quinta-feira, 3 de janeiro de 2013



Continuação do “politicamente correto”

Do assassinato das tradições


O CRAVO NÃO BRIGOU COM A ROSA


"Chegamos ao limite da insanidade da onda do politicamente correto. Soube dia desses que as crianças, nas creches e escolas, não cantam mais “O cravo brigou com a rosa”. (Aquela clássica e linda canção infantil:

O cravo brigou com a rosa
debaixo de uma sacada
o cravo saiu ferido
e a rosa despedaçada

O cravo ficou doente
e a rosa foi visitar
o cravo teve um desmaio
e a rosa pos-se a chorar


A explicação da professora do filho de um camarada foi comovente: a briga entre o cravo - o homem - e a rosa - a mulher - estimula a violência entre os casais. Na nova letra "o cravo encontrou a rosa/debaixo de uma sacada/o cravo ficou feliz /e a rosa ficou encantada".
Que diabos é isso?
O próximo passo é enquadrar o cravo na Lei Maria da Penha. Será que esses doidos sabem que “O cravo brigou com a rosa” faz parte de uma suíte de 16 peças que Villa Lobos criou a partir de temas recolhidos no folclore brasileiro? É Villa Lobos, cacete!
Outra música infantil que mudou de letra foi Samba Lelê. Na versão da minha infância o negócio era o seguinte: “Samba Lelê tá doente/Tá com a cabeça quebrada/Samba Lelê precisava/ É de umas boas palmadas.”...
A palmada na bunda está proibida. Incita a violência contra a menina Lelê.
A tia do maternal agora ensina assim: “Samba Lelê tá doente/ Com uma febre malvada/ Assim que a febre passar/ A Lelê vai estudar”...
Se eu fosse a Lelê, com uma versão dessas, torcia pra febre não passar nunca. Os amigos sabem de quem é Samba Lelê? Villa Lobos de novo.
Podiam até registrar a parceria. Ficaria assim: Samba Lelê, melodia de Heitor Villa Lobos e letra da Tia Nilda do Jardim Escola Criança Feliz.
Comunico também que não se pode mais atirar o pau no gato, já que a música desperta nas crianças o desejo de maltratar os bichanos.
A Sociedade Protetora dos Animais cairia em cima com processos.
Quem entra na roda dança, nos dias atuais. Não pode mais ter sete namorados para se casar com um. Sete namorados é coisa de menina fácil, estimula o sexo sem amor, a vulgaridade e a promiscuidade!
Ninguém mais canta: “Pai Francisco entrou na roda, tocando seu violão, vem de lá Seu Delegado, e pai Francisco foi pra prisão”.
O pobre do Pai Francisco foi preso apenas por vadiagem, mas atualmente ficaria sob a suspeita de ser traficante.
Ninguém mais é pobre ou rico de marré-de-si*, para não lembrar à garotada a desigualdade de renda entre os homens.
Dia desses alguém [não me lembro exatamente quem se saiu com essa e não procurei a referência no meu babalorixá virtual, Pai Google da Aruanda] foi espinafrado porque disse que ecologia era, nos anos setenta, coisa de viado.
Qual é o problema da frase? Ecologia, de fato, era vista como coisa de viado.
Eu imagino se meu avô, com a alma de cangaceiro que possuía, soubesse que algum filho estava militando na causa da preservação do mico-leão-dourado, em defesa das bromélias ou coisa que o valha. Bicha louca, diria o velho.
Vivemos tempos de não me toques que eu magôo. Quer dizer que ninguém mais pode usar a expressão coisa de viado?
Que me desculpem os paladinos da cartilha da correção, mas isso é uma tremenda babaquice..
O politicamente correto é a sepultura do humor, da criatividade, da divertida sacanagem. A expressão coisa de viado não é, nem a pau (sem duplo sentido), ofensa a bicha alguma.
Daqui a pouco só chamaremos o anão - o popular pintor de roda-pé ou leão-de-chácara de baile infantil - de deficiente vertical.
O crioulo - vulgo picolé de asfalto ou bola sete (depende do peso) - só pode ser chamado de afrodescendente.
O branquelo - o famoso branco azedo ou Omo total - é um cidadão caucasiano desprovido de pigmentação.
A mulher feia - aquela que nasceu pelo avesso, a soldado do quinto batalhão de artilharia pesada, também conhecida como o rascunho do mapa do inferno - é apenas a dona de um padrão divergente dos preceitos estéticos da contemporaneidade.
O gordo - outrora conhecido como rolha de poço, chupeta do Vesúvio, “Orca, a baleia assassina” e bujão - é o cidadão que está fora do peso ideal.
O magricela não pode ser chamado de morto-de-fome, pau-de-virar-tripa e Olívia Palito.
O careca não é mais o aeroporto de mosquito, tobogã de piolho e pouca telha.
Nas aulas sobre o barroco mineiro, não poderei mais citar o Aleijadinho.
Direi o seguinte: o escultor Antônio Francisco Lisboa tinha necessidades especiais... Definitivamente não dá!
O politicamente correto também gera a morte do apelido, essa tradição fabulosa do Brasil.
O recente Estatuto do Torcedor quer, com os olhos gordos na Copa e 2014, disciplinar as manifestações das torcidas de futebol.
Ao invés de mandar o juiz pra puta-que-o-pariu e o centroavante pereba tomar no olho-do-cu, cantaremos nas arquibancadas o allegro da Nona Sinfonia de Beethoven, entremeado pelo coro de “Jesus, Alegria dos Homens”, do velho Bach.... Falei em velho Bach e me lembrei de outra.
A velhice não existe mais. O sujeito cheio de pelancas, doente, acabado, o famoso pé-na-cova, aquele que dobrou o Cabo da Boa Esperança, o cliente do seguro-funeral, o popular tá-mais-pra-lá-do-que-pra-cá, já tem motivos para sorrir na beira da sepultura.
A velhice agora é simplesmente a "melhor idade".
Se Deus quiser morreremos, todos, gozando da mais perfeita saúde.
Defuntos? Não. Seremos os inquilinos do condomínio Cidade do Pé-Junto."

Texto de Luiz Antônio Simas, que é Mestre em História Social pela Universidade Federal do Rio de Janeiro e professor de História no ensino médio

A maioria dessas canções e cantigas é um arranjo ou uma adaptação de canções francesas (a maioria), portuguesas e européias de modo geral, trazidas a nosso uso desde priscas eras, com maior afluxo no século XIX. As traduções são às vezes curiosíssimas, e um bom exemplo disso é a canção “Je suis pauvre pauvre pauvre du Marais Marais Marais, je suis riche riche riche d’la Mairie D’Issy”, que virou “Eu sou pobre pobre pobre demarré marré marré, eu sou rica rica rica de marré dessí”… ( Marais e Mairie d’Issy são dois bairros de Paris).

Copiado do blog:

Nota: Quem não quiser ler as palavras destacadas em vermelho... poderá substituí- las por alguns asteriscos! Talvez seja “políticamente mais correto”, apesar de serem termos de uso diário e contínuo, especialmente quando alguém se refere a um político!

Jan. 2013

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