sábado, 5 de setembro de 2020

 

Um pequeno conto escrito em 2013 – vai ser postado em 4 fases por ser um pouco grande

 

História Luso-Angolana

De Volta aos Primeiros Passos – 1 –

 

Lá! Nas serranias, no alto da Serra do Leomil, onde só na primavera e princípio do verão o mato cresce verdejante, no restante do ano alguns paus secos emergem em fragas onde se escondem coelhos, alguns caminhos onde mal passa uma carroça, uniam, quando a neve não escondia tudo, umas poucas casas de pastores à povoação na base da serra.

Povoado com igreja, igreja pequena, uma capela, onde o padre só aprecia a cada duas semanas, escola primária, mais uma ou duas dúzias de casas, um café com comércio, tudo modesto.

Era na escola que se juntava o povo da aldeia para as festas, que sempre se faziam sobretudo nos Santos populares, mais os alunos que quase todos os dias desciam e subiam a serra, para crescerem em conhecimento.

Gabriel, filho único, temporão, de um casal de idade avançada, era o sempre o primeiro a sair e o último a chegar a casa, o que mais andava porque morava mais longe. À saída da escola eram uns oito que empreendiam essa jornada serra acima, iam uns ficando pelo caminho às portas das suas casas, sendo os últimos Gabriel e Maria Rita, que o tempo os foi fazendo cada vez mais amigos.

No tempo frio subiam agarrados um ao outro para se defenderem do vento gelado, e quanto o tempo estava ameno brincavam pelo caminho, apanhando bichinhos, uma ou outra flor, coisas de criança que à medida que crescem vão mudando de gosto nas brincadeiras. 

Acabado o ciclo primário foram para mais longe começar o segundo ciclo. Um carro do município recolhia as crianças das aldeias dos arredores e à tarde, sempre cedo, porque alguns demoravam a chegar a casa, levava-os de volta às aldeias.

Ele fizera-se um rapagão, forte, estava com quatorze anos, vencia quase todos os colegas mais velhos em lutas ao desafio, ao mesmo tempo mantinha um bom ritmo escolar, era apreciado pelos professores e muito disputado por algumas colegas mais “assanhadas”!

Mas desde criança os olhos dele eram todos para Maria Rita, já uma garota bonita, a fazer-se mulher que não tinha problema nenhum em mostrar má cara quando outra se animava com ele. Também desde cedo ela o considerava seu, e o ciúme começava a roer-lhe o pensamento.

Todos os dias lá desciam e subiam a serra, como o faziam há bem mais de meia dúzia de anos!

O tempo agora era bom, primavera, sol agradável, quando o amor começa a despontar!

Um dia na escola, Maria Rita fez má cara e virou as costas quando uma colega, também atraente, espevitada, toda se fazia graciosa aos olhos do galã!

À tarde, a caminho de casa procurava afastar-se do companheiro e amigo. Já não eram oito os que subiam a serra. Agora eram só quatro, alguns tinham ficado só com a instrução primária e dois deles pouco andavam porque a sua casa era logo na base da subida.

Lá seguiam Maria Rita e Gabriel sozinhos encosta acima.

Gabriel acelerou o passo, pára na frente de Maria Rita que não o queria encarar e:

- Rita! O que é isso? Tás chateada por que a Encarnação se meteu comigo?

- Não. Deixa-me.

- Para que essa fita toda? Tu sabes que fomos feitos um para o outro. Eu não tenho é como impedir que elas se queiram mostrar.  Mas não lhes ligo nenhuma!

- Deixa-me.

- Não vou deixar-te nunca!

Aproximou-se para a abraçar. Maria Rita ainda tentou reagir, mas logo estavam os dois num longo e apertado abraço.

Era a primeira vez que se encontravam nessa situação e Gabriel experimentou uma sensação quase nova, estranha, muito forte, que o despertou e excitou. Não segurou a tentação e deu um longo beijo na Rita, que rápida se afastou, corada.

Gabriel ficou a segurar-lhe as mãos que ela não soltou. Devagar foi-a puxando novamente para si e voltaram a agarrar-se. Deram beijos um no outro e pela primeira vez também saíram as palavras mágicas que cada um tinha caladas dentro de si: “eu te amo muito”.

O tempo estava bom. Ali perto, fora do caminho, umas rochas no meio do verde que crescia e estava alto, parecia o lugar ideal para se sentarem um pouco e, se conseguissem, conversar sobre... sobre o que?

