Os Falsos Dom Sebastiões
Há, ainda hoje, quem continue à espera do “Enviado” para resolver os
problemas TODOS, do país e de cada um.
O sebastianismo permanece, talvez escondido atrás das rezas a Nossa
Senhora de Fátima ou de Aparecida, animado por uma velinha lá num altar, ou... para
que, com um toque de mágica, acabe com a desgraça que vai crescendo mundo fora.
O primeiro fingido a manifestar-se foi El-Rei D. Filipe I de Portugal no
ano de 1582, mandando vir de Ceuta um corpo que lá estava depositado, dizendo
ser o d’El-Rei D. Sebastião e o enterrou no Real Convento de Belém, em a capela
que está no Cruzeiro, da banda da Epístola e achando-se o dito Rei D. Filipe
pessoalmente a todas estas cerimónias.
Com isto esperava acabar com a esperança dos portugueses no regresso do
seu rei e assim não vir a ter problemas futuros.
O segundo foi chamado Rei de Penamacor, porque em Penamacor fez o fingimento
e aí o prenderam, o qual foi trazido a Lisboa onde foi condenado a galés; e
indo em uma que da conserva da armada que de Espanha foi contra Inglaterra, no
ano de 1588, se salvou na costa de França, o qual era homem vil; a Sentença foi
no ano de 1584.
O terceiro fingido foi chamado Rei da Ericeira, o qual era um oficial de
pedreiro, natural da Ilha Terceira e achando-se naquelas partes da Ericeira,
um Pedro Afonso, lavrador rico e morador em Rio Mouro, agasalhando-se o pedreiro
em sua casa e estando de noite fazendo oração a voz inteligível, entre outras
palavras disse estas: - Deus Senhor
perdoai-me meus pecados, e o haver sido a causa de tantos males como fui.
Era Pedro Afonso curioso e nesta ocasião estava espreitando o seu
hóspede e em lhe ouvindo estas últimas palavras, por elas inferiu e por elas
entendeu ser o tal homem o mesmo Rei D. S.; e obrigado desta ilusão ou desta
tentação do Demónio, se foi logo a ele e deitando-se-lhe a seus pés lhos beijou
muitas vezes e lhe disse que ele era o próprio Rei D. S. Defendeu-se o pobre
homem com a verdade e desenganos dela; não bastando todas as diligências de
suas afirmações contra o ateimado Pedro Afonso, antes cada vez mais firme e
mais furioso na sua teima até que o pobre de perseguido veio a conceder na
bestial vontade daquele que falsamente o autorizava tanto. Pelo que Pedro Afonso
ficou logo sendo seu Secretário, seu Conselheiro e seu valido, que até com os reis
fingidos têm valimento os maus secretários. Convocaram os saloios de todos aqueles
contornos e só saloios lhe assistiram. Foi este sucesso no ano de 1585. Foram
sobre eles os soldados do presídio de Lisboa e desbaratando aos saloios
prenderam ao falso Rei e ao seu Pedro Afonso e trazidos a Lisboa, nela foram
enforcados e esquartejados. Chamava-se Mateus Alvares era filho de Gaspar
Alvares, outro pedreiro.
O quarto fingido foi o pasteleiro de Madrigal, chamado Gabriel de
Espinosa, por amor do qual foi justiçado o Pe. Miguel dos Santos.
O quinto fingido é o nosso calabrês Marco Túlio. O que sucedeu desde o
ano de 1600. O qual por sentença d'El-Rei D. Filipe, o Bom, foi deitado a
galés, por amor do qual Marco Túlio é que foi justiçado o Pe. Fr. Estêvão
Caveira de Sampaio. Deste é que escreveu D. João de Castro alguns livros cheios
de muita patarata, enganando-se a si, enganando muitos e querendo enganar
todos. Com o que abalou a maior parte dos portugueses, que sempre o número dos
néscios é maior, para o que muitos contribuíram com quantias de dinheiro
consideráveis; e alguns por requisitarem de maiores e mais finos amantes,
pessoalmente foram ver a Veneza a quem tanto desejavam ver em Portugal. O de
que mais me espanta é de haver feito esta jornada e com consideráveis despesas
nela o Cónego da Sé de Lisboa, António Tavares de Távora, Esmoler-mor, um
sujeito de tão boas partes, que a de ser fidalgo era nela o menor; porque assim
como no corpo era grande, o que era também na sisudeza e na virtude. Serviu-lhe
isto de label pelo qual os reis Castelhanos D. Filipe, o Bom e seu filho, lhe
não deram nunca mitra nem outro algum acrescentamento, antes preferiram muitos,
por que razão e justiça os devia ele preferir. Enfim, veio a morrer consolado
com ver a aclamação d'El-Rei D. João IV e lograr por algum tempo a vista de Rei
Português, que era o que ele mais desejava; mas a morte lhe atalhou os aumentos
e melhoras a que estava a caber em primeiro lugar de todos os barretes, que
naquele tempo havia neste Reino. A sua Conezia é a melhor de todas as de
Lisboa, nem há outra que com ela possa competir; porque sendo a venda
ordinária de cada uma de 500.000 réis até 600, quando mais, esta passa sempre
de três mil cruzados e muitas vezes chega a quatro. Sucedeu-lhe nela seu
sobrinho Pedro de Távora, por cuja morte a deram a D. Simão da Gama, filho do
Marquês de Niza. Esta Conezia é da apresentação dos senhores de Mafra e
Soalhães a qual casa está hoje unida com a do Visconde de Vilanova de Cerveira.
