AFONSO DE ALBUQUERQUE
o Grande
Curiosas foram as suas relações com o descobridor do
Brazil, relações de parentesco, ainda que afim e de amizade.
As primeiras por Pedro Alvares Cabral ser casado com
sua sobrinha, D. Isabel de Castro, irmã dos Noronhas que tanto se distinguiram
na Índia e por sua vez filha da
irmã do grande Afonso d'Albuquerque. As segundas porque à evidencia ressaltam
da carta escrita pelo governador e datada de Calicut, em 2 de dezembro de 1514.
Dela se vê que fora Albuquerque quem patrocinara aquele casamento obtendo para
a noiva bom dote. Com efeito, na sua opinião, Pedro Alvares Cabral era muy
boom fidalgo e merecedor d'isto digno de toda a medrança e galardam de
seus serviços.
Na corte porém tinha havido grandes intrigas provenientes
das lutas dos partidos originadas nas desinteligências entre Pedro Alvares
Cabral e D. Vasco da Gama e por isso Albuquerque o sabia apartado asy de
vosa vontade (de D. Manoel I) e prazer, tendo-o el-rei lamçado de
voso serviço (de D. Manoel I). Tudo isso eram no entanto arrufos
e errados conselhos. E agora vinha o fim da carta: pedir a El-Rei para o chamar, aconselhar e reprehender
e assim com elle se congraçar.
Parece porém que a esta carta D. Manoel I se não
dignou responder, não conseguindo d'esta forma os serviços do grande herói da Índia
desfazer a nuvem sombria que pesava sobre o prestígio do ilustre descobridor
do Brazil!
O auge do
poderio na Índia—Embaixadas dos reis orientais
A notícia das vitórias e até das atrocidades, feitas
para constar, com que Afonso d'Albuquerque precedia as suas marchas, criou aos portugueses
uma atmosfera de excepcional prestígio e poderio no Oriente.
Era pois com justa razão que, em 18 de outubro de
1512, o grande governador, escrevendo a D. Manoel I lhe contava como, apenas
souberam ter vindo de Portugal gente e armas, todos os reis e senhores lhe escreveram,
fazendo muitos oferecimentos, mais com medo que per suas vontades.
Conhecia-lhes bem a psychologia! Não
contentes com isso mandavam os seus embaixadores.
Assim, em 12 de julho de 1511, D. Manoel I, escrevendo ao bispo de Segovia, dizia-lhe para dar
notícias ao rei de Espanha da chegada a Goa de um embaixador do Xeque Ismael,
o xá da Pérsia. Em 6 de dezembro do
ano seguinte contava Albuquerque como tinham aprisionado o embaixador do Preste
João em Dabul e ele o foi exigir, sendo então entregue. Recebido
processionalmente, foi á igreja onde mostraram a Vera Cruz, cujo portador ele
era. Contava por fim o seu cativeiro e roubo em Zeila.
Zeila – Costa da Somália – Séc. XIX
De um mandado de 13 de novembro de 1514, consta que
Afonso d'Albuquerque mandara entregar aos embaixadores do rei de Narsinga uma
peça de veludo preto, uma peça de damasco, côvados de escarlata, barretes de
grã, 48 pardáos e especiarias. Em carta, datada de 27 de novembro desse mesmo ano,
referia-se ás manilhas e joias enviadas para D. Manoel I, trazidas pelo embaixador do rei de
Narsinga. A este rei enviou Albuquerque dois cavalos de preço, vinte e sete côvados
de veludo preto e trinta de damasco e meia dúzia de barretes vermelhos.
Este embaixador é o chamado pelos Comentarios Retelim
Cherim. Era pessoa das principais e trazia na vanguarda, a anunciá-lo, quatro
elefantes com os seus castelos de madeira, paramentados de seda, dentro dos quais
vinham pessoas gradas com bacias de prata dourada cheias de pérolas e outras joias.
Eram os deslumbradores presentes para o grande governador.
Depois de entregue a sua mensagem, Afonso d'Albuquerque aconselhou-lhe o
repouso para no dia seguinte tratarem dos seus negócios. Com efeito, passada aquela
noite, longa foi a conferencia havida entre os dois. Quis o embaixador combinar
com Albuquerque a guerra ao Hidalcão, mas Albuquerque, nesse ponto, respondeu-lhe
secamente, obedecendo ao seu sistema de tratar com reserva, e só entrou em
combinações quando viu o rei de Narsinga decidido a atacar fortemente as
tropas do Hidalcão.
Retribuiu os presentes do embaixador, já com peças
provenientes de Portugal, já com outras que Pero d'Albuquerque tinha trazido
de Ormuz.
O Hidalcão, sabedor d'esta embaixada, apressou-se a
mandar também a sua, receoso de lhe tirarem o trato dos cavalos. Protelou
Afonso d'Albuquerque a resposta para ver o procedimento do rei de Narsinga. Entretanto
a mãe do Hidalcão, muito desejosa das pazes, enviava um emissário do sexo
feminino, a qual gentilmente foi logo despachada com explicações da demora.
Como o rei de Narsinga se mantinha hesitante e o governador desejava partir,
despachou o embaixador do Hidalcão, adiando a solução do caso para quando voltasse
do mar Vermelho, prometendo-lhe todos os cavalos vindos de Goa, contanto que
aos portugueses entregasse a terra firme e a passagem dos Gales.
