O Milagre da Caridade
A costa Norte de Portugal tem, frequentes vezes temporais e, nos séculos passados, a zona da Póvoa de Varzim, hoje uma cidade próspera e importante, era habitada sobretudo por valentes pescadores que enfrentavam o mar com valentia, e alguns agricultores, que adubavam as suas terras com o sargaço que tiravam do mar.
Como em outras ocasiões, no meio da minha papelada e
livros encntro algo que estava até esquecido, como este.
Em 1885 um grande temporal levou consigo muitos
pescadores que andavam na sua faina, deixando inúmeras vítimas entre viúvas,
crianças e outros familiares. Foi uma drama profundo que abalou o país.
Francisco Gomes de Amorim (1827-1991) natural de A-Ver-O-Mar,
freguesia de S. Jorge de Amorim, pertencente à Póvoa, condoeu-se das famílias
e, sem dinheitro para lhes acudir, compôs o pequeno e tão bonito poema abaixo,
que mandou imprimir na Imprensa Nacional, em 1885, e o cedeu para ser vendido,
sendo o resultado dessa venda entregue às famílias vitimadas.
Poema que não necessita de tragédias para ser lido e
meditado.
O opúsculo, mede 7,5 por 11 cm, vai aqui reproduzido, e é
uma pequena peça de coleção.
Era uma vez um menino / Pequenino,
/ De tamanho coração /
Que aos pobres dava metade / Por
amor e caridade, / Do escasso pão.
Ao pais também pobrezinhos,
/ Coitadinhos, / Matavam-se a trabalhar!
E quando, à volta da escola /
O filho dava de esmola / O seu jantar,
Diziam: - Que vale o estudo
/ Se dás tudo, / Augmentando a nossa
cruz?! -
E o menino respondia: / -
Dou, pela Virgem Maria, / E por Jesus.-
- Dá, meu filho; dá querido...
- / Comovido, / Tornava o par infeliz:
- Quando um pobre, d’outro
pobre / Mata a fome, acção tão nobre / O céu bemdiz. -
O jovem filho do povo, / Fato novo / Pôde uma vez conseguir.
Eis, quando o tinha vestido,
/ Esmola, um mais desvalido, / Lhe vai
pedir
Como elle, em dura pobreza, / A tristeza / Da orphandade tinha a mais.
De trapos vis se cobria; / Com
fome e frio tremia, / Soltando ais.
- Oh! Deus, ser-me-ía tão
grato / Dar-lhe um fato, / Que fosse
novo também!...
Ih! Jesus, que bom
conselho!... / Torno a vestir o meu
velho... / Menino, vem. -
Leva-o consigo ao quarto;
/ Comer farto, / E a roupa nova lhe deu.
- Estais lindo! Sae.
Depressa, / Por essa porta travessa... /
E deixa o teu.
Que guapo vai, que bonito / Coitadito!
... / Agora, toca a sumir
Os farrapos do meu sócio ...
/ Se os paes sabem do negócio, / Tenho que ouvir! ...
- O rapaz faz-se poupado!...
/ Consolado, / Dizia o esposo à mulher.
- E verdade, nem se veste
/ O fato que tu lhe deste! / Para que o
quer?
- Conheceu, enfim, que a vida
/ comprida, / Que depressa o romperá... -
- Não é isso, eu já lhe disse
/ Muitas vezes que o vestisse... / Onde o terá? -
Vê na caixa. - Está fechada.
... / - Que embrulhada! / Nunca até hoje a fechou!
Chama-o cá. Foi com bom custo
/ Que o comprei! - Cheia de susto / A mãe, o chamou.
- Abre isto; ou dize o
destino, / Meu menino / Da roupa que o pae te deu. ...
- Perdão ... - Abriu sereno:
/ - Dei-o de esmola a um pequeno, / Mais pobre do que eu. -
- Deste! O novo?! - E
furibundo, / Volta o fundo / Da caixa, e vê reluzir
Oiro, joias pedraria; / Quantos
trapos ali havia, / A refulgir!
Ficam todos mudos, quêdos,
/ Quaes penedos; / E o prodígio não se
esvae!
- Bruxaria... ou roubaste?! /
Filho? Onde foi que isto achaste? - / Exclama o pae.
- São vestidos do orphãozinho
/ Doentinho, / Com quem a roupa troquei!
Mas não eram assim d’antes... / Que milagre os fez brilhantes, / É que não sei.
Mas não eram assim d’antes... / Que milagre os fez brilhantes, / É que não sei.
- Sei eu. - Volve,
ajoelhando, / chorando, / A mãe. - Oh! Bem hajas tu,
Porque ricos nos fizeste, / Quando
a Deus ouvidos déste, / Vestindo um nu.
Tornou-se a esmola thesouro;
/ Fez-se em oiro / O dom do pobre, bem
vês.
E, depois da vida finda, / Maior
paga terás inda / No céu, talvez.
Ambos, agora, commigo, / Filho amigo, / Ajoelhai-vos; a pedir
A quem nos deu tal riqueza, /
Que nos mande mais pobreza / Para vestir. -
Paralavras não eram ditas,
/ Infinitas / Vozes se ouvem a cantar.
Eram os anjos, n’um hymno,
/ O feito do pequenino / A celebrar.
E diziam: - “O opulento / Terá
cento / Pela esmola de um ceitil;
Porém, o necessitado, / Por cada obolo dado, / Terá cem mil.”-
Out/2019
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