O sexto fingido foi aquele chamado o Peregrino de Tomar, no ano de 1632.
Neste dito ano, em uma quarta-feira, chegou à Vila de Tomar aquele notável
Peregrino, que tanto deu em que entender à Espanha. Tinha o cabelo que mostrava
haver sido louro, faces vermelhas e bem disposto, só, em um cavalo
castanho-escuro.
Foi pousar na estalagem de Francisco Lourenço, era pela manhã e já não
achou missa; pôs-se logo a rezar, visitou o convento e nele ao Superior Fr.
Roque de Soveral a quem mostrou trazer o Bentinho da Ordem de Cristo, de que
era cavaleiro e lhe deu dois registos, um de Cristo com a Cruz às Costas, para
que o desse ao D. Prior Fr. Custódio Falcão como visse, que era, fora. O outro
de Santa Helena com a Cruz, para ele Fr. Roque e ambos muito bem iluminados e
em pergaminho respançado; e lhe disse sempre por muitas vezes o encomendasse a
Deus e esta era a resposta que dava quando lhe perguntava Fr. Roque quem ele
era. E lhe respondeu que como era da Ordem de Cristo, não quisera passar por
ali, sem dar obediência a seus Prelados. Pediu-lhe Fr. Roque ficasse lá no
Convento e nunca o pôde acabar com ele. Falava pouco e nunca deu mercê, nem
paternidade a pessoa alguma. Ali se confessou e ouviu a missa, isto no dia
seguinte quarta-feira a que lhe disse o Pe. Fr. Matias d'Aguiar e lhe deu comunhão;
e afirmou este Padre que aquele era El-Rei D. Sebastião porque o Pe. era muito
velho e o havia muito bem visto, quando El-Rei era moço. Foi-se dali para a
estalagem e nela ajustou contas, pagando o que devia e se partiu e foi jantar
naquela quarta-feira duas léguas de Tomar de modo que no povoado pagava muito
mais. Dali onde havia dois para três meses andava um navio ao pairo e ali se
ajuntaram onze homens a cavalo, que com ele e com os cavalos se embarcaram no
dito navio e não se soube mais deles. Disse o Pe. Fr. Roque de Soveral, que
vinha de Jerusalém e lhe mostrou em um braço, um sinal que lá costumam pôr aos
peregrinos.
Neste tempo reinava em toda a Espanha D. Filipe IV, era Presidente do
Tribunal do Paço, D. António Pereira, o Beatão, da Casa da Feira, o qual mandou
tirar grandes pesquisas deste caso, por um homem de seu nome António Pereira
de Sousa, o Tortinho, que depois foi procurador da Coroa, por morte de Tomé
Pinheiro. Era o Tortinho nesse tempo Corregedor naquelas partes. As mesmas
diligências fez também Nicolau de Brito Cardoso por ser Juiz de fora em Tomar e
naqueles dias se achava em Santarém, onde ao presente também assiste por Juiz
das Valas. Ele me contou tudo o que aqui é relatado e mo deu por escrito em a
tarde dum Sábado, 15 de julho de 1662, em sua casa na rua dos Cónegos, servindo
de Desembargador dos Agravos da Casa da Suplicação. Dizendo-me mais, que o tal
peregrino dera em Tomar algumas esmolas e que se parecia tanto com o Pe. Fr.
Pedro Ramalho, Religioso muito velho da Ordem de Cristo, que se dizia, é Fr.
Pedro com barbas e pelo Frade diziam, era o peregrino com elas; e ambos se
pareciam muito com os retratos que ha-de El-Rei D. Sebastião em velho.
Do livro
“Feiticeiros, Profetas e Visionários – Textos antigos Portugueses” – Casa
da Moeda – Biblioteca Nacional, 1981
19/05/2015
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