Franz Nikolayevich Turgénev, nasceu em Paris
em 1848 quando seu pai, Nicolay Andreyvich Turgénev, ainda solteiro, foi membro
da Legação russa naquela cidade. Sua mãe, Marie Thérèse Laurent, de família
educada, foi contratada por Nicolay, como governanta da sua casa, enquanto
permaneceu em França.
Na intimidade daquela casa, acabaram
por se aproximar e/ou apaixonar e Marie Thérèse engravidou. Poucos dias depois
de dar à luz, não resistiu a uma infecção generalizada, e deixou o bebé só com
o pai.
Nicolay abandona o posto e
regressa a Moscou, onde batiza o filho dando-lhe como primeiro nome uma
homenagem à mãe, que ficou entregue à família do pai que prosseguiu a sua vida
de diplomata por outros países.
Sobrinho de Ivan Turgenev, que
se notabilizou pelos seus escritos, livros e pensamentos, Franz, desde cedo
teve uma educação cuidada, centrada no estudo e na ética.
Após a graduação no Corpo Imperial de Pajens em São Petersburgo capital do Império, e na escola de
cavalaria de elite Nikolaev, condecorado por ter sido o melhor cadete aos 18
anos saiu oficial do
Exército Imperial e jurou defender a Sagrada Rússia e a Dinastia dos Romanov
até a última gota de seu sangue.
Em 1868 faz parte do exército Imperial, mas dois anos depois faz parte
de uma missão de estudos ao Brasil de onde não sai mais.
Acompanhava uma das primeiras
levas de camponeses que se vieram fixar neste país, mas também com a missão de
lhes servir de apoio junto ao governo de Dom Pedro II.
Quando chegou tinha finalmente,
terminado a Guerra do Paraguay, e havia necessidade de reorganizar algumas
regiões militares.
Convidado e contratado para
ajudar alguns regimentos espalhados pelo país, começou por ser designado para a
Bahia de Todos os Santos, que logo à chegada conquistou o seu coração. A velha
cidade, o mar, os pescadores e a música dos ainda escravos e dos alforriados.
E, boa pinta, conquistou
montes de corações, que suspiravam só de o ver passar.
Destacado para um dos
Batalhões de Engenharia não demorou muito a conseguir entender-se a falar um
pouco de português, e a sua bela farda, o cabelo muito louro, e uma postura de
muita elegância, “um quadro de nobreza”¸ começaram a atrair cada vez mais ávidos olhares das
baianas de todas as cores e posições sociais.
De princípio tinha o seu
alojamento no quartel, onde as “apaixonadas” tinham dificuldade em entrar!
Uma vez conseguido alojamento externo
apareceram várias jovens se oferecendo para cuidar da pequena casa. Aí
apareciam até mães, filho pequeno pela mão com a honesta proposta de terem um
professor de russo para a criança... o que era falso!
Para tomar conta da casa
escolheu a que pareceu de “melhor pinta”, sem se preocupar com as cores das
peles, e se elas, todas, estavam atraídas pelo porte, educação e beleza do
oficial russo, Franz, muito rapidamente sentiu que no seu coração já não batia
só a cadência dos tambores militares, mas percebia um ritmo diferente, dolente,
com aquele sopro carinhoso que veio das costas de África.
Ana Clara, a sua empregada, à
medida que os dias passavam ia-se deixando ficar mais tempo em casa, aguardando
a chegada do “patrão” para lhe mostrar o trabalho que tinha feito e poder
servir-lhe o jantar, com aquela comidinha a que russo nenhum que resistia.
Não tardou a dar-lhe a
experimentar a bela cachaça, que ultrapassou num instante a falta e saudades do
vodka da sua terra.
Franz, sentia-se feliz; pela
sua memória só de vez em quando passava a imagem da exuberância de Moscovo e
São Petersburgo, mas demorava mais tempo com os olhos postos na sua ajudante do
que nos livros que o estavam a ajudar a melhor conhecer a língua portuguesa, e
parecia quase um pesquisador à procura das diferenças entre as peles dos seus
compatriotas, mais do que brancas, com esta, atraente cor de chocolate, e
macia, porque “por acaso” já lhe tinha passado a mão num braço. Gostava de
passear pelo centro tradicional de Salvador assim como pelo cais, junto com os
pescadores que o rodeavam, admirando a farda e divertindo-se com a sua fala!
