sábado, 20 de junho de 2015



AFONSO DE ALBUQUERQUE
o Grande


Curiosas foram as suas relações com o descobridor do Brazil, relações de parentesco, ainda que afim e de amizade.
As primeiras por Pedro Alvares Cabral ser ca­sado com sua sobrinha, D. Isabel de Castro, irmã dos Noronhas que tanto se distinguiram na Índia e por sua vez filha da irmã do grande Afonso d'Albuquerque. As segundas porque à evidencia ressaltam da carta escrita pelo governador e datada de Calicut, em 2 de dezembro de 1514. Dela se vê que fora Albuquerque quem patrocinara aquele casamento obtendo para a noiva bom dote. Com efeito, na sua opinião, Pedro Alvares Cabral era muy boom fidalgo e merecedor d'isto digno de toda a medrança e galardam de seus serviços.
Na corte porém tinha havido grandes intrigas pro­venientes das lutas dos partidos originadas nas desinteligências entre Pedro Alvares Cabral e D. Vasco da Gama e por isso Albuquerque o sabia apartado asy de vosa vontade (de D. Manoel I) e prazer, tendo-o el-rei lamçado de voso serviço (de D. Manoel I). Tudo isso eram no entanto arrufos e errados conselhos. E agora vinha o fim da carta: pedir a El-Rei para o chamar, aconselhar e reprehender e assim com elle se congraçar.
Parece porém que a esta carta D. Manoel I se não dignou responder, não conseguindo d'esta forma os serviços do grande herói da Índia desfazer a nuvem sombria que pesava sobre o prestígio do ilustre des­cobridor do Brazil!
O auge do poderio na Índia—Embaixadas dos reis orientais 
A notícia das vitórias e até das atrocidades, feitas para constar, com que Afonso d'Albuquerque precedia as suas marchas, criou aos portugueses uma atmosfera de excepcional prestígio e poderio no Oriente.
Era pois com justa razão que, em 18 de outubro de 1512, o grande governador, escrevendo a D. Manoel I lhe contava como, apenas souberam ter vindo de Por­tugal gente e armas, todos os reis e senhores lhe es­creveram, fazendo muitos oferecimentos, mais com medo que per suas vontades. Conhecia-lhes bem a psychologia! Não contentes com isso mandavam os seus embai­xadores.
Assim, em 12 de julho de 1511, D. Manoel I, escre­vendo ao bispo de Segovia, dizia-lhe para dar notícias ao rei de Espanha da chegada a Goa de um embai­xador do Xeque Ismael, o da Pérsia. Em 6 de dezembro do ano seguinte contava Albuquerque como tinham aprisionado o embaixador do Preste João em Dabul e ele o foi exigir, sendo então entregue. Recebido processionalmente, foi á igreja onde mostraram a Vera Cruz, cujo portador ele era. Contava por fim o seu cativeiro e roubo em Zeila.


Zeila – Costa da Somália – Séc. XIX

De um mandado de 13 de novembro de 1514, consta que Afonso d'Albuquerque mandara entregar aos embaixadores do rei de Narsinga uma peça de veludo preto, uma peça de damasco, côvados de escarlata, barretes de grã, 48 pardáos e especiarias. Em carta, datada de 27 de novembro desse mesmo ano, referia-se ás manilhas e joias enviadas para D. Manoel I, trazidas pelo embaixador do rei de Narsinga. A este rei enviou Albu­querque dois cavalos de preço, vinte e sete côvados de veludo preto e trinta de damasco e meia dúzia de barretes vermelhos.



