“Era
o Vinho meu Bem...”
Faz tempo que não bebo um copo junto com aqueles que têm paciência de
ler o que vou escrevendo. O chamado beber “virtual”, mas com amizade funciona até
muito bem.
Hoje vamos beber um pouco e deixar a água crescer na
boca, porque uma das grandes qualidades, ou virtudes?, do vinho é que ele
melhora sempre quando bebido com amigos, mais consolida a amizade, e melhor
ainda quando acompanha alguma comidinha, seja aquele prato que fazia a vovó,
guisado económico, mas de grande qualidade, ou aquelas saudosas tapas
castelhanas, ou o terrível e insubstituível bacalhau, ou até algum daqueles
pratos, modernos, de grandes chefs (atenção chefs e não chefes!), não daqueles
que só enfeitam a porcelana, com uma flor, dois riscos de molhos coloridos, e
duas folhinhas dum capim que só eles sabem como se chama e onde se encontra.
Segredos de big-chef.
A verdade (coitado do Sidarta Gautama, o grande Buda, que morreu
sem ter descoberto a verdade) sobre vinhos e comidinhas boas (algumas) foram-nos
uma vez mais apresentadas, por uma linda jornalista, através dum livro
magnífico que nos fala duma quantidade de vinhos e os melhores petiscos
regionais de Portugal para acompanharem esses vinhos.
Não são os vinhos que acompanham a comida, mas a comida
que melhor serve para acompanhar um determinado tipo de vinho. Aquilo a que
hoje moderna e sofisticadamente se está a chamar “harmonização”, palavra que me
recuso a usar.
Sei que existe harmonia sobretudo quando se fala de
música, raramente numa família que costuma ter uma ovelha ranhosa ou mal
disposta, mas no vinho...
Só há uma coisa mais que não “harmoniza” com o meu
paladar, é ter sempre que encontrar em qualquer vinho aromas de frutos secos ou
frescos, amoras, figos, flores e outros vegetais, e há até quem encontre aromas
minerais. Eu já quis encontrar esses aromas minerais, cheirei um monte de
pedras de diferentes qualidades, que lavava cuidadosamente sob água corrente
para não influenciar o aroma básico, cheirei mármore, granito, basalto, quartzo,
feldspato e mica, esmeraldas e até um diamante que aluguei para essa
finalidade, e, humilde, confesso que, ou o meu nariz não presta ou as pedras
não cheiravam a nada.
Não, desisti.
Lembro quando fui trabalhar com cerveja. 1957. Comecei
a estagiar na Fábrica do Porto, e uma das coisas que me fizeram logo procurar
era onde estava o gosto do lúpulo! Eu, e os meus queridos colegas, irmãos,
Alfredo Figueiredo e António Melícias, bem bebíamos um monte de “finos”, mas
descobrir o lúpulo... nada. Então fui para o laboratório, fiz uma infusão de
lúpulo, concentrada, enchi uns seis ou oito copos com cerveja, tasquei uma boa
dose da infusão no primeiro copo, um pouco menos no segundo e por aí adiante
até ao último que nada levou. Chamei os colegas para ver se descobríamos o
mistério. O primeiro copo era simplesmente intragável! Fomos provando os
outros, intervalando com umas bolachas de água e sal para lavar as ofendidas
glândulas gustativas e enganar as pituitárias e, Deus seja louvado, acabámos
por encontrar o tal gosto do lúpulo no copo virgem, e nunca mais deixámos de perceber
e sentir esse paladar.
Creio que vou ter que fazer o mesmo com amoras, figos
e flores diversas, mas jamais as misturarei num bom copo de vinho. Quem sabe
também com algum calhau!
Deixo isto para os cientistas, chamados enólogos –
agora são oenólogos...!!! – e vou tascando uns copos sem me preocupar com essas
minudências.
O livro a que me refiro, como não podia deixar de ser,
tem referências a alguns desses aromas (belas pituitárias), que não discuto.
Mas apresenta uma coleção de vinhos que considero, à
distância de uns 10.000 quilómetros (Portugal-Brasil, Rio), uma covardia! Serão
certamente vinhos magníficos, disso não tenho a menor dúvida, mas que, ou aqui
chegam por valores absurdos, ou simplesmente não chegam.
O ano passado comprei num supermercado em Lisboa umas
garrafas de “Trinca Bolotas”, alentejano arretado, que me custaram, cada, €
6,50 (cerca de R$ 29), pois o preço médio no mercado brasileiro é de R$ 138!
Mais de € 30!
Imaginem estar a ler um livro com descrição de vinhos
magníficos, umas comidinhas muito bem confeccionadas (às vezes em quantidade...
mini, mas enfim) e pensar que tudo isso é uma espécie de “Sonho de uma noite de
verão”, como tão bem harmonizou Felix Mendelssohn,
e é ótimo de ouvir, com um copo, qualquer, desde que seja bom, ali, à ilharga.
Já
pensaram numa entrada de “ervilhas com croquete de morcela e chouriço” de
Trás-Os-Montes, acompanhado com um branco Palmeirim de Inglaterra, das castas
Arinto, Malvasia Fina, Roupeiro e Moscatel Galego, que só de ler o rótulo
ficamos a sonhar com os Doze de Inglaterra, Magriço, D. Álvaro
Gonçalves Coutinho,
Camões e até com Almeida Garrett? Lembram?
Eis
entra um cavaleiro, que trazia
Armas, cavalo, ao bélico serviço;
Ao Rei e às damas fala e logo se ia
Pera os onze, que este era o grão Magriço;
Abraça os companheiros, como amigos
A quem não falta, certo nos perigos.
Armas, cavalo, ao bélico serviço;
Ao Rei e às damas fala e logo se ia
Pera os onze, que este era o grão Magriço;
Abraça os companheiros, como amigos
A quem não falta, certo nos perigos.
«A
dama, como ouviu que este era aquele
Que
vinha defender seu nome e fama,
Se
alegra e veste ali do animal de Hele *......
Ou
“uma presa de porco com gnocchi de açorda e creme de ervilhas” servido com um
tinto Pera Manca, de Évora, um dos melhores vinhos de Portugal que existe desde
o tempo dos romanos? Aquele que o famoso Geraldo Geraldes bebeