sexta-feira, 16 de agosto de 2019



Amigos - 33

Não lembro já de onde vem o conhecimento e amizade com este amigo, mas lembro de algumas histórias com ele passadas, e isso é o que importa. Mas vem de muito tempo.
Em Luanda, na rua do Quintas & Irmão, a velha rua Salvador Correia, quase na esquina com a Calçada Gregório Ferreira, havia uma sala de bilhares num prédio, e o salão ficava no segundo andar. Ali se juntavam alguns amigos e sobretudo os especialistas em bater com um pau numa bola de marfim, habilidade que, como muitas outras, nunca me distinguiu.
Um belo dia este amigo, que gostava de beber o seu copo – eu também gosto – ali foi dar as suas tacadas. Quando decidiu ir embora, chamou o elevador. Abriu a porta, entrou, mas o elevador não estava ali. Como qualquer um de nós o teria feito, de noite... entrou.
E aí vai ele, despencando em aceleração de velocidade até se encaixar lá... bem fundo, com um toco de ferro onde o elevador deveria parar! É evidente que quebrou algumas coisas, e tenho ideia de que, pelo menos, uma perna. Felizmente o elevador, com a porta aberta não funcionou mais, e foi assim que o foram encontrar lá encaixado nos fundos, todo quebrado.
Hospital, etc., onde o fui ver, jovem, recompôs-se.
Alguns anos passados fui para Lourenço Marques. Lá estava ele.
Organizei uma festa de recepção a uns amigos que iam de Luanda para LM, e convidei aqueles que já conhecia entre eles o que tinha “voado”, a descer, no túnel do elevador.
Um sujeito sempre de ótima disposição, fazia amigos com facilidade, e normalmente nos encontrávamos para beber um copo nos fins do dia, junto com mais outros companheiros.
Chegou o miserável, chamado “glorioso” vinteecincobarraquatro e um descarado e abjeto interesse dos que tomaram o poder em Portugal, de entregar as colónias aos comunistas.
Lourenço Marques reagiu muito mal a essa política, bramou e manifestou-se contra os covardes “acordos de Lusaka”, e logo se criaram organizações, reuniões, fadadas à falência, que queriam que Moçambique, de brancos e pretos, não fosse vendido aos comunas. ******
Quem tiver interessado em saber detalhes desta época leia o livro que aqui já comentei, “O Puto” do jornalista Ricardo de Saavedra, edição Quetzal.
Veio a diáspora, regressei a Angola, depois Brasil e nunca mais soube deste amigo.
Neste livro vim encontrar um pouco mais da sua história. O autor, por razões de ética, tinha-lhe trocado o nome mas quando o consultei confirmou que se tratava deste meu amigo.
Depois duma teórica rebelião com o Rádio Club de Moçambique, o desgoverno comuna de Portugal, decidiu caçar todos aqueles que se opusessem ao seu criminoso programa.
Prisioneiros na Polícia portuguesa, um dos grandes contrassensos e crimes que se cometeram, eram espancados, passaram fome até que um dia, habilidosamente conseguiram fugir.
Quem relata tudo quanto aconteceu nesse período, e deu origem ao citado livro, lembra este companheiro da prisão:
O HOMEM  que esteve preso comigo em Loureço Marques foi de facto o SENHOR TEÓFILO ESQUÍVEL Quando fizemos as gravações eu disse que era a pessoa que recebia as garrafas de 7Up com Whiskey lá dentro e era ele que depois dos enxugos de pancada que o Ferreira e outros levávamos usava o Whiskey para nos esfregar. Até à nossa fuga o SENHOR TEÓFILO ESQUIVEL portou-se como os HOMENS se devem portar. Anos depois já eu estava no Batalhão 32 (Búfalo) encontrei-o em JHB tinha o café Nicola na Kerke str, em sociedade com o Forjaz de Brito. O Teófilo faleceu em 2009 aqui em JHB.
Chamou-se Teófilo Esquível, e foi amigo, alegre e valente.
Seu pai e homónimo, foi um dos melhores jogadores de futebol na primeira equipa da Académica de Coimbra, segundo, anos mais tarde, o meu sogro, também pertencente à mesma equipa, quando perguntado quem eram os melhores jogadores daquele tempo, referiu o seu amigo e colega Teófilo Esquível.
No churrasco, em LM, de recepção aos recém chegados de Luanda.
Teófilo, animado, dançava ao sabor do batuque dum grupo de nativos!

