Soltas (3) e (muito) Dispersas
5.-
Um dos melhores e mais extraordinários monumentos
caligráficos de todo o mundo e o maior que Portugal possui é a Bíblia dos Jerónimos, manuscrita, em
sete volumes, com iluminuras para além de magníficas. Nesta obra participou o
grande artista António de Holanda.
Feita
entre 1495 e 1514, dizem que foi presente da corte de Roma ao Rei Dom Manuel,
ou de... quem?
Quando
das invasões francesas o senhor Junot ROUBOU esta maravilha e levou-a para sua
casa em Paris.
Depois
que se estabeleceu novamente um governo em Portugal, o Duque de Palmela
multiplicou enérgicas reclamações junto do Gabinete Francês. Finalmente, em
1815, o rei de França Luis XVIII, querendo fortalecer a sua delicada situação,
entremeada com o pavor do regresso de Napoleão, meteu a mão no bolso e
indenizou ele mesmo a viúva do ladrão Junot em 50.000 francos.
A
maravilhosa Bíblia dos Jerónimos voltou então para sua casa e descansa,
esperamos que per omnia saecula
saeculorum, na Biblioteca Nacional.
6.- António de Holanda, depois de terminar os
seus trabalhos na obra Bíblia dos
Jerónimos, escolheu Évora para continuar os seus trabalhos. Foi investido
no ofício de Arauto d’Armas de Portugal,
o que lhe permitiu mandar ir para sua casa os livros magnos de Tomar que,
dizem, ornou com suma habilidade. Apesar da avançada idade o grande
miniaturista deixou a sua vivenda em Évora e foi estabelecer-se no Castelo de
Tomar na antiga residência do Grã-Mestrado da Ordem de Cristo.
Aqui,
cercado de obras primas, que melhor do que ninguém sabia o valor, continuou o
seu trabalho.
Infelizmente
os livros magnos de Tomar “sumiram” no final do séc. XIX. Coisas da República!
Garcia
de Resende, também grande desenhista e arquiteto – é dele o projeto da Torre de
Belém – foi um dos artistas que executaram uma preciosidade, em que terá também
trabalhado António de Holanda, a Árvore
Genealógica dos Reis de Portugal, levada aos tempos mais afastados, como a
Magg, filho de Japhet e neto de Noé.
Uma
obra excelente dos miniaturistas portugueses do século XV, hoje estão... no
Museu Britânico! Ainda se encontrava em Lisboa, mas em 1843, servindo o então
adido à Legação da Inglaterra em Portugal, o sr. Newton Smith, Portugal vendeu
a obra aos ingleses!
São
onze folhas de pergaminho de não menos de
um pé e dez polegadas de alto sobre dez polegadas de largo cada folha,
estendidas todas sobre outras tantas lâminas de chumbo e protegidas por
vidraças contra as injúrias do tempo!
Talvez
tivesse sido bom irem para Londres. Lá estão bem entregues com o título de Portuguese Drawings.
Portugal
já tinha abandonado o Mosteiro dos Jerónimos que estava em ruinas, e se o rei
Dom Fernando não tivesse chegado a tempo para o salvar, assim como o Mosteiro
da Batalha, vendido a um comerciante, que estava a ser desmontado para se
venderem as suas pedras, o que seria feito dele?
7.-
Houve um período em que pela Coudelaria de Alter do Chão aparecia um “velho e
rabugento” coronel, alentejano de todos os costados, cujo nome, por não ter já
a certeza, não menciono. Aquela figura de coronel, empertigada, bigodes
frondosos e revirados nas pontas!
Chefe
de família grande, um dia alguém o foi cumprimentar e dar-lhe os parabéns
porque ia casar mais uma neta.
O
velho coronel, voz rouca, desdenhou:
-
Ora, ora, pu* as as mesmas,
cab** ões mais um!
Como
o bom coronel previa o futuro e compreendia a família!
8.- Existem duas prováveis justificativas para explicar a origem da
expressão "pagar o pato",
sendo a primeira a referência a uma história do século XV e outra uma antiga
brincadeira portuguesa.
De acordo com a história, um camponês passava pela rua com um pato,
quando foi abordado por uma senhora que queria comprar o animal, mas não tinha
dinheiro e por isso propôs pagar com "favores sexuais".
Passado algum tempo, a mulher alegava que já tinha feito sexo suficiente
para pagar o valor do pato, mas o camponês exigia mais... pelo bicho. O marido
da mulher chega à casa e encontra os dois discutindo e pergunta o motivo da
briga. A esposa explica que o camponês queria mais dinheiro pelo pato que ela
havia comprado. O marido, para evitar mais discussões, oferece dinheiro para o
camponês, literalmente pagando pelo pato.
9.- Norte de Moçambique. Reza a tradição e narram na bula-bula escutada atentamente pelos
mais novos, que quando o primeiro macua foi gerado de um caniço, e logo depois
surgiu a primeira mulher, ambos começaram a conviver, comportando-se como macho
e fêmea. Viram que era bom fornicar, ignorando que aquilo que lhes dava tanto gozo,
pudesse resultar em procriação. Quando a mulher embarrigou e depois,
surpreendida, viu sair de dentro de si uma criança, não relacionou o fato com o
que fazia com o homem quando o corpo lho pedia. O nascituro era parte de la e
exclusivamente sua. O macho nem deu conta de poder ter interferido no evento. A
mulher atribuiu a natalidade, que ignorava poder ser fenómeno biologicamente
simples, a forças que excediam o seu entendimento. Sem perceber o mistério,
julgou trata-se de magia sobrenatural que a excedia. Refletindo depois,
eventualmente, sobre o mistério, pode ter interiorizado, sem disso se
aperceber, um incipiente conceito de religiosidade.
(Tabus e Vivências em Moçambique –
Edgar Nasi Pereira)
06/2015