.
Além destes os San ou bosquímanos, caçadores recoletores, que viviam em pequenos grupos isolados.
Logo de entrada os alemães decidiram que aquela terra teria que ser deles, e começaram com a vigarice duns “contratos” onde os nativos “cediam” a terra por um valor abaixo de simbólico e que passavam a fazer parte da “grande Alemanha”.
Não tendo conseguido os seus intentos através de “contratos”, e após terem começado a exterminar pequenos povoados, não perdoando mulheres e crianças, os nativos revoltaram-se e deram o troco a muitos colonos alemães.
Matar um colono alemão foi a estopim. O Kaiser não gostou e mandou um assassino, o general Lothar von Trotha, com terrífico passado por onde andou, um exército de 15.000 homens equipados com o mais moderno que se fabricava para matar, metralhadoras, canhões que disparavam granadas de fragmentação, e outros, com um objetivo bem definido: Vernichtungsbefehl, “exterminação total! ”
Os namas e os hereros não cederam às exigências impostas – a cedência dos seus territórios – e, em 1904, o general avançou com todo o seu poderio e foi matando. Os que caiam, ainda vivos, eram acabados no sabre ou baioneta para economizar munição, as crianças que choravam perdidas levavam o mesmo fim e os que conseguiram fugir para o deserto, sob um sol e calor extenuante encontraram os poços de água envenenada.
Dos cerca de 80.000 hereros que compunham aquele povo não devem ter sobrevivido mais de 15.000 e metade dos namas, que seriam 40.000.
Entretanto os psicóticos alemães, com a neurose da raça pura, o arianismo e o eugenismo, não se poupavam a esforços de fazer medições anatómicas aos que eram obrigados a consentir em tamanha vergonha e ofensa à dignidade de cada um, e a pagar aos soldados para, durante a noite violarem as campas dos nativos mortos, a tiro ou à fome em campos de concentração e mandarem sobretudo crâneos para serem analisados pelos “cientistas”.
Chegaram ao ponto de, aos mortos em combate e os terem degolado, mandar os nativos apanharem as cabeças, cozê-las em água fervendo, limpar-lhe toda a carne e pele e devolvê-las limpas para serem enviadas para “estudo” aos tarados na Alemanha!
Um dos aspetos que mais interessavam a esses “cientistas” era poderem estudar as características dos basters, os mestiços de boers e mulheres africanas que tinham igualmente vindo da África do Sul e constituíam um grupo separado.
Os alemães tinham imenso horror dos mestiços!
Em 1919 e 1920 um exército francês ocupou a Renânia, conforme o Tratado de Versailles de 1919. Comandava esse exército o general francês, Charles Mangin, que se estabeleceu em Mayence - Mainz - e incorporava um regimento de atiradores senegaleses.
Os alemães sentiam-se ofendidos, como mais tarde dizia Hitler que essas tropas só serviam para a “poluição e negrificação do sangue francês”!
Mangin, reconhecendo o isolamento dos seus homens, que estavam a habituados, mesmo na guerra, a serem seguidos por suas mulheres, deu ordens para que os alemães abrissem bordeis com mulheres... arianas. Imagina-se a indignação que isso provocou, mas aconteceu.
Quando os franceses se retiraram foi dada ordem para se esterilizarem todos os mestiços nascidos dessas ligações afim de não “conspurcarem a raça”.
Só em 1985, as Nações Unidas reconheceram a tentativa da Alemanha de exterminar os povos hereros e namaquas do Sudoeste da África como uma das primeiras tentativas de genocídio no século XX. O governo alemão pediu desculpas pelos eventos, um século depois, em 2004.

Em 1917 o governo inglês decide fazer um inquérito sobre o massacre. Um jovem irlandês, major, juiz, tomou sobre os seus ombros o trabalho. Deslocou-se à Namíbia, por lá andou dois anos e escreveu um relatório a todos os títulos horrível, que ficou conhecido pelo Blue Book.

O livro que ficou conhecido como o "Blue Book"

O relatório foi uma bomba! Em 1926 a Alemanha “pediu” à Inglaterra que destruísse todos os exemplares do livro. Se não o fizessem eles publicariam um outro “White Book” com o relato, detalhado, de toda a pouca vergonha e atrocidades cometidas pelos ingleses em África. “Gentlemen”, covardes, os ingleses baixaram as orelhas, obedeceram e mandaram destruir TODOS os livros que estavam espalhados pelo mundo. Todos? Esqueceram de um, que há pouco foi encontrado numa biblioteca em Pretória, e onde se voltou a dar a conhecer o “carinho” com que os colonizadores saxões trataram os povos colonizados.

