sábado, 19 de janeiro de 2013



O  Vazio



Bem procuramos “conversar” com São Pedro, ou com o Pedro, e tentar compreender algo do que se passa no “além”. Mas sempre saímos com a mesma sensação de ignorância. Sem dúvida que o futuro não nos pertence.
Podemos prever, ou melhor, calcular sobre algumas situações que se vão passar aqui nesta mal tratada Terra, com suas intermináveis e cada vez mais brutas guerras, como este descalabro avanço dos jihaistas sobre África, podemos ficar com isso preocupados, mas só sabemos que do “tal após” nada sabemos.
Escrevi um dia um texto, plagiando um pouco Agostinho Neto, que terminava com um lamento, dizendo “O oceano separou-me de mim”, em que eu disse “O oceano separou-me duas vezes”!
Primeiro, ao ir para Angola, separou-me da família, dos amigos de infância e estudos e mais tarde separou-me dessa nova terra e dos amigos onde tão intensamente vivi.
Por fim nova terra, novas gentes e com idade em que são já fracas e raras as oportunidades de fazer amigos. Amigos, com A maiúsculo, aqueles com quem sabe bem conversar, diversificar assuntos, enfim passar “horas mortas” em agradável companhia e papo, um copo de vinho, sabendo que ninguém tem a pretensão de impor idéias aos outros, mas sim curtir a empatia que corre com tanta naturalidade.
Os anos foram-me subtraindo muitos desses amigos. A maioria, que o oceano separou, vão indo embora lá longe, e fica a tristeza de saber que não os voltamos a encontrar se por acaso pudermos visitar mais uma vez essas terras da outra margem. E é uma tristeza fria, distante, mas que magoa muito, e nos faz lamentar quanto tempo perdemos sem o gozo da sua companhia.
Na nova terra, onde fazer novos amigos é um quase milagre, quando se definem uns poucos, pouquissimos, agarramo-nos a eles como a mais gratificante sensação, e não os queremos ver longe, afastados, e sobretudo que não nos deixem.
Além da família - filhos e netos – todos com suas vidas definidas e seus ambientes de amizades, crescidos que foram em nova terra, esses poucos que aqui viemos encontrar são um enorme estímulo e uma forte raiz que nos interliga.
Os anos correm, com uma velocidade que parece acelerar cada vez mais, e somos obrigados a assistir à degradação física de alguns que, após mais ou menos prolongado sofrimento, encontram por fim o último descanso.
Mas, quando na cidade onde se vive só se tem um amigo, cuja amizade começara nos tempos de rapazes, há bem mais de sessenta anos, com quem se mantém um como que ritual de encontro mais ou menos semanal, onde se passam cinco, seis horas em muito amena conversa, e de repente se vê esse amigo a enfraquecer, a não conseguir reagir a uma qualquer doença estranha que por fim acaba de o levar, a dor é muito grande.
Empobrecemos de repente, mesmo sabendo com antecipação que isso vai acontecer. E, no meio da solidão que fica, voltamos a perguntar ao Pedro, porque a aproximação da morte, que é o mais natural processo da vida, há-de ser sempre sofrida? Ou por inesperado desastre, ou doença mais ou menos prolongada.
Quando chegar a minha vez vou falar com o Criador. Sugerir-lhe que à nascença todos tragam uma espécie de guia de validade, indicando o dia em que deve regressar ao Além, mas sem ter que sofrer! Parece loucura, mas seria a única maneira de enfrentar o fim da vida sem sofrer e fazer sofrer, e dos amigos se despedirem dele com um simples “Até já” sem se chocarem, ou chorarem a sua ausência.
Para sofrer bastará ter vivido e olhar o que se passa à sua volta.
Quando se perde um ente querido fica sempre um enorme vazio. Mas quando esse ente era o único com quem, por proximidade geográfica, podíamos ainda gozar a sua companhia, o vazio é muito maior.
E nós, em vez de nos alegrarmos por saber que ele deixou de sofrer e goza agora do descanso total, sentimo-nos frustrados e mais pobres.
Sempre que a morte nos rouba um amigo a solidão aumenta.

18 jan. 13

Um comentário:

  1. Um enorme abraço , Tio! Mesmo quando os Amigos partem, o que deles existe, em nós, mantém-se sempre. Beijinhos para si e tia Bela.
    Guida Castro Ferreira

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