O Galã
Neste afã
de dar um pouco de arrumação à minha papelada (cartas, jornais, faxes, revistas
dos anos 30, etc.) muita já meio apodrecida, tenho descoberto coisas
interessantes como um manuscrito com várias páginas muito amareladas e ruídas
das traças, letra confusa, dentro de um envelope sem nome nem endereço.
Após uns
dias de teimosa insistência vim a descobrir coisas que parecem ter saído dos contos
das Mil e Uma Noites, mas que afinal se passaram no século XX.
A
assinatura, muito sumida, parece indicar que o autor seria alguém da minha
família, ou do mesmo sobrenome, o que me deixa um tanto comprometido, porque
parece ter escrito que desejava que esta história fosse entregue um dia a
alguém Amorim, freguesia da Póvoa de Varzim, em que parece seu pai teria sido
batizado.
Começa por
contar que nasceu no Minho, em Portugal, e teria um ano quando os pais
decidiram ir para o Brasil. Isto talvez pelos anos 20 ou 30.
O pai e
um primo juntaram algum dinheiro e foram para o Rio de Janeiro. Montaram um
negócio que prosperou o que lhes permitia uma vida folgada.
Filho
único, desde muito novo sempre sentiu uma tremenda e irresistível atração por todos
os elementos femininos, colecionando recortes de fotos de atrizes e cantoras que
apareciam em revistas e jornais, ficava vidrado ao ver estátuas de mulheres
mais ou menos despidas, que sobre ele exerciam uma atração total e notava alguma
insistência no olhar daquelas que o rodeavam. Isto desde que a sua memória
lembrava.
Os pais
trabalhavam o dia todo, ele ficava entregue a duas empregadas, uma cozinheira
aí dos seus quarenta e uns quantos anos e uma sobrinha desta, jovem à volta dos
vinte, que o lavava, vestia e levava para a escolinha. Teria uns 10 anos e a
moleca começou a demorar um pouco mais de tempo a lavar-lhe carinhosamente as
partes que...bem, essas, que ele apreciava bastante, até que um dia, não tardou
muito, essas partes, que já iam sentido algo novo, se excitaram de tal modo que
a jovem empregada decidiu que estava na hora do primeiro experimento... direto.
O garoto,
achou aquilo um tanto estranho, que mexeu com todo o seu ser, foi para a escola
pensando no que se passara, e a observar demoradamente as colegas, que ele
achava, todas ou quase todas umas imberbes crianças. Mas ficou interessado
nessa “análise” que lhe permitia compará-las com a “carinhosa” Aurora que lhe
despertara algo novo que revolveu os seus pensamentos e desejos.
Mulheres
gostam de falar e Aurora decidiu contar à tia as aventuras que estava a ter com
o minino da casa! A tia abriu os olhos, recomendou cautela, era
perigoso, ainda não existia a palavra pedofilia, mas ficou com o bichinho a
roer-lhe a consciência, e mesmo casada, não queria perder uma aventura com um
jovem que já se mostrava tão metido e safado (!?) que ia crescendo.
Na
primeira oportunidade que se viu sozinha com ele em casa, avançou, experimentou
e gostou! Não estava submetida ao comando do marido e ali era ela que
comandava.
Fábio, o
garoto, não perdeu tempo. Nova experiência, considerada também interessante.
Os
estudos prosseguiam no secundário, analisava o crescimento das colegas que o
deixavam atento, enquanto umas tantas apreciavam o seu ar atrevido e procuravam
estar com ele, trocando, às escondidas, um carinho, uns beijos mais ou menos
decentes ou não, e novas sensações quando as mãos de ambos deslizavam por
lugares que estavam sujeitos a confessionário se não na igreja, na consciência.
Umas mais
crescidas, outras mais elegantes, algumas envergonhadas, já se iam preparando
em casa, com a máxima elegância possível, para serem cobiçadas.
A sua
fama foi crescendo, os estudos parece que seguiam normais, e eis o nosso galã adolescente
sabido, requestado, cobiçado, procurado, tanto por colegas, como por amigas e
até titias e mamães destas!!! Uma festa.
O Casanova
não tinha mãos, nem nada mais a medir. O que lhe aparecesse era filé e
se não lhe aparecesse, ele sabia onde encontrar.
Entretanto
morre o pai e a mãe decide casar com o primo ainda solteiro, e como isso não lhe
agradou, mandaram-no de volta a Portugal, parece que para Via... (papel
estragado!) ao cuidado de uma irmã do pai, médica, solteira, que ficou
encantada em o acolher; vivia sozinha e tinha uma casa boa, com vários quartos,
e dinheiro suficiente para acompanhar o sobrinho nos seus estudos. A Fábio,
sendo herdeiro de metade do empreendimento do pai, nunca faltou dinheiro
mandado do Brasil, que a tia ia sempre depositar num banco para ele usar quando
crescesse.
De
repente aparece-lhe o emigrante, sem ser esperado tão cedo, que recebido com
todo o calor humano. Olho clínico, a boa médica viu logo um rapagão são e
escorreito, que causou ótima impressão, mas não tinha ainda preparado um quarto
para ele ficar.
Amanhã
vamos comprar uma cama e mais alguma coisa para o teu quarto e esta noite podes
dormir no sofá que é grande e confortável. E também temos que comprar roupa quente.
Aqui está muito frio.
Pleno
inverno, um frio de tiritar dentes e mãos, sobretudo para quem chega do Rio de
janeiro, tão quentinho, a tia teve que providenciar no dia da chegada um
cobertor para lhe cobrir as costas. Depois de jantarem, a sala fria, o quarto
da tia aquecido, esta condoeu-se e disse ao sobrinho: Se não te importas
dormes hoje na minha cama que é bem larga, e não terás frio.
Quem
estiver a ler isso já imagina que a tia não deixou o sobrinho dormir. Sem querer,
quando viu o belo e jovem físico do garotão na larga cama, foi-se chegando até
se encostar. Fábio conhecia bem essas e outras manobras, e num instante o
encosto estava a dar resultado. A tia abraça-o com força, talvez para o
proteger de algum resfriado (“está-se bem a ver!”) e vai-se entusiasmando com a
técnica do sobrinho.
Tinha
razão: ali frio não passou, mostrou o quanto já sabia dessas andanças, mesmo com
tão pouca idade, aí pelos 15, logo estava a contar os nomes das garotas e
mulheres de quem mais se lembrava: Rosinha, uma simpática garotinha, Gleisi, Juliana,
Letícia, Benedita, Dilvanda e muitas outras de quem nem chegou a saber o nome sem
nunca esquecer a sua primeira mestra, Aurora, que lhe mostrou o caminho das
nuvens.
E essa
coisa de ir no dia seguinte comprar outra cama foi um pretexto. Só para ter em
casa e mostrar onde o sobrinho (não) dormia. Nunca mais o ia deixar dormir
noutro lugar. Roupa quente sim.
A tia doutora,
solteirona, que vivia sempre com ar aborrecido, mudou de cara. No hospital onde
trabalhava, colegas, enfermeiras, todos notaram que algo importante se passara
na vida da senhora que parecia outra pessoa. Sorria, vivia agora com alegria. À
sua maior amiga e colega, que lhe perguntou o que se passava, depois de exigir
juramento de bico calado, não segurou o segredo da sua nova felicidade! Esta
quis ver o espécime que de um dia para o outro transformara uma pessoa
macambuzia, numa mulher cheia de vida!
Foi lá a
casa visitá-los e sentiu que algo bateu também de forma diferente no seu
coração! O problema era tirar o rapaz da tia! Talvez pedi-lo emprestado num fim
de semana! A pensar.
Fábio
tinha um não sei o quê de atrativo que as mulheres se encantavam e o desejavam
logo ao primeiro contato! Um dom. E que dom..... Um magnetismo, que a tia,
doutora, tentava entender e até pesquisava nos livros técnicos, mas sobretudo
ao natural.
Continuou
os estudos na cidade, com os as colegas já na faixa dos 16 e mais anos, sempre
rodeado de um pequeno e feroz número delas, que queriam ouvir histórias do
Brasil, que nada lhes interessava, querendo mesmo era chegar ao âmago dos seus propósitos.
Não
tardou a ir estudar um dia em casa de uma, depois de outra, estudavam muita
anatomia ao natural, alargando a sua esfera de ação e conhecimentos, sem esquecer
de cuidar da simpática tia.
Os
colegas é que o olhavam com ares de lobos famintos, raivosos. Fábio tinha
sempre à sua volta o que de mais atrativo havia entre as colegas. Inveja ouvia-se
ranger até nos corredores do colégio!
Mulheres
de bico calado é coisa difícil.
Cruzou
fronteiras a sua fama a que se juntava o retrato dum belo rapagão, educado, insaciável,
carinhoso e de poucas falas. Chegou aos ouvidos da rede de tv da região e
quiseram ouvir esse fenómeno.
Aos
dezoito anos, convidaram-no para uma entrevista, com o rótulo de contar a sua
vida no Brasil, e a entrevista foi um tal sucesso como jamais outro programa
tinha tido. No fim, a entrevistadora, agradecida, fez questão de o levar a casa
no seu carro. Uma paradinha num pequeno hotel no meio do caminho foi o pretexto
para... para isso mesmo!
Todas
queriam guardar segredo, mas, quanto mais se guarda mais transborda, e como
quem conta um conto lhe junta um ponto, a fama do novo Casanova, estava
nas alturas, tão alto ao ponto de um dia, para seu grande espanto, receber uma
carta de Hollywood oferecendo-lhe um papel num filme romântico, assaz “quente”,
dizendo até que tinha já à sua disposição o bilhete de avião e tudo o mais
precisasse. Aí vai ele.
Fez logo
sucesso à chegada. Nem no avião as aeromoças o largaram durante o voo, e na
escala, em Nova York, fizeram questão que dormisse no mesmo hotel do que elas.
Fez o sacrifício de dormir com ambas.
Na
primeira noite em Los Angeles foi premiado com uma dançarina, lindona, segundo
ele deixou escrito, e no pouco tempo que por lá andou nas filmagens raramente
esteve só, nem repetiu muito as companhias. Tanta exibição acabou por lhe dar enjoo
aquela mentira americana.
Regressou
a Portugal, a tia sofrendo de saudades logo o arrebatou, achou as patrícias
muito mais apreciáveis, e encontrou à sua espera inúmeras cartas vindas de todo
o lado.
Uns dias
passados bateu-lhe à porta uma Sherazade, vestida de damasco e rendas, vinda
das quentes areias infindas dos desertos, que lhe deixavam o corpo fervendo, e
levando presentes valiosos. Instalou-se na suíte do melhor hotel e mandou um
pequeno bilhete ao “desejado”! Só ficou uma noite, mas foi daquelas das
Arábias.
Como
chegou, desapareceu. Só o tempo suficiente para deixar no seu curriculum ter
amado durante uma noite o rei de todos os homens.
Itália,
Mussolini estraçalhado há muito, era o país que mais o atraía, porque as mulheres
que via no cinema davam de dez a zero nas americanas. E aí vai ele correr os
Apeninos, Este e Oeste, Norte e Sul, sempre recebido por fãs entusiasmadas, e
todas lindas. O melhor que o país produzia. Queria experimentar tudo.
Até da
China chegavam belos bilhetes postais com uma escrita confusa 我真的很想和你在一起 que só
conseguiu decifrar com um chinês vendedor ambulante que levou tempo para
digerir o objetivo da mensagem (quero muito deitar-me contigo) e não
tardou que lhe aparecesse a linda Kumiko Wang, nas suas belas roupagens de sedas
bordadas de dragões e flores, que se aventurou a tão longa viagem e teimava em não
mais o largar.
Muito
assédio. Fugiu para África, um continente de colorido diferente, sensações
fortes, encontros com leões e elefantes, florestas, mas... mas, sobretudo com
aquelas esculturas de ébano que já tinha visto não sabia onde mas não havia
esquecido.
A sua
fama precedia-o sempre; na primeira cidade onde o avião parou, uma delegação de
lindas garotas o aguardava.
Elas
mesmas lhe entregaram a lista com a escala de serviço para que não
houvesse desentendimento entre elas.
Rolaram e resfolgaram.
Eram sem
fim os convites para passeios pelas praias, florestas e savanas, sempre
acompanhado de três ou mais “guias turísticas”. Algumas semanas que, deixou
escrito, foi quando mais perto esteve dos Elíseos terrestres.
Correu mais
de dez países e de todos, aliás de todas, guardou a mesma memória.
Trinta e
alguns anos já passados nesta vida. Regressou ao Brasil, terra de mulheres
lindas, carnaval e caipirinha, praias e... o que mais viesse.
Procurou
a sua querida mestra, Aurora mas não conseguiu encontrá-la.
Estava
com mais de quarenta anos. Sua mãe novamente viúva dirigia sozinha e com
segurança a empresa. Decidiu então assumir a sua parte no negócio que herdara e
entretanto se transformara numa empresa grande.
Não
conseguiu. O assédio era constante, não o deixavam trabalhar. Colegas, subordinadas,
clientes. Cansou.
Um dia
disse à mãe, em segredo, que ia passar uma semana fora, longe de tudo e de
todos. Descansar a cabeça e ver se conseguiria determinar o que fazer na vida.
Foi a
casa colocou meia dúzia de coisas dentro de uma mochila e saiu. Em cima da mesa
deixou um envelope com esta história dentro. Com data.
Ninguém
sabe para onde foi porque nunca mais alguém o viu ou ouviu falar dele.
Raramente
chegavam notícias de alguém que sabia onde ele estava, jamais confirmado.
No manuscrito,
tipo memórias, com dificuldade consegue adivinhar-se uma data: 1961.
Quando eu
cheguei ao Brasil, em 1975, tive que comprar algumas coisas que não trouxemos
de Angola, porque por lá não as havia.
Numa loja
grande fui comprar uma tv, ainda a preto e branco, em prestações e, aqui
chegado sem dinheiro, só aos poucos a podia pagar. Como não tinha ninguém que
me pudesse apresentar, nem servir de fiador, nem recibos de salários, nada, o
vendedor levou-me à presença da dona, uma senhora muito amável, cabelo muito
branco, que quando lhe disse o meu nome, fez um ar de espanto. Abriu uma gaveta,
tirou de lá um envelope que me entregou e disse que há anos aguardava que lhe
aparecesse alguém com o mesmo nome do que eu, a quem a devia entregar.
Via-se
que ficara emocionada. Bom dia, virou-se para o seu trabalho sem olhar
mais para mim E autorizou a venda. Coisa estranha.
Lembro-me
ainda de ao chegar a casa, mesmo antes de mostrar a bela compra, coisa nova
para quem vinha de África, ter lido tudo. Li e repeti à procura de alguma
indicação que ajudasse a deslindar o que parecia uma charada. Achei uma loucura,
não entendi se era uma piada, mas com a referência à Freguesia de Amorim, na
Póvoa de Varzim e Viana do Castelo, guardei a carta para um dia tentar
deslindar o caso... e assim ela ficou tão bem guardada, perdida, entre muita,
muita papelada, durante mais de 40 anos.
Agora que
a redescobri parece-me que terá sido uma espécie de conto maluco. Mas quem o
escreveu?
E porque
a senhora me entregou aquela carta?
Sei lá.
Nem sei mais em que loja comprei a primeira tv.
01/08/2020
FÁBIO, UM CASANOVA, OU A ARTE DE JUNTAR O ÚTERO AO AGRADÁVEL? ESTRANHO PERSONAGEM, MISTERIOSO ACHADO!
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