quarta-feira, 9 de janeiro de 2013





Um sonho ?

Sem saber como, bem na minha frente um velho de barba branca, olhar doce, em paz, tal como alguns de nós têm imaginado como será a figura de São Pedro quando lá chegarmos, se lá chegarmos.
Devia ser mesmo o guardião das chaves dos vários “hoteis” que nos aguardam: os paradisíacos e os infernais!
Sem se interessar em saber o meu nome, nem o que eu havia feito durante a estadia na Terra – isso ele já o deveria saber; está inscrito na eternidade – quis ouvir a minha opinião sobre a humanidade, o seu comportamento e até o que eu pensava do futuro do pequenino planeta onde vivia.
Coisa estranha! Se era mesmo o São Pedro, nada do que eu lhe contasse poderia aparecer inesperado!
Assim mesmo atrevi-me a falar, não deixando dúvidas ao bom e simpático velhinho, o quanto eu era descrente nos homens.
Sem se perturbar foi-me ouvindo contar que na Terra os homens matam pelos motivos mais fúteis!
As torcidas, no futebol, agridem e matam os que aplaudem os seus adversários, há lutas ferozes a que se atrevem a chamar desporto, em que os homens, e mulheres se esmurram até perderem os sentidos, os ditadores, que ainda os há e muitos, prendem, torturam e dão sumiço a cantores da liberdade, que as indústrias farmacêuticas inventam e criam epidemias para aumentarem o lucro do seu negócio, que tratam os miseráveis de países pobres como cobaias descartáveis, que há países onde os medicamentos custam cinco a dez vezes mais do que em outros, que se fazem guerras com mentirosas ideologias de religião, e também, mas principalmente, porque os fabricantes e negociantes de armas embolsam fortunas inimagináveis, que o infame tráfico de drogas não acabará nunca porque além dos financeiramente interessados, a população mundial está cada vez mais descrente no seu futuro e prefere alienar-se com psicotrópicos, que o provento dos trabalhadores, em todo o lado, tem diferenças abissais entre os que fazem as leis e os que a ela têm que se sujeitar, enfim, senhor – lhe disse eu ­– em algum momento o Criador deve ter errado ao dar vida ao homem.
Se o céu, o paraíso, é para os bons e o inferno para os maus, como o cristianismo nos fez crer, neste último não deverá haver mais lugares disponíveis!
São Pedro olhava-me e, apesar de contra a luz, pareceu-me ver uma pequenina lágrima sair de um olho. Para não mo mostrar, deu uma volta enquanto passava a mão nos olhos, e voltando-se para mim disse:
- Não. O Criador não fez nada de errado. Por muito amar tudo, mas tudo, quanto criou, deu liberdade a todos os seres, tanto animais como vegetais! E isso é fácil de compreender, quando, por exemplo, se vêm plantas, árvores frondosas, crescerem em lugares que os homens abandonaram, mostra que foram livres de escolher onde querem viver, os animais a que os homens chamam de irracionais, que vivem em total liberdade jamais competindo com os da mesma espécie, e ao homem foi concedido, além de tudo, o privilégio de pensar, a inteligência para coordenar a vida de toda a natureza de forma a que ela transforme a vida na Terra no verdadeiro Paraíso.
Mas o Criador, Deus, ou como lhe queiram chamar, sempre teve que lutar com um muito feroz e invejoso competidor, a quem costumam chamar de Satã ou Diabo.
Os homens não pensam muito sobre o Diabo, mas ele consegue ser tão real, desconhecido, incognito e temido quanto o Criador. O Diabo aparece sob a forma de ouro, jóias, poder, inveja, soberba, vingança, e todos os outros males que os homens conhecem bem e fingem desconhecer.
O Criador que existe desde sempre, não tem pressa. Na eternidade não há pressa. Tudo é instantâneo, e quando os homens pensam que estão há cem mil anos na Terra, esquecem-se de que esse tempo não conta.
Aqui, no éter, na eternidade, não há hotéis paradisíacos nem infernais, nem entes bons nem maus, o que não significa que aqueles cujo comportamento, na sua tão breve passagem na terra, tenha sido condenável, não devam pagar por isso. O mais natural é que voltem, noutro corpo material e sofram o que fizeram sofrer aos outros.
Só redimidos serão aceites no Espírito Único, integrados no Criador, só assim, como dizem os cristãos, poderão ver a Face de Deus! A Face de Deus que é o sopro que dá a vida do espírito.
Alguns homens têm disto uma noção mais profunda do que todos os outros. Têm até um nome curioso para aqueles que estão prontos a estar com o Criador: encontrar o Nirvana.
Para eles não há paraíso ou inferno; há somente que cumprir com a vontade de Deus, que o fez superior a todos os outros seres. Não para os destruir ou escravizar mas os conduzir, todos, à perfeição.
Eu continuava a pensar que o meu interlocutor seria mesmo o São Pedro, o bom velhinho pescador, como o imaginamos. Mas estas suas afirmações baralharam mais a minha cabeça, e decidi aproveitar a ocasião para lhe fazer algumas perguntas:
Mas Senhor, se Deus foi o criador de tudo e existe desde antes de tudo, porque criou o Diabo? E nessa mesma ordem de idéias porque, ao criar o homem lhe deu a possibilidade de escolher o mal, em vez de o ter deixado a viver como todos os outros seres vivos, sem guerra, nem hierarquias, nem vaidades, nem invejas, etc.?
Se a nossa inteligência, a nossa alma, o nosso espírito, são fruto do “sophos”, do sopro do Espírito de Deus, ou Deus fez uma trucagem e nos deu um espírito maligno, o que ninguém entende porquê, ou, mais grave e pode parecer a mais profunda das heresias, se esse espírito é o espírito de Deus, alguma coisa está errada. De que adianta a minha alma, ou o meu espírito ter que reencarnar para voltar a sofrer, se esse espírito nos foi dado por Deus.
Porque Deus faria isso com os homens?
Se o espírito, a alma, ou como lhe queiram chamar, nos foi “dado” por Deus, “à sua imagem e semelhança”, e se existe desde... sempre, e sempre continuará a existir, e se eu posso encorporar-me ao espírito eterno, isso significa que de lá saí, e se agora tenho que me purificar para voltar, é porque terei saido de um espírito impuro!  
Se Deus desde o “primeiro” infinito antes de mim não teve tempo de se purificar, como poderá fazê-lo no infinito seguinte?
O que não foi feito na eternidade anterior ao meu momento, não vai poder fazê-lo na eternidade posterior!
Eu, com toda esta argumentação já estava todo baralhado e o amável São Pedro parecia estar a fixar as minhas observações para as ir expôr...
Achei melhor terminar, dizendo-lhe:
Senhor, eu acho melhor não saber nada, do que me alimentar de afirmações ilusórias e inconciliáveis.
Prefiro ficar com um infinito incompreensível e sem limites do que me restringir a um Deus cujo incompreensível é delimitado por todas as partes.
São Pedro parecia um pouco confuso, mas com seu olhar tranquilo despediu-se com esta mensagem:
Nada te obriga a falar do teu Deus, mas se decidires fazê-lo é necessário que as tuas explicações sejam superiores ao silêncio que elas rompem.
Só mais uma pergunta: o senhor é o São Pedro?
Não. Aqui não há santos!
E sumiu entre as nuvens!
E eu?
Creio que acordei... e fiquei em silêncio.
Ainda estou indeciso se terá sido um sonho, mas tem dado muito o que pensar.

8-jan-13

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