terça-feira, 25 de janeiro de 2011

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O jesuíta Tomás Pereira,

o Imperador Kangxi

e Pedro o Grande da Rússia



O jesuíta Tomás Pereira, nascido perto de Famalicão, São Martinho do Vale, em 1645 e falecido em 1708, foi uma das mais importantes figuras da História da China do século XVII, da história em geral, e um orgulho para os portugueses... que sabem da sua existência!
Professor pessoal, intérprete e conselheiro do imperador chinês Kangxi, com quem privou 35 anos, Tomás Pereira, pelas posições que ocupava, acompanhou importantes acontecimentos políticos da China.
Desde há séculos a China só fazia guerra aos Tártaros e, para evitar e expansão territorial dos russos, nos confins da Sibéria, o imperador decidiu mandar uma embaixada à Rússia para estabelecer, definitivamente, os limites territoriais de cada império, numa área de seculares desentendimentos entre as duas nações, o que veio a resolver-se com o Tratado de Nerchinsk, cujas negociações demoraram dois anos, e se concluiu em 1689.
Por ser considerado um elemento de toda a confiança, o padre Tomás Pereira, e seu colega, também jesuíta, francês, Jean-François Gerbillon, foram encarregados de acompanhar essa embaixada, uma vez que a China não sabia nada de tratados e direto internacional, falava-se unicamente chinês, e ninguém sabia qualquer outra língua “ocidental”.


Busto do Padre Tomás Pereira na sua terra natal

O padre Pereira concluiu ainda um tratado sobre budismo chinês e o primeiro tratado de musica ocidental (também convertido para chinês), e foi o responsável pelo Calendário Astronômico, instrumento indispensável na vida política chinesa daquele tempo – nele eram determinadas as datas das cerimônias religiosas que o imperador, como representante do reino do Céu, tinha que presidir.
Essa confiança do soberano chinês culminou com a publicação do Édito de Tolerância de 22 de Março de 1692 permitindo a difusão e prática do Cristianismo na China.
Demonstrou, com este gesto, o Imperador Kangxi, uma invulgar abertura ao Ocidente da qual resultou, não apenas o florescimento da Missão Católica e a confirmação da respeitabilidade do saber ocidental na China, como assegurou a frágil situação de Macau, o único entreposto europeu no Império.

Kangxi


Deixemos a China em paz e vejamos agora um pouco sobre o czar Pedro, o Grande, como ficou na história, não por ter cerca de dois metros de altura, mas pela sua imensa obra, considerado desde os dez anos de idade o czar, um jovem de extrema capacidade e inteligência, que decidiu transformar a Rússia, de um país ainda na idade média, para a moderna época que dominava a Europa.
O seu pai, czar Alexis, foi o primeiro a mandar construir casas de pedra em Moscovo! Até ali eram todas de madeira!
Pedro, aos dezessete anos, dominava toda a política, e iniciava a grande “revolução” cultural, social e militar na Rússia, com uma capacidade jamais igualada por qualquer outro monarca do mundo. Estudou todas as artes e ciências, astrologia, matemática, mais tarde em viagem pela Europa, na Holanda, quis aprender como se construíam navios e, saindo do palácio onde estava hospedado em Amsterdam, instalou-se num pequeno apartamento junto do cais e foi trabalhar junto aos operários na construção de uma nave, começando pelo mais humilde serviço, varrer o canteiro naval, até chegar a mestre. Logo os operários começaram a chamá-lo de Piterboss, o chefe! Foi isto rápido porque Pedro era assaz inteligente e trabalhador. No intervalo do almoço comia até junto com os operários.


Quando soube da embaixada que a China enviava, encarregou o Governador da Sibéria, um boiardo de nome Gollovin, para receber os chineses com a mesma pompa.
A embaixada da China era composta de sete embaixadores, os dois jesuítas e mais dez mil homens de guarda e para a carga de mantimentos e presentes!
Diz a história que a comitiva do Governador Gollovin superou a chinesa! A Rússia não se podia mostrar inferior à China!
O padre Tomás Pereira e seu colegas, foram homens chave nestas negociações! Além do mandarim, falavam latim. Do lado russo havia um único homem, alemão, da embaixada alemã em Moscovo, que falava também latim. E foi com estes interpretes que as duas grandes nações se entenderam! Demorou quase dois anos a conversação, o que não é para admirar. Detalhes a considerar, algumas exigências de parte a parte, e as múltiplas traduções que andavam de um lado para o outro!
Por fim, entendidos, assinaram um documento, feito em duas vias, em latim, com a indicação precisa dos limites territoriais, que todos os negociadores assinaram e juraram, em nome de Deus, e em duas “grandes e grossas” pedras de mármore, que ficaram a assinalar essa divisa, mandaram gravar o seguinte:

“Se alguém jamais tiver o pensamento secreto
de reacender a guerra,
Nós pedimos ao Senhor soberano de todas as coisas,
Que conhece os corações,
De punir os traidores com uma morte precipitada.”