Este embaixador é o chamado pelos Comentarios Retelim Cherim. Era pessoa das principais e trazia na vanguarda, a anunciá-lo, quatro elefantes com os seus castelos de madeira, paramentados de seda, dentro dos quais vinham pessoas gradas com bacias de prata dourada cheias de pérolas e outras joias. Eram os deslumbradores presentes para o grande governador.
Depois de entregue a sua mensagem, Afonso d'Albuquerque aconselhou-lhe o repouso para no dia se­guinte tratarem dos seus negócios. Com efeito, passada aquela noite, longa foi a conferencia havida entre os dois. Quis o embaixador combinar com Albuquerque a guerra ao Hidalcão, mas Albuquerque, nesse ponto, respondeu-lhe secamente, obedecendo ao seu sistema de tratar com reserva, e só entrou em combinações quando viu o rei de Narsinga decidido a atacar forte­mente as tropas do Hidalcão.
Retribuiu os presentes do embaixador, já com peças provenientes de Portugal, já com outras que Pero d'Al­buquerque tinha trazido de Ormuz.
O Hidalcão, sabedor d'esta embaixada, apressou-se a mandar também a sua, receoso de lhe tirarem o trato dos cavalos. Protelou Afonso d'Albuquerque a res­posta para ver o procedimento do rei de Narsinga. En­tretanto a mãe do Hidalcão, muito desejosa das pazes, enviava um emissário do sexo feminino, a qual gentil­mente foi logo despachada com explicações da demora. Como o rei de Narsinga se mantinha hesitante e o go­vernador desejava partir, despachou o embaixador do Hidalcão, adiando a solução do caso para quando vol­tasse do mar Vermelho, prometendo-lhe todos os cavalos vindos de Goa, contanto que aos portugueses entregasse a terra firme e a passagem dos Gales.
Em 8 de novembro de 1514 enviou Albuquerque ao rei de Cambaya uma adaga d'ouro com rubis no cabo e vários objetos de prata: uma bacia de lavar as mãos, uma albarrada* (infusa) dourada, uma taça, um jarro dourado, um castiçal pequeno de prata e um bernegal*.
Mas a embaixada mais notável foi, sem dúvida al­guma, a do Xeque Ismael, o xá da Pérsia como temos dito. Merece referência especial.
Estava já Afonso d'Albuquerque instalado na for­taleza de Ormuz. Por Miguel Ferreira mandou-lhe o embaixador dizer que lhe queria dar o recado do seu senhor. Não quis o governador recebe-lo imediatamente, pois queria deslumbrá-lo.
Para esse efeito mandou, diante da fortaleza, preparar um estrado grande de madeira, com três degraus, todo alcatifado, tendo em redor muitos panos e um docel de brocado. No estrado algumas almofadas de veludo verde e duas cadeiras da mesma cor, franjadas de oiro. À gente de guerra mandou dispor numa ver­dadeira parada militar. D. Garcia de Noronha foi o mestre de cerimonias e por ele acompanhado o em­baixador. À frente do cortejo dois caçadores d'onças, a cavalo, cada um com a sua nas ancas e após eles doze mouros a cavalo, muito bem vestidos, trazendo joias d'ouro, peças de seda e brocado em bacias de prata e depois as trombetas de Afonso d'Albuquerque. Esqueceu dizer que logo atrás dos caçadores d'onças vinham seis cavalos muito bem ajaezados com cobertas ricas, testeiras e saias de malha nos arções.
Quando D. Garcia com o embaixador chegaram à fortaleza ecoaram os tiros das peças de artilharia da armada surta no porto. Tamanho era o barulho que, na frase dos Commentarios “parecia que se fundia o mundo”.
Apresentou-lhe então o embaixador uma carta do seu soberano para o rei de Portugal e outra para o governador, a qual este entregou a Pero d'Alpoim, seu secretário que junto de ele estava. Quatro coisas dese­java o embaixador da parte do seu rei: primeira que os direitos pagos das mercadorias, vindas da Pérsia a Ormuz, fossem do Xeque Ismael; segunda, que lhe desse embarcação para passar gente sua à terra da Arábia; terceira, que o ajudasse com a sua armada a tomar um lugar insubordinado agora; quarta, que lhe desse porto na Índia para os mercadores da Pérsia tratarem suas mercadorias e licença para assentarem casa de feitoria em Ormuz.
Nada respondeu Afonso d'Albuquerque de defini­tivo, sobre preterições de tanta monta, mas mandou tratar o embaixador o melhor possível.
Assim sabemos que, em 26 de abril de 1515, man­dou-lhe dar l0 quintais de gengibre, 6 de pimenta, 3 arrobas de cravo, 1 quintal de canela e um fardo de açúcar, como presente. Em 5 de maio do mesmo ano mandou-lhe dar um gomil* de prata dourada e ao seu capitão um punhal guarnecido de ouro e prata.
Em 29 de Junho de 1515 mandou lhe Albuquerque dar 5o serafins em ouro e 1 português de 10 cruzados para as suas despesas.
Entretanto, Fernão Gomes de Lemos era enviado á Pérsia para retribuir a embaixada por Albuquerque recebida em Ormuz. Notáveis foram os presentes cujo portador foi: espingardas e armas brancas; dois corpos de couraças; uma espada e um punhal guarnecidos d'ouro; bestas e lanças; uma carapuça de veludo preto guarnecida d'ouro com 181 rubis; manilhas d'ouro; anéis, 3 com rubis e outro com uma safira no meio de 27 rubis; uma espécie de colar com rubis, turquesas e pérolas; uma pêra d'ambar, com 100 rubis e 60 dia­mantes; várias moedas portuguesas e especiarias.
Não se pode dizer que não fosse magnificente! E por isso não admira que o xeque Ismael, numa carta escrita a Albuquerque, lhe chamasse grande senhor que tem o mando e esteio dos governadores da lei do Messias, cavaleiro grande e forte leão dos mares! Pe­de-lhe mestres bombardeiros e, na sua linguagem hiperbólica, compara-o com o amanhecer da claridade e com o cheiro do almíscar!
Também o capitão geral do xá da Pérsia cha­mava a Albuquerque leão bem aventurado, cumulando-o assim de elogios!
É que, com efeito, a fama do grande homem corria veloz e mais não adivinhavam os grandiosos projetos que lhe escandeciam o cérebro.
Os Commentarios contam-nos dois d'eles: um, cortar uma pequena serra para desviar o leito do Nilo, afim de não ir regar as terras do Cairo. Para tal efeito, por várias vezes, chegou a mandar pedir a el-rei D, Ma­noel I, oficiais da ilha da Madeira, dos costumados a cortar as serras para passagem das levadas com que se regam as canas do açúcar. Outro era a destruição da casa de Meca.
Qual deles o mais audaz?
É o brilho incomparável do génio perante o qual todos se devem curvar.

-In Affonso d’Albuquerque, António Baião, Lisboa 1913.

Cortou muito nariz e muita orelha, mas elevou o nome de Portugal às alturas, e vê-se bem o respeito que adquiriu entre os “inimigos”. Mas foi entre os “amigos” que mais inimigos teve.

04-06-2015  

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