O Vazio
Bem
procuramos “conversar” com São Pedro, ou com o Pedro, e tentar compreender algo
do que se passa no “além”. Mas sempre saímos com a mesma sensação de
ignorância. Sem dúvida que o futuro não nos pertence.
Podemos
prever, ou melhor, calcular sobre algumas situações que se vão passar aqui
nesta mal tratada Terra, com suas intermináveis e cada vez mais brutas guerras,
como este descalabro avanço dos jihaistas sobre África, podemos ficar com isso
preocupados, mas só sabemos que do “tal após” nada sabemos.
Escrevi
um dia um texto, plagiando um pouco Agostinho Neto, que terminava com um
lamento, dizendo “O oceano separou-me de
mim”, em que eu disse “O oceano
separou-me duas vezes”!
Primeiro,
ao ir para Angola, separou-me da família, dos amigos de infância e estudos e
mais tarde separou-me dessa nova terra e dos amigos onde tão intensamente vivi.
Por
fim nova terra, novas gentes e com idade em que são já fracas e raras as
oportunidades de fazer amigos. Amigos, com A maiúsculo, aqueles com quem sabe
bem conversar, diversificar assuntos, enfim passar “horas mortas” em agradável
companhia e papo, um copo de vinho, sabendo que ninguém tem a pretensão de
impor idéias aos outros, mas sim curtir a empatia que corre com tanta
naturalidade.
Os
anos foram-me subtraindo muitos desses amigos. A maioria, que o oceano separou,
vão indo embora lá longe, e fica a tristeza de saber
que não os voltamos a encontrar se por acaso pudermos visitar mais uma vez
essas terras da outra margem. E é uma tristeza fria, distante, mas que magoa
muito, e nos faz lamentar quanto tempo perdemos sem o gozo da sua companhia.
Na nova terra, onde fazer novos amigos é um quase milagre, quando
se definem uns poucos, pouquissimos, agarramo-nos a eles como a mais gratificante
sensação, e não os queremos ver longe, afastados, e sobretudo que não nos
deixem.
Além da família - filhos e netos – todos com suas vidas definidas
e seus ambientes de amizades, crescidos que foram em nova terra, esses poucos que
aqui viemos encontrar são um enorme estímulo e uma forte raiz que nos interliga.
Os anos correm, com uma velocidade que parece acelerar cada vez
mais, e somos obrigados a assistir à degradação física de alguns que, após mais
ou menos prolongado sofrimento, encontram por fim o último descanso.
Mas, quando na cidade onde se vive só se tem um amigo, cuja
amizade começara nos tempos de rapazes, há bem mais de sessenta anos, com quem
se mantém um como que ritual de encontro mais ou menos semanal, onde se passam cinco,
seis horas em muito amena conversa, e de repente se vê esse amigo a
enfraquecer, a não conseguir reagir a uma qualquer doença estranha que por fim acaba
de o levar, a dor é muito grande.
Empobrecemos de repente, mesmo sabendo com antecipação que isso
vai acontecer. E, no meio da solidão que fica, voltamos a perguntar ao Pedro,
porque a aproximação da morte, que é o mais natural processo da vida, há-de ser
sempre sofrida? Ou por inesperado desastre, ou doença mais ou menos prolongada.
Quando chegar a minha vez vou falar com o Criador. Sugerir-lhe que
à nascença todos tragam uma espécie de guia de validade, indicando o dia em que
deve regressar ao Além, mas sem ter que sofrer! Parece loucura, mas seria a
única maneira de enfrentar o fim da vida sem sofrer e fazer sofrer, e dos
amigos se despedirem dele com um simples “Até já” sem se chocarem, ou chorarem
a sua ausência.
Para sofrer bastará ter vivido e olhar o que se passa à sua volta.
Quando se perde um ente querido fica sempre um enorme vazio. Mas
quando esse ente era o único com quem, por proximidade geográfica, podíamos
ainda gozar a sua companhia, o vazio é muito maior.
E nós, em vez de nos alegrarmos por saber que ele deixou de sofrer
e goza agora do descanso total, sentimo-nos frustrados e mais pobres.
Sempre que a morte nos rouba um amigo a solidão aumenta.
18 jan. 13
Um enorme abraço , Tio! Mesmo quando os Amigos partem, o que deles existe, em nós, mantém-se sempre. Beijinhos para si e tia Bela.
ResponderExcluirGuida Castro Ferreira