Bonito!

A Rússia, estava em boa parte já cristianizada, mas os chineses só conheciam os acontecimentos naturais, mas nem por isso deixavam de reconhecer a existência dum Ser superior “que conhece os corações”!

Acabaram as escaramuças entre tropas chinesas estacionadas na Manchúria, e os cossacos da região de Nerchinsk.
Este tratado durou duzentos anos, e o comércio fluiu entre ambas as partes.
N.- Este texto foi compilado de vários sites da Internet, mas sobretudo da “Histoire de l’Empire de Russie” de Voltaire.

25-01-2011





O Grande Pedro I



Um comentário:

  1. Este Imperador Kuang Xi (manchú) e o nosso Jesuíta estão ligados a um dos episódios mais importantes, quer para as relações entre a Europa e a China, quer para a história política do Império do Meio.
    Trata-se da chamada "Questão dos Ritos". Que tal avançar por aqui?
    Abraço
    Tó PM

    No respeita ao Pe. Pereira e Kangxi... já me chegou o que encontrei! Mas essa questão dos Ritos deve estar na base do Tratado de Benevolência, ou... não?
    Francisco

    Mais ou menos.
    Desde os finais do séc. XVI que os padres jesuítas, pelos seus conhecimentos de astronomia e matemática, exerciam grande fascínio sobre a corte imperial e o próprio imperador. E aproveitavam bem esse fascínio para propagar a fé cristã. O próprio imperador Kuang Xi, por influência do Pe Tomás Pereira pensou em converter-se ao cristianismo, e com ele todas as nações do seu império.
    Queria o destino que os jesuítas na China não fossem imunes as guerras religiosas e políticas que dilaceravam a Europa do séc. XVII. Acontecia que a presença assídua do Pe Pereira junto do imperador que o havia nomeado mandarim (uma palavra portuguesa que identificava os mais altos funcionários da corte imperial) não fazia dele o Geral da Companhia de Jesus na China. Esse cargo era desempenhado por um jesuíta italiano (a Companhia era, e ainda é, uma Prelatura Papal) apoiado pelo jesuíta francês que referiu. E ambos, cada um por suas razões, intrigavam, tentando destruir a imagem do Padre português e, por aí, a influência ibérica, via Goa e Macau.
    A Questão dos Ritos girava em torno da reverência que o Confucionismo prestava ao culto dos antepassados mortos ("os Ritos"). Ora, se o Império do Meio se convertesse ao Cristianismo (sem abandonar a filosofia de Confúcio) como qualificar esse culto prestado a alguém que nunca tinha sido baptizado e que, por isso, só poderia estar nas profunduras do inferno?
    Para o Pe Pereira, esta era uma questão menor, e nenhum dogma cristão cairia do altar se "os Ritos" prosseguissem como sempre.
    Para os outros dois jesuítas, essa era uma questão fundamental, pelo que o Pe Pereira, ou se retratava, ou era excomungado.
    Escusado será dizer que a querela rapidamente se espalhou, dividindo a crescente comunidade de chineses cristãos. Daí às vias de facto e ao fanatismo religioso foi um pequeno passo que muitos não hesitaram em dar.
    Kuang Xi, vendo que a coesão do império estava assim seriamente ameaçada, revogou o Édito (ou Tratado) das Benevolências, proibiu o cristianismo e expulsou os jesuítas. Todos?
    Não. O Pe Pereira lá ficou com o seu cargo cortesão de mandarim e lá morreu sem nunca mais ter saído da Cidade Proibida. Infelizmente, ainda não se sabe onde se encontra o seu túmulo, para sobre ele assentar mais um pilar da ligação Portugal-China (só para não ficar reduzida à mixuruca relação de credor-devedor).
    Abraço
    Tó PM

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