Em 8 de novembro de 1514 enviou Albuquerque ao rei de
Cambaya uma adaga d'ouro com rubis no cabo e vários objetos de prata: uma bacia
de lavar as mãos, uma albarrada* (infusa) dourada, uma taça, um jarro
dourado, um castiçal pequeno de prata e um bernegal*.
Mas a embaixada mais notável foi, sem dúvida alguma,
a do Xeque Ismael, o xá da Pérsia como temos dito. Merece referência especial.
Estava já Afonso d'Albuquerque instalado na fortaleza
de Ormuz. Por Miguel Ferreira mandou-lhe o embaixador dizer que lhe queria dar
o recado do seu senhor. Não quis o governador recebe-lo imediatamente, pois
queria deslumbrá-lo.
Para esse efeito mandou, diante da fortaleza, preparar um estrado grande
de madeira, com três degraus, todo alcatifado, tendo em redor muitos panos e um
docel de brocado. No estrado algumas almofadas de veludo verde e duas cadeiras
da mesma cor, franjadas de oiro. À gente de guerra mandou dispor numa verdadeira
parada militar. D. Garcia de Noronha foi o mestre de cerimonias e por ele
acompanhado o embaixador. À frente do cortejo dois caçadores d'onças, a cavalo,
cada um com a sua nas ancas e após eles doze mouros a cavalo, muito bem
vestidos, trazendo joias d'ouro, peças de seda e brocado em bacias de prata e
depois as trombetas de Afonso d'Albuquerque. Esqueceu dizer que logo atrás dos
caçadores d'onças vinham seis cavalos muito bem ajaezados com cobertas ricas,
testeiras e saias de malha nos arções.
Quando D. Garcia com o embaixador chegaram à fortaleza
ecoaram os tiros das peças de artilharia da armada surta no porto. Tamanho era o
barulho que, na frase dos Commentarios “parecia que se fundia o mundo”.
Apresentou-lhe então o embaixador uma carta do seu
soberano para o rei de Portugal e outra para o governador, a qual este entregou
a Pero d'Alpoim, seu secretário que junto de ele estava. Quatro coisas desejava
o embaixador da parte do seu rei: primeira que os direitos pagos das
mercadorias, vindas da Pérsia a Ormuz, fossem do Xeque Ismael; segunda, que lhe
desse embarcação para passar gente sua à terra da Arábia; terceira, que o ajudasse
com a sua armada a tomar um lugar insubordinado agora; quarta, que lhe desse
porto na Índia para os mercadores da Pérsia tratarem suas mercadorias e licença
para assentarem casa de feitoria em Ormuz.
Nada respondeu Afonso d'Albuquerque de definitivo,
sobre preterições de tanta monta, mas mandou tratar o embaixador o melhor
possível.
Assim sabemos que, em 26 de abril de 1515, mandou-lhe
dar l0 quintais de gengibre, 6 de pimenta, 3 arrobas de cravo, 1 quintal de canela
e um fardo de açúcar, como presente. Em 5 de maio do mesmo ano mandou-lhe dar
um gomil* de prata dourada e ao seu capitão um punhal guarnecido de ouro e
prata.
Em 29 de Junho de 1515 mandou lhe Albuquerque dar 5o
serafins em ouro e 1 português de 10 cruzados para as suas despesas.
Entretanto, Fernão Gomes de Lemos era enviado á Pérsia
para retribuir a embaixada por Albuquerque recebida em Ormuz. Notáveis foram os
presentes cujo portador foi: espingardas e armas brancas; dois corpos de
couraças; uma espada e um punhal guarnecidos d'ouro; bestas e lanças; uma
carapuça de veludo preto guarnecida d'ouro com 181 rubis; manilhas d'ouro; anéis,
3 com rubis e outro com uma safira no meio de 27 rubis; uma espécie de colar
com rubis, turquesas e pérolas; uma pêra d'ambar, com 100 rubis e 60 diamantes;
várias moedas portuguesas e especiarias.
Não se pode dizer que não fosse magnificente! E por
isso não admira que o xeque Ismael, numa carta escrita a Albuquerque, lhe
chamasse grande senhor que tem o mando e esteio dos governadores da lei do Messias,
cavaleiro grande e forte leão dos mares! Pede-lhe mestres bombardeiros e,
na sua linguagem hiperbólica, compara-o com o amanhecer da claridade e com o
cheiro do almíscar!
Também o capitão geral do xá da Pérsia chamava a
Albuquerque leão bem aventurado, cumulando-o assim de elogios!
É que, com efeito, a fama do grande homem corria veloz
e mais não adivinhavam os grandiosos projetos que lhe escandeciam o cérebro.
Os Commentarios contam-nos dois d'eles: um,
cortar uma pequena serra para desviar o leito do Nilo, afim de não ir regar as
terras do Cairo. Para tal efeito, por várias vezes, chegou a mandar pedir a
el-rei D, Manoel I, oficiais da ilha da Madeira, dos costumados a cortar as
serras para passagem das levadas com que se regam as canas do açúcar. Outro era
a destruição da casa de Meca.
Qual deles o mais audaz?
É o brilho incomparável do génio perante o qual todos
se devem curvar.
-In Affonso
d’Albuquerque, António Baião, Lisboa 1913.
Cortou muito nariz e muita orelha, mas elevou o nome
de Portugal às alturas, e vê-se bem o respeito que adquiriu entre os
“inimigos”. Mas foi entre os “amigos” que mais inimigos teve.
04-06-2015
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