*          *          *
É bem sabido também o cuidado que os ingleses tiveram com as populações colonizadas, e até com colonos europeus que antes deles se haviam estabelecido em África, o mais gritante dos casos, o que fizeram com os boers. A Guerra dos Boers é mais uma página suja na história do Reino Unido, como o são muitas das guerras por todo o lado, sobretudo na Índia.
Internamente também são conhecidas vergonhas sobre o modo como lidavam com o seu próprio povo. Por um momento esqueçamos os irlandeses e os escoceses, aliás impossível de esquecer. Vejamos como eram, e são, caritativos, os ingleses.
Durante um largo período os serviços sociais e as igrejas inglesas, “caritativamente” decidiram o que fazer com as crianças que nasciam de lares pobres ou de mães solteiras. Simplesmente as retiravam à força de suas famílias e prometendo-lhes “Oranges and Sunshine”, e ainda no século XX as deportavam para a Austrália. Lá teriam um lar, boa, comida, bom tratamento, etc.
Esta prática que visava reduzir os custos sociais dessas crianças no seu próprio país, começou no século XVII com o envio de crianças para a Virgínia, e manteve-se durante 350 anos, enviando-as para a América do Norte, África e Austrália até 1970!
Em 1987, Margaret Humphreys, depois de muito investigar, tornou público o programa Home Children, mostrando a sua bestialidade, desumanidade. Primeiro diziam às crianças que não tinham família, que iriam viver uma vida de maravilha, e todas elas, todas, ao chegarem aos destinos, eram entregues a famílias, que quase sem exceções as faziam trabalhar como escravos, mesmo com idade de 5 ou 8 anos. Quando atingiam a idade adulta ainda lhes diziam que estas lhes deviam um monte de dinheiro pelo “acolhimento” que lhes foi prestado.
Calcula-se que mais de 150.000 crianças foram deportadas brutalmente.
Quem não viu, que veja o filme “Oranges and Sunshine”.
Um relatório de 1989 atribui as brutalidades e abusos sexuais sobres as crianças à Igreja Católica da Austrália. Estranho! Quem manda no Reino Unido é a Igreja Anglicana, por isso foi fácil atirar as culpas para os católicos.
E em 2009 e 2010 os PR da Austrália e da Grã-Bretanha... pediram desculpas.
Os alemães também pediram.
Covardes, todos.
Maledetti.

Massacres (quase) atuais:
De indígenas nos Estados Unidos (1778-1911) - mortos: 13 milhões
De africanos nos Estados Unidos, até... agora – mortos: quantos?
De filipinos na Guerra Filipino-Americana (1899-1913) - mortos: 1,5 milhão
De hereros e hotentotes na Namíbia pela Alemanha (1904): mais de 100 mil mortos
De armênios no Império Otomano (1915) - mortos: 1,5 milhão
De assírios no Império Otomano (1915) - mortos: 500 a 750 mil
De ucranianos na União Soviética (1932-1933) - mortos: 2,6 a 10 milhões
De russos sob Stalin – mortos: quantos?
De judeus, ciganos e outros na Alemanha nazista (1939-1945) - mortos: 6 milhões
De chineses na guerra com Japão e Revolução de Mao (1966-1969) - mortos: 16 milhões
De minorias no Camboja (1975-1979) - mortos: 2 milhões; (25% da população à época)
De minorias em Kosovo (1997-1999) - mortos: 300 mil
De tutsis em Ruanda (1994) - mortos: 800 mil
De minorias no Sudão (2003-atual) - mortos: 400 mil
De igbos no Biafra na Nigéria (1967-1970) – mortos: 1 milhão de
De curdos no Iraque (1986-1989) - mortos: 100 a 150 mil
De “pessoas” no Brasil (2004-2014) - assassinados: 600 mil

Só aqui somam cerca de 50.000.000 assassinados, por política, ganância, racismo, etc. E faltam muitos outros casos, como a Coreia do Norte, a Guerra Civil de Angola, idem de Moçambique, Zimbabué, Etiópia, Somália, Cirenaica, Congo, e os mortos nas duas Grandes Guerras 1914-18 (9 milhões de mortos e 30 milhões de feridos) e 1939-45 (25 milhões de soldados, 42 milhões de civis, os quase 6 milhões de judeus, um total de cerca de 60 milhões).
Tudo somado, e praticamente no século XX, foram estupida e bestialmente mortas mais de 130 milhões de pessoas!
Homo sapiens ou homo bestia?


06/07/2015

Nenhum comentário:

Postar um comentário