Um dia
especial
Há já muitos
anos que este tem sido um dia especial. Começou por uma razão, passou a duas, a
três e voltou a duas.
Mas como há
quem se esqueça desta importante data, e querendo eu manifestar-me, o mais
antigo, que deu origem a esta comemoração, tripeiro arretado (como eu)
não me atendia, há já MUITO tempo, com grande pena, e isolamento, meu.
Recorri à
minha irmã, enviando-lhe a seguinte mensagem:
-“Por
favor veja se localiza o ‘minino’ dos anos e diga-lhe só assim: há um velhinho
no Brasil que tem uma ideia, já vaga, que tinha um irmão, mais novo (mais
velho do que eu agora já não há mais!) de quem perdeu o contato e que tem
tentado falar-lhe, mas ele não lê e-mails, não atende o telefone nem o whatzapp,
e que gostaria de saber se está bem, se mudou de computador ou telefone, porque
pior do que isso lhe teria entretanto chegado a horrorosa notícia.”
Irmã,
rápida, desembaraçada e brava, deve ter ameaçado o parabenizando, e não demorou
que o tal minino, que faz 86, aparecesse, ar radioso e sorridente, como se nos tivéssemos
visto ontem... à tarde!
Tentou
queixar-se que tem menos força, falta-lhe fôlego, etc., situações que eu
conheço há bem mais tempo do que ele, e que tinha um câncer de sangue, coisa de
que todos tomámos conhecimento há uns vinte anos, e que, de acordo com os
prognósticos médicos e internéticos, a quando da declaração da terrível doença,
teria só mais uns sete anos de vida.
Já lá vai
mais de uma dúzia de anos, talvez quinze a vinte, e o minino, está gordo, mas
uma beleza! Precisava de emagrecer uns dez quilitos, mas a dieta... ah! A dieta...
Tem feito
quimioterapia, o que o deita abaixo só no primeiro dia, e logo recupera.
Vive só,
perto de uma filha solteira, baba-se com uns netos postiços, que ele adora, e
tem sobrevivido com uma cuidadosa dieta, por ele mesmo programada, desconhecida
de todas e todos os nutricionistas famosos, que tem dado excelente resultado.
A médica que
o tem assistido, agora disse-lhe que acabou a químio – haja Deus, deve passar a
viver melhor – e perguntou-lhe o que ele comia: “Dra. peixe, não, e do mar
só lagosta, ostras, ameijoas, camarão de Moçambique e mexilhão. Coisa fina. De
resto alimento-me sobretudo de feijoada, com aqueles belos chouriços do Alentejo,
das Beiras, ou de Trás-Os-Montes, alternando para não enjoar, chispe de porco
com grão, tripas à moda do Porto, alheiras e coisas assim leves. De vez em
quando um coelho à caçadora, um leitão asado e mais raro um borreguinho com
água pé. Como vê uma dieta saudável. Ah! Quase esquecia: com razoável
frequência carne de porco à alentejana. Uma delícia.”
Diz-lhe a doutora:
“Pelos visto está a dar-se muito bem. Continue assim!”
Continuou, e
como é evidente fazer desaparecer os dez quilos extra... fica difícil.
Como no
tempo em que nos falávamos com frequência, dissemos disparates, rimo-nos, a
lagrimita de saudades era dissipada quando mostrámos no vatis-up a garrafinha
de tinto que ambos temos sempre à ilharga, ele para acompanhar a dieta e eu
para o que vier para a mesa.
Revarestrol
é fundamental para nós, sempre à mão, de sentinela e de serviço. Certamente um
problema de genética. Já o nosso avô paterno comprava todos os anos o melhor vinho
do mundo, o tinto Ramisco, de Colares, que guardava na sempre fresca adega da
sua Quinta em Sintra e só começava a beber passados uns dez anos. Uma “pomada”
dos deuses.
Também me
contou que tem o sangue muito liquido (doença é fogo, arranja sempre maneira de
desarranjar) e recomendei-lhe então que passasse a beber o vinho com um pouco
de farinha de trigo ou mandioca para engrossar.
Com esta
troca de graças e outras brincadeiras, que durou uma hora (bem aventurada),
acabei por comer o meu almoço gelado, mas com o coração quente.
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A segunda
razão, que entretanto deixou de ter comemoração, foi o casamento de uma das
filhas... que acabou. Ambos sobreviveram.
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E a terceira
é que também faz anos uma das novas esperanças do cinema mundial, o realizador
britânico William, xará do Schakspeare, que encontrei passando uns dias de
férias no calcanhar da Itália, banhando-se nas águas invejáveis do Mare
Terrarum... enfim descansado de exaustivas sessões de “Camera Action”, “Lights
On”, cuidar dos “guarda roupas” etc. e de aturar as exigências dos
conceituados protagonistas das suas películas.
Mas como faz
só 30 anos... tem ainda muito que apanhar na cabeça.
Como veem
foi um dia ESPECIAL.
27 do Nono
Mês deste maldito covidi-ano.
Adorei o relato. Beijinhos e muitas saudades. parabéms aos 30 anos do neto
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