Sentados, não disseram uma palavra. Os beijos tinham despertado nos dois todo um frenesi que não queriam que acabasse. Mas os beijos só não os satisfazia, nem o abraço podia ser estático. Logo as mãos afagavam as costas, a cara, a cabeça, seguravam-se com força até descobrirem que o melhor beijo eram quando as bocas se encontravam.

Sentados naquelas pedras não aproveitavam tudo quanto desejavam, deixaram-se cair para se deitarem naquele manto verde que tinha ainda a vantagem de os esconder de qualquer olhar de quem passasse no caminho.

Estavam a descobrir os primeiros passos do amor.

Deitados, as saias da Rita subiram deixando as belas pernas destapadas e Gabriel não tardou a afagá-las. Foi subindo a mão, sem encontrar resistência. Estava louco. A Rita já sentia que alguma coisa estava a acontecer porque, deitada por baixo, no encosto, apertado, entre as suas pernas sentia um volume que lhe era desconhecido.

- Gabriel, isto é um disparate. Ainda acaba mal. Eu sei como se faz porque a minha casa é pequena e eu vejo quando os meus pais se animam na cama!

- Rita, eu não sei como parar, estou a ficar louco. Vamos experimentar só um pouco.

Num instante tira as calças, sobe mais as saias da Rita, que tira a calcinha e com pouco tempo leva a encontrar o caminho! Quando por fim o encontra e segue em frente, Rita dá um pequeno grito, mas não larga o abraço apertado em que estavam.

Gabriel voou pelos céus e todas as serras do mundo e Maria Rita, com lágrimas nos olhos, beijava-o muito. Um pequeno fio de sangue corria nas suas pernas.

Deixaram-se ficar um pouco mais naquela situação e quando se puderam levantar:

- Gabriel! Olha isto. E se eu engravidar?

- Que horror. Nem pensa nisso. Fala com a tua mãe para saber como ela faz. Agora temos que ir embora para que não desconfiem.

Mais um longo beijo e o resto do caminho a percorrer.

Em casa Rita mostrava-se confusa e a mãe percebeu que algo se passava. Rita só respondia, que “nada”, “coisas lá da escola”, “as outras meninas a meterem-se com o Gabriel”, mas tudo sem convicção suficiente.

A mãe, mãe de mais cinco filhos, achou que era hora de falar com a filha sobre namoros, homens, etc. Sentaram-se fora de casa e tiveram uma longa conversa, de mulheres.

- Toma cuidado, minha filha. Os homens são todos uns ingratos. Não confies em ninguém e guarda-te para o dia em que fores, mesmo, casar. E só casa com o homem que te pareça que te merece confiança.

Maria Rita a tudo assentia com a cabeça, sem se atrever a contar à mãe o que se passara, apavorada, sobretudo, com a possibilidade de ter engravidado.

No dia seguinte, de manhã, ao descer a serra, Gabriel não a largava, querendo ir sempre abraçado, o que ela rejeitou.

- Gabriel. Estou com muito medo de ter engravidado. Não sei como isso acontece, mas o que fizemos ontem é o que os meus pais fazem e já somos seis irmãos. Se eu aparecer grávida os meus pais nem sei o que farão comigo, além de ficar marcada perante toda a gente. Vê, estuda o que pode ser feito. Por favor.

Gabriel também se assustou. Inexperiente e muito jovem não sabia o que fazer, nem a quem se dirigir para se aconselhar.

Na escola disse ao professor que não estava a sentir-se bem, com tonturas, etc., foi encaminhado ao posto de saúde. Insistiu que queria ser atendido por um médico porque era coisa de “homem”.

O médico, experiente, cabelo encanecido:

- Então, meu rapaz, qual é o problema de “homem”?

- Senhor doutor, o senhor jura que não conta nada do que eu aqui disser?

- Claro. Nós também temos segredo de profissão. Conta lá. O que posso fazer por ti?

A medo, gaguejando, contou toda a história, sem mencionar quem era a parceira.

- E agora, senhor doutor, o que devo fazer?

- Pouco ou nada. Mas vou dar-te uns comprimidos e dizes à tua amiguinha que tome um por dia durante sete dias. Talvez resolva o problema dela. Mas tu vais ter que esquecer essas brincadeiras, porque isso é muito sério. É claro que há métodos que evitam engravidar, mas nem sempre. É um problema que tem que ser explicado, por um médico, às mulheres, para elas controlarem o seu ciclo. Tu, a única coisa que podes fazer é... nada!

O médico deu-lhe, disfarçadamente, os comprimidos e mandou-o de volta, pedindo-lhe para lhe dar notícias daí a um ou dois meses!

De regresso a casa, explicou tudo a Maria Rita, pedindo-lhe que escondesse os medicamentos para que a mãe não os visse, e não deixasse de o avisar quando viesse a próxima menstruação.

Até lá, muitos abraços, muitos beijos, mas nada de se despirem e voltarem ao mesmo, o que deixava Gabriel enlouquecido.

Pouco tempo depois, António, o pai de Gabriel morre, a família fica sem quase nada e um tio, o mais novo irmão do pai, bem mais novo do que este, que há anos estava em África, chama para lá o sobrinho. Que embarcasse assim que terminasse o ano letivo. Já tinha na companhia de navegação ordem para lhe fornecerem a passagem para Angola.

Para ele e sua mãe, que ficaria só lá na casinha da serra com as poucas ovelhas, era a única forma de sobrevivência. Mas... e quanto a Maria Rita? Como deixá-la? E se estivesse grávida?

Não conseguia descansar a cabeça, nem sabia como dizer isto à “sua” Maria Rita. Na escola não conseguia mais concentrar-se, e nas longas caminhadas serra abaixo e acima, o nervoso era tanto que lhe custava falar. Mas teve que ser.

- Rita. Vou embora para África. Aqui não tenho mais como sobreviver depois que meu pai faleceu. O meu tio Manuel já me comprou a passagem e daqui a um mês embarco.

- Que horror. Como é que eu fico?

- Tens aqui este papel com a morada para onde eu vou. Toda a semana manda-me uma carta a dizeres como estás, e se surgir algum problema eu farei o impossível para que possas ir ter comigo. Se tudo correr bem, quer dizer, se não estiveres grávida, vamos esperar um pouco que logo casaremos, e logo vais correndo, para nos juntarmos.

- Quanto tempo, meu Deus?

- Penso que até fazeres dezenove anos. Antes disso ninguém nos vai dar autorização. Vamos fazer um sacrifício grande, mas o nosso amor tem muito mais anos do que isso, e basta nós queremos, muito, tudo há-de correr bem.

Maria Rita abraça-o e chora copiosamente. Ambos choram, e prometem-se “juras de amor eterno”.

A mãe, sem se refazer da morte do marido, chorava, certa de que não tornava a ver o filho.

Gabriel cruza mares, chega a Luanda onde o aguardava o tio, comerciante com vida financeira folgada, mas não rico, uma boa casa comercial em N’Dalatando a cerca de 250 kms da capital, com um clima que sempre refrescava durante as noites, por estar, não só rodeado de floresta, como se situar a 700 metros de altitude.

As saudades de Maria Rita faziam-no sofrer, mais ainda sabendo que era agora à volta dela que os colegas e outros urubus haviam de rondar para lha roubarem! Antes de seguirem para o interior pediu ao tio para mandar um telegrama a avisar a mãe e a Maria Rita que tinha chegado bem.

As tarefas que lhe foram entregues na casa comercial do tio não lhe deixavam muito tempo para lamúrias. Assim mesmo todos os dias escrevia um pouco e toda a semana ia ao correio ver se tinha correspondência dela e mandar a carta “lá p’rá serra”.

Finalmente chegou carta da Maria Rita. Um tanto lacônica. Chorava de saudades, custava-lhe muito a fazer aquela caminhada sozinha, tinha até medo que algo lhe acontecesse, e não via o tempo passar para ir ter com ele, como tanto pedia a Santo António. Na carta seguinte veio a melhor notícia: não engravidara!

Gabriel não deixava de lhe escrever toda a semana, mas já começava a demorar um pouco mais a entender algumas jovens angolanas que apareciam na loja, o que não passava desapercebido ao tio, muito menos a elas que se riam e comentavam entre elas, em quimbundo, o que o obrigou a ter que arranjar um mestre para lhe ensinar a língua da região.

O tempo passava, os dezessete anos apertavam com ele, as cartas entre Maria Rita e N’Dalatando seguiam em ritmo normal, sem nuca dar ideia de que estava a apreciar, e muito, as vistas de algumas garotas angolanas! Isso nunca iria dizer! Só disse que estava a aprender quimbundo, a língua local, porque muito nativos tinham dificuldade em falar português e, sobretudo ele, sem os compreender quando falavam entre si. Era uma língua curiosa e até divertida!

A casa do tio, numa das entradas da cidade, dividia-se em dois corpos distintos. Um, a residência, sobrado, onde viviam, ele, o tio e a mulher com dois filhos pequenos de seis e oito anos, com quem se dava muito bem. Outro, a loja, com o armazém e um pátio grande onde duas belas árvores seguravam um pouco o calor do dia, em geral forte.

Quase todas as noites, quando uma leve brisa de frescura, vinda das matas, aliviava o peso do dia e do trabalho, depois da loja fechada e o jantar comido com a família, Gabriel saía, dava uma volta pela terra, passeava, conhecia todos os cantos, cumprimentava um ou outro que estivesse fazendo o mesmo, incluindo alguns nativos, conquistando, devagar, mas com segurança a simpatia de todos. Gostava de sentir aquele fresco que vinha da mata, seus cheiros tropicais, e mais ainda quando tinha oportunidade de ir contemplar o pôr do sol. Tudo isso estava a fazê-lo criar profundas raízes com aquela África em que ele jamais sonhara.

Fotografava tudo que lhe parecia interessante e aos poucos mandava para Maria Rita, que só queria ver a cara dele, se estava bem. Conseguiu perceber que estava mais alto e forte. Um homem.

Esse homem já não desgrudava os olhos das clientes jovens que todos os dias entravam na loja. Sempre alegres, sorridentes, peles escuras que começavam a parecer cada dia mais atraentes. Ora compravam panos, farinha, óleo, petróleo, ou vinham vender uma parte das suas produções agrícolas.

Se de entrada os negócios se faziam em poucos minutos, agora ele demorava mais tempo a discutir com elas. Qualquer argumento lhe servia: valor, qualidade, quantidade; o que lhe interessava era ficar o mais próximo delas e sentir-lhes o cheiro de fêmeas, a fazer crescer a tentação. Os dias passavam, meses, dois anos, Gabriel já as achava todas, ou quase todas, bonitas, lindas, sobretudo apetecidas, mais ainda quando elas lhe abriam aquele sorriso simples, mas caloroso.

A correspondência com Maria Rita tinha abrandado. Ela mandara dizer-lhe que tinha acabado o curso do liceu com tão boa classificação que lhe deram uma bolsa de estudos, completa. Estava feliz, com muita saudade dele, mas não ia perder a oportunidade de ingressar na faculdade e ser uma doutora.  No próximo Outubro ia para o Porto, estudar letras. E assim que se formasse queria ser professora do liceu.

Eram pelo menos mais quatro ou cinco anos de espera, e Gabriel começou a desacreditar que Maria Rita, uma doutora, quisesse ir viver com ele naquelas terras de África onde o ensino estava muito rudimentar. Não era vida para ela.

Lembrou muito o tempo da juventude, como se amavam e amaram, mas alguma coisa lhe dizia que aquela notícia era o fim do sonho de ambos que tanto tempo durara.

Se ao menos pudesse ir passar um mês de férias lá no “puto”, podia ser que as coisas se arranjassem. Mas era despesa que não estava ao seu alcance.

Os olhos, quer ele quisesse ou não, abriram-se mais e mais para as garotas da terra. Ali, à mão, rindo para ele, ar feliz, sem doutoramentos a atrapalhar... Maria Rita era para ficar na memória dos bons tempos de criança e adolescente.

Na primeira oportunidade que teve de ficar sozinho na loja, além dos dois serventes empregados, o tio tinha ido a Luanda com a mulher e filhos, quase no fim do dia entrou uma dessas “irresistíveis”. Gabriel disse-lhe que a ia atender, mas como já passava da hora precisava fechar as portas, o que não a preocupou.

Dispensou os serventes. Uma vez sós, perguntou-lhe o que ela queria, ambos do mesmo lado do balcão. Chegou-se mais perto, atreveu-se a passar-lhe a mão no braço nu, sentiu aquela pele sedosa, a que a jovem simplesmente reagiu murmurando aquele: “Hãh! Hãh!” a sorrir para ele.

 

(continua)

 


2 comentários:

  1. Tio Chico! Ainda só li esta 1 parte e estou rendido!História simples, personagens normais,de amor e de grande erotismo. A mudança do rapaz para Angola e o ter-se progressivamente apaixonado pela terra ,pelos cheiros e pela boa gente da mesma...

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  2. Caro Amorim, parece coisa lá da fímbria do Pantanal, de onde venho. A curiosidade estimulada neutraliza a hesitação. Aguardo os capítulos subsequentes. Saudações cordiais, Aléssio.

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