**************

Vou aproveitar que estou em Lourenço Marques e falar duma outra figura, de outro amigo.
Estava eu diretor comercial da 2M­ - Mac-Mahon - cerveja, Coca Cola e 7-Up, e era grande e suja a guerra comercial entre as duas concorrentes, a nossa e a Laurentina. Faziam-se as maiores burrices que em comércio imaginar se pode, dando inclusivamente dinheiro ao cliente para se comprometer a comprar 70 ou 80% dos produtos deles, o que era uma verdadeira aberração.
Bem lutei e tentei convencer o concorrente a acabar com a estupidez, o que foi mais ou menos em vão, e por isso logo que surgiu a oportunidade regressei ao banco - BCCI - e deixei aquela farra.
Um dia aparece-me lá na companhia um cliente que estava a montar um novo restaurante mas tinha-se-lhe acabado a grana e vinha pedir o nosso apoio para acabar as obras. E disse que fazia o melhor bacalhau de Lourenço Marques e até de Portugal e arredores!
A Mac-Mahon não era empresa financiadora de capitais, e eu tinha todas as ligações com o banco a que pertencia (estava nas cervejas de empréstimo). Interessei-me pelo assunto e pedi informações do sujeito.
Comerciais e financeiras não eram muito aproveitáveis, porque em qualquer altura do seu percurso como restaurador teria tido uns azares financeiros o que lhe dava um nome pouco recomendável na banca.
Mas insistiu que eu lá fosse comer o tal bacalhau, para o que desafiei dois colegas do banco, e na realidade o bacalhau era o que de melhor nós conhecíamos.
A 2M ia fazer uma pequena festa de aniversário, coisa que eu gostava de fazer nas empresas por onde andei, e fazia parte da festa um “copo de água”, comes só, que líquido tínhamos nós.
Consultei três hipotéticos fornecedores e disse a este que fizesse o melhor preço que pudesse para eu poder arguir que era merecedor do nosso apoio.
Esmerou-se. Apresentou o tal “copo de água”, com tudo da melhor qualidade e com o melhor preço.
Acreditei nele, ganhei coragem e propus ao banco que lhe financiasse os 500 contos que ele precisava que a 2M ficaria de avalista.
O cliente acabou a obra, logo tinha a casa cheia e sempre cumpriu perfeitamente os seus compromissos, e ficámos amigos.
Chega o desgramado vinteecincobarraquatro e ele decide ficar mais um tempo em Lourenço Marques. Chegaram novos donos do poder que se exibiam a comer nos melhores restaurantes e o nosso amigo juntou algum dinheiro e partiu para a Metrópole.
Lá chegado comprou uma velha carvoaria em lugar bem central de Lisboa, fez obras e abriu o seu restaurante, sempre com a especialidade de bacalhau à cabeça.
Não tardou a criar fama. E eu que com a diáspora o havia perdido de vista, ouço um dia dizer que o melhor bacalhau que se podia comer era no restaurante dum moçambicano. Alto lá! Deve ser o meu amigo. Consegui o endereço e fui lá para me certificar se seria ou não a mesma pessoa.
O restaurante estava ótimo. Bonito. 1ª classe. Perguntei quem era o dono.
- O senhor Pereira.
- Por favor pode dizer-lhe que está aqui um amigo que o quer ver.
Aparece o meu amigo. Baixinho, gordinho, brilhantina num cabelo pintado de preto, e dá-me um imenso abraço. Quase chorámos nesse abraço.


Era hora do almoço. A casa cheia.
Agarra-me por um braço, leva-me até à entrada da sala, e pede aos clientes que se calem que tem alguma coisa a dizer-lhes. Eu a ver em que aquilo ia dar.
- Ouçam bem. Se eu hoje estou rico devo tudo a este senhor.
Se ali houvesse um buraco eu teria entrado nele. E continuou:
-  Em Lourenço Marques eu estava a meio de uma obra. Acabou-se-me o dinheiro e este senhor fez o banco emprestar-me 500 contos. Com isso ganhei lá algum dinheiro, trouxe para Portugal e abri este.
Não me deixou sair do restaurante. Voltei a comer o maravilhoso bacalhau, a Couvada de Bacalhau, comida dos deuses, abriu uma garrafa de vinho e ali ficámos um monte de tempo na conversa.

Quem não comeu esta couvada não sabe nada de bacalhau

Depois insistiu para que eu lá voltasse sempre mais vezes e levasse quantos amigos quisesse que era seu convidado.
Eu morava e moro no Brasil. Mas sempre que lá voltei a Lisboa era destino sagrado ir ao Restaurante Laurentina – o Rei do Bacalhau.
Soube depois que o meu amigo ficara muito doente, até que descansou.
Depois disso não voltei lá. Custa-me pensar que não vou encontrar o tão simpático e amigo António Francisco Pereira, uma grande figura.

13/08/2019

2 comentários:

  1. Adorei ler. Já comi no reastaurante e sabia que havia uma ligação qualquer a Moçambique mas não sonhava.... magnífico. Obrigado.ABM

    ResponderExcluir
  2. Já li todas as suas postagens. Gostei muito. Espero que esteja melhor do seu joelho. Bj

    ResponderExcluir