O tempo corria calmo, tanto
nas suas horas de mestre militar no quartel, como em casa.
Franz já conseguia sair mais
cedo para melhor apreciar a cidade e a companhia, humilde e alegre de Ana
Clara, até ao dia que uma febre palustre o atacou com força e o prostrou na
cama.
Ana foi incansável tratando do
seu senhor que chegava a bater os dentes com febre.
Correu médicos e curandeiros e
em poucos dias Franz começou a sentir-se melhor.
Alguma coisa no entanto lhe
dizia que Ana o tinha tratado, no dia em que a febre esteve mais alta, duma
forma que não conseguia definir, mas desejava muito repetir o tratamento.
Ana, vendo o seu belo patrão
tiritando de febre tinha-se deitado com ele e o abraçado! Despida.
Perguntou-lhe que remédio lhe
tinha dado porque de manhã se sentia bem melhor. Ela teve o cuidado de nada
revelar, mas a atração era comum aos dois, e crescia.
Um dia o coronel comandante do
batalhão, que já imaginava ter aquele distinto cavalheiro para genro, convida-o
para sua casa, nos festejos do 15° aniversário de sua filha, jovem bonita, por
quem, de certeza o convidado se apaixonaria.
Franz, vistosa farda do
exército imperial russo, ao entrar na festa foi alvo de inúmeros sussurros das
jovens e não jovens ali presentes.
Todas queriam conhecer “aquela
beleza”, de quem há tempos se falava na cidade, e logo choveram convites para
jantar ou para um café, onde o elemento feminino se engalanava mais do que a
tzarina em São Petersburg.
Convites, mais ou menos
discretos de mulheres casadas, para encontros fortuitos e complicados, diversos
de matronas e papás que almejavam aquela figura para enriqueceram a sua casa com
aparente nobreza e loura, enfim, a vida de Franz levou uma volta complicada,
ele que estava já com o coração entregue à sua, quase, Ana Clara.
Acabou por se convencer que
não estava ali para ser admirado, mas para ser amado, o que o levou a ser
disputado para passar alguns fins de semana no em fazendas fora cidade, onde,
nos grandes casarões, sempre com pés de lã, lhe aparecia alguma companhia para
adoçar a noite.
Franz, “económico”, não
desprezava nada, mas sentia que isso era uma vida falsa.
O tempo que haviam já passado
lhe garantia que Ana Clara era a pessoa que o atraía, e muito, e não demorou a
que uma só cama fosse usada naquela casa.
Gozaram, viveram e logo a
barriga da Ana dava mostras que o assunto estava resolvido, e o senhor oficial,
ia ser pai.
Escândalo na terra de São
Salvador da Bahia de Todos ou Santos! Um distinto e nobre (?) oficial do
Exército Imperial Russo vivia com uma mulata a quem já tinha feito um filho,
desprezando tantas jovens da mais fina e influente sociedade. Foi um choque.
A vida tornou-se mais difícil
na quartel, as matronas viraram a cara, mas deixando um olho, discreto,
disfarçado com o leque, ainda a sonhar com o desejado, e Franz, cristão ortodoxo, decidiu que os seus princípios
não podiam estar sujeitos a vidas dúbias e a críticas.
Disse à sua Ana que iria ao Convento
de São Francisco, falar com o Dom Abade. Não queria um filho ilegítimo. Ana,
devota convenceu-o que era melhor a Igreja do Senhor do Bonfim de era muito
devota. Contou ao padre que era cristão, ortodoxo, e que estava vivendo com uma
jovem baiana que esperava um filho seu. Queria casar, regular a situação e que
sua mulher fosse tratada, não como uma mulher
qualquer, mas como sua esposa.
O bom padre, passou a mão na
calva, pensou que ortodoxos nunca tinham aparecido na sua igreja, católica, mas
quando Franz lhe disse que tinha sido batizado, o padre sorriu e marcaram
casamento.
Convidados só os parentes de
Ana, que de roupas novas ia muito bonita, ao lado do galante oficial.
A vida no entanto continuava
difícil e o coronel, ofendido também, acabou por rescindir os seus serviços.
Franz podia ter apelado para o
Imperador, mas os seus princípios não o deixavam esmolar. Com alguma coisa que tinham, decidiram entrar pelo sertão,
trabalharem a terra e aí criarem os filhos que Deus lhes mandasse.
Uma carroça puxada por um belo
jegue, conseguido pela família da Ana, seguem sem rumo à procura de um pequeno
oásis no meio do sertão agreste. A acompanhá-los um irmã e um irmão de Ana, que
os iriam ajudar, e Cecília, a irmã não demoraria a atrair pretendentes e
alargarem o trabalho.
Caminhando e dormindo pelo
caminho como podiam, deram na beira de um rio, conhecido como Rio Jacuípe, um
lugar bonito, muito arvoredo e uma capela quase ruínas que logo lhes serviu
como palácio.
António, o irmão, foi mandado
percorrer os arredores e comprar algumas cabeças de gado e cabras, e também que
procurasse saber como poderiam adquirir aquelas terras.
Nasceu o primeiro filho que
Franz e Ana concordaram em que se chamasse Salvador.
Plantaram cana, mandioca, milho, legumes e
árvores de fruta, o rio era piscoso, a vida corria sem sobressaltos, e o
sucesso dos seus esforços logo começaram a atrair alguns sertanejos que também procuravam
paz.
Foi crescendo um pequeno povoado a que deram o
nome de Gavião, face à quantidade dessas aves que dormiam na teto da capela.
Mas também era grande o movimento dos que ali
apareciam só para ver o “grande” oficial russo com a sua vistosa farda…
Franz pediu e foi-lhe concedida a nacionalidade
brasileira e como Turguenev era nome complicado demais (chamam-lhe o senhor
“turco”!), deixou-se ficar só Franz Nicolau.
Virou um fazendeiro, tranquilo, respeitado,
amigo de todos, até dos que passavam e pediam abrigo ou alimento.
Pelo menos dois filhos, porque a todos Franz fez
questão de ensinar e dar cultura, acabaram em Salvador, um deles advogado e
outro um grande artista.
Pouco depois de, com a família, festejar os 70
anos recebeu a notícia do assassinato da família imperial russa e do caos que
se implantou com os sovietes.
Foi o único momento em que pareceu ter saudades
do seu país, convencido que se lá estivesse ainda poderia lutar.
Ficou extremamente chocado, chorou, perdeu a
alegria e de viver e um dia, de madrugada, sem que alguém desse por isso, pegou
na única medalha que tinha recebido ainda quando pertencia ao Exército Imperial
e saiu de casa, e sem nada mais, desapareceu naquele sertão.
Procurado por muita gente, nunca mais foi visto.
Só muitos anos depois um sertanejo encontrou uma “coisa” que lhe pareceu
bonita, no meio dum imenso descampado e a ostentou! Era a medalha do tenente Franz Nikolayevich Turgénev.
Até hoje naquela região vivem descendentes seus,
de sobrenome Nicolau.
Historinha simples, mas bem brasileira.
Maio/ 2020
Senhor Francisco G. de Amorim
ResponderExcluirAvisado por amigo fui com grande espanto encontrar no seu blog um texto que se refere a um antepassado meu, Franz Nikolayevich, de quem sempre ouvi falar quando criança e já nem lembrava do seu sobrenome, Turgénev.
Foi meu trisavô e dele parece que ainda existe com algum dos descendentes, que somos já muitos, uma foto com ele imponente na sua farda! Até a medalha que refere foi também recuperada.
A maior parte da família deixou o Nordeste há cerca de um século para se estabelecer em Santa Catarina e Paraná núcleos das principais imigrações da Rússia e de Itália apesar de manter um ramo na cidade de Salvador e outro no Recife.
Já divulguei por todos os descendentes de quem tenho endereço este seu texto e seriamos muito gratos e honrados se algum dia quiser visitar-nos. No final vai meu endereço e telefone. Estarei às suas ordens.
Só gostaria de pedir que nos informasse onde conseguiu este apontamento que descreve parte da vida do nosso antepassado coisa que nenhum dos descentes alguma vez tenha visto.
Aceite os agradecimentos
Andrei Nicolau Pratinni
(Meu pai é, como se vê, de origem italiana)
História deliciosa!
ResponderExcluirAssim se fez um país nascido do sonho de quem o procurou.