AFONSO DE ALBUQUERQUE
O PRIMEIRO PRESIDENTE
DA CÂMARA DE LISBOA
(Texto do historiador
António Baião,
in “Boletim Cultural e Estatístico”
da Câmara Municipal
de Lisboa,
Janeiro-Março de 1937)
Afonso de
Albuquerque, o Grande, saindo para a Índia em 1506, deixou no reino um filho
natural, por nome Braz, legitimado em 26 de Fevereiro do mesmo ano, quando
tinha apenas cinco anos de idade. Aos cuidados de sua tia paterna, D. Isabel de
Albuquerque, casada com D. Pedro da Silva, o Reles, de alcunha, foi
confiado e, após a morte de seu pai, por ordem de D. Manuel I, entrou no
mosteiro de Santo Elói a cujos cónegos foi encarregada a sua instrução. D.
Manuel decidiu também trocar-lhe o nome para Afonso, em homenagem ao seu pai.
Teria dezanove ou
vinte anos quando, para casar com D. Maria de Ayala Noronha filha do conde de
Linhares, D. António de Noronha, D. Manuel I lhe assinou um juro de 400$00
reais e lhe mandou pagar mais 180.000 cruzados dos soldos em atrazo ao
governador da Índia e das quintaladas ao mesmo devidas.
Estava pois herdeiro de um grande nome e senhor de uma
grande fortuna, por cuja causa em muitas questões andou envolvido.
«Em 1521 – escreve Joaquim
Rasteiro – Afonso de Albuquerque, ou melhor, o genro do escrivão da
puridade de D. Manuel, foi escolhido com fidalgos de boa estirpe para
acompanhar a Saboya a infanta D. Brites, filha do rei, casada com o duque
Carlos e teve o comando de um galeão de duzentos e trinta toneis.”
Com efeito na Hida
da infante dona Breatriz a Saboya,
Garcia de Rezende, a isso minuciosamente se refere, tendo o séquito saído de
foz em fora a 10 de Agosto de 1521.
Em Fevereiro, de 1526
foi também um dos portugueses que acompanharam a imperatriz D. Isabel quando
foi para Castela. Assistiu ao seu casamento em Sevilha, regressando pouco
depois a Portugal, onde o chamavam cuidados da sua casa.
Vejamo-lo agora como
proprietário e proprietário abastado.
“D. Brites de Laura vendeu, escreve
Joaquim Rasteiro, em l de Dezembro de
1528, a Afonso de Albuquerque, filho, por
quatro mil cruzados de ouro a sua quinta em Azeitão da banda dalém, em
Ribatejo, com todos os seus paços, casas adegas, lagares, terras de pão,
vinhas, pomares, olivais, etc.
Aí, na quinta da
Bacalhôa, habitou Afonso de Albuquerque com sua mulher muitos anos e no friso
do portão que, pelo norte, dá entrada para o páteo do palácio lê-se a seguinte
inscrição: Anno 1554—Alfonsus Albuquercus Alfonsi Magni indorum debellatoris
filius sub Joanne III Portugaliae rege condidit—anno mdliiii).
Além disto bem
conhecida é a Casa dos Bicos, que mandou edificar pelos fins do primeiro
quartel do século XVI (*).
Afonso de Albuquerque
assiste às cortes de 1562 celebradas em Lisboa, a 15 de Setembro, aquelas em
que D. Catarina renunciou à administração do reino, que assim passou para as
mãos do cardeal D. Henrique e foram as primeiras do reinado de D. Sebastião.
Em 15 de Abril de
1564 foi determinado que a Afonso de Albuquerque fossem pagos os cem mil reais
de tença pelo rendimento das sisas de Azeitão.
“Da união de Afonso de Albuquerque com D. Maria
de Noronha, escreve
Rasteiro, nasceram
dois filhos, António que morreu moço e D. Joana Albuquerque, mulher de D.
Fernando de Castro, primeiro conde de Basto, capitão-mor de Évora e que faleceu
sem geração.”
Afonso de Albuquerque, em 1568, era sem
sucessor e no dia 27 de Janeiro, em Azeitão, ele e sua mulher D. Maria de
Noronha, vincularam a quinta de Azeitão com seu assento de casas, pomar e
vinha, cercados, foros havidos e por haver e as casas de Lisboa às Portas do
mar, que partiam com o dr. Luiz da Veiga e com a mulher, que foi de Ayres
Tavares, instituindo um hospital na igreja do bem aventurado S.
Simão, que era junto da quinta de Azeitão, para nelle se
agasalharem pobres caminhantes. O
título foi escrito a rogo dos instituidores, pelo licenciado Aleixo de
Albuquerque, seu capelão, e foi aprovado no dia 28 de Fevereiro do mesmo ano,
na quinta do Snr. Affonso de
Albuquerque pelo tabelião João Rodrigues».
Em Setembro de 1578 foi Afonso de Albuquerque
convidado para ir assistir às cortes de Almeirim. Qual seria a sua opinião em
tão grave e momentoso assunto? Não o sabemos e apenas nos chega a notícia de, a
l de Junho de 1579, prestarem, perante D. Henrique,
juramento os três estados do reino. Em tal acto compareceu, como procurador de
Lisboa, Afonso de Albuquerque.
«Nos últimos dias, escreve Rasteiro a
pág. 23 da sua monografia Quinta e Palácio da Bacalhoa, talvez dementisado pela idade, peralta,
encontramos Albuquerque, filho, requestando uma jovem fidalga, D. Catarina de
Menezes, com quem casou fazendo política ibérica contra a
independência da pátria e concorrendo a entrevistas com Cristóvão de Moura
disfarçado com barbas postiças».
Do respectivo assento paroquial consta que
a 6 de Maio de 1581 se finou o autor dos Comentários,
deixando por testamenteiro sua viuva D. Catarina de Menezes que, diga-se de
passagem, pouco tempo se conservou nesse estado pois veio a casar com D. João
Coutinho de quem teve dois filhos.
Vários são os aspectos que nos apresenta a
personalidade do autor dos Comentários. Se não manejou a espada soube
empunhar a pena; se não conquistou cidades deixou nos Comentários um
perdurável monumento à memória do pai. Com um intervalo de dezanove anos duas
edições dessa obra publicou: a primeira em 1557 e a segunda já no declinar da
existência, em 1576. Conselheiro de D. João III, como tal figura no livro dos
moradores da casa real com 5.500 reais de moradia.
Provedor da irmandade da Misericórdia de
Lisboa, como tal o sabemos em 1542, 1545, 1552, 1563, 1571 e 1577.
Presidente do Senado da Câmara de Lisboa
foi nomeado pela carta régia de 12 de Dezembro de 1572, que deu nova forma à
eleição e organização da Câmara, estatuindo para ela um presidente fidalgo principal
e dois vereadores letrados que hão de ser meus desembargadores.
Como se vê por este diploma só no reinado
de D. Sebastião vem a Câmara
de Lisboa a ter presidente, pois que até aí presidiam os vereadores às semanas
e portanto foi Afonso de Albuquerque o
primeiro presidente da edilidade lísbonense. Durante dezoito meses exerceu
Albuquerque o seu elevado cargo até ser-lhe nomeado, como sucessor, D. Duarte
da Costa por carta régia de 17 de Junho de 1574.
Nestes dezoito meses são de iniciativa da
câmara presidida por Albuquerque
- l.° As diligências feitas para o
abastecimento da «Ágoa livre» à cidade agradecido por D. Sebastião em
Carta Régia de 2 de Março de 1573;—
- 2.° A demolição da torre do muro da
cidade, «diante da porta principal da igreja de N. S." do Loreto», para o
que el-rei deu permissão por Carta Régia de 1º de Junho de 1573;
- 3.° Jurisdição que os vereadores
obtiveram por Alvará Régio de 3 de Março de 1574, por 2 anos, como solicitaram,
para devassarem e conhecerem em Câmara das delinquências sobre venda de pão, vinho
e azeite, até 10 léguas fora de Lisboa, etc.;
- 4.° As providências para o calcetamento de algumas «Ruas mais
correntes» da cidade de Lisboa, mandando o Alvará Régio de 3 de Março de 1574
que todos os barcos que viessem do Porto e de Viana, trouxessem por lastro
pedra da que no Porto serviu para calçar a Rua das Flores, e em Viana as ruas
desta vila, a fím de se calçarem com ela algumas ruas de Lisboa;
- 5.° A permissão para que a Câmara
elevasse a taxa do vinho, pelas razões constantes da Carta Régia de 3 de Abril
de 1574.
Foi, pois, um cidadão prestante à sua
pátria e à sua terra natal. À sua pátria como autor duma das obras mais
requintadamente patrióticas da literatura portuguesa, à sua terra natal como
autor de vários melhoramentos locais, seu representante em cortes e Presidente
da sua edilidade.
Notas:
*.- O que diria hoje
Afonso de Albuquerque, uma das mais nobres figuras do reino, se visse a sua
Casa dos Bicos entregue à fundação de um fundamentalista comunista, que sempre
pretendeu ridicularizar a nobreza?
- E a Quinta da Bacalhôa, hoje propriedade de
alguém com fortuna de origem... incógnita?
- Seria interessante também saber se
as primeiras ruas calcetadas com pedra foram as do Porto, de Viana do Castelo
ou de Lisboa!
Os Presidentes das respectivas Câmaras poderiam dar alguma
informação?
É história! Todos agradecem.
19/11/2012
Para responder às questões do tio Chico, as informações que consegui apurar são:
ResponderExcluir1º Presidente da Câmara de Lisboa:
Quando a cidade de Lisboa foi conquistada por D. Afonso Henriques, a Gestão da cidade foi confiada a um conjunto de Homens Bons que decidia sobre os assuntos da cidade junto à Sé de Lisboa. Em 1148 surge a primeira referência ao Alcaide da cidade, Pedro Viegas Pelágio. Era o representante rei e detinha funções militares, administrativas e de justiça; presidia às assembleias dos Homens Bons e o cargo era ocupado em sistema de rotatividade.
Em 1572 aparece a primeira referência a "Presidente da Câmara". Era um fidalgo por nomeação régia. O primeiro Presidente da Câmara (em 1572) foi Afonso de Albuquerque. No entanto, nos anos seguintes, voltar-se-à à gestão da Câmara por Vereadores em sistema de rotatividade.
Com a implantação da Republica em 1910 o cargo irá adquirir nova importância e protagonismo. A Vereação de 1908 - a 1ª Vereação republicana – tinha como Presidente Anselmo Braancamp Freire.
Nota: Informações retiradas do livro A Evolução Municipal de Lisboa – Pelouros e Vereações, CML, 1996
Quando à questão sobre qual será a primeira cidade que calcetou as suas ruas não consigo apurar. Penso que deverá ter sido Lisboa (ou o Porto), mas não tenho informações sobre isso.
Se conseguir encontrar alguma coisa aviso.
Pedro Teotónio Pereira
Maria Luiza Amorim escreveu:
ResponderExcluirA calçada começou em Portugal de forma diversa da que hoje é mais corriqueira. São as cartas régias de 20 de Agosto de 1498 e de 8 de Maio de 1500, assinadas pelo rei D. Manuel I, que marcam o início do calcetamento das ruas de Lisboa, mais notavelmente o da Rua Nova dos Mercadores (antes Rua Nova dos Ferros). Nessa época, foi determinado que o material a utilizar deveria ser o granito da região do Porto, que, pelo transporte implicado, tornou a obra muito dispendiosa [1]. O terramoto de 1755, a consequente destruição e reconstrução da cidade lisboeta, em moldes racionais mas de custos contidos, tornou a calçada algo improvável à época. Contudo, já no século seguinte, foi feita em Lisboa no ano de 1842, uma calçada calcária, muito mais próxima da que hoje mais conhecemos e continua a ser utilizada. O trabalho foi realizado por presidiários (chamados "grilhetas" na época), a mando do Governador de armas do Castelo de São Jorge, o tenente-general Eusébio Pinheiro Furtado. O desenho utilizado nesse pavimento foi de um traçado simples (tipo zig-zag) mas, para a época, a obra foi de certa forma insólita, tendo motivado cronistas portugueses a escrever sobre o assunto. Em O Arco de Sant'Ana, romance de Almeida Garrett, também a calçada seria referida, tal como em Cristalizações, poema de Cesário Verde.
Após este primeiro acontecimento, foram concedidas verbas a Eusébio Furtado para que os seus homens pavimentassem toda a área da Praça do Rossio, uma das zonas mais conhecidas e mais centrais de Lisboa, numa extensão de 8 712 m².
A calçada portuguesa rapidamente se espalhou por todo o país e colónias, subjacente a um ideal de moda e de bom gosto, tendo-se apurado o sentido artístico, que foi aliado a um conceito de funcionalidade, originando autênticas obras-primas nas zonas pedonais. Daqui, bastou somente mais um passo, para que esta arte ultrapassasse fronteiras, sendo solicitados mestres calceteiros portugueses para executar e ensinar estes trabalhos no estrangeiro.
Em 1986, foi criada uma escola para calceteiros (a Escola de Calceteiros da Câmara Municipal de Lisboa), situada na Quinta Conde dos Arcos. Da autoria de Sérgio Stichini, em Dezembro de 2006, foi inaugurado também um monumento ao calceteiro, sito na Rua da Vitória (baixa Pombalina), entre as Rua da Prata e Rua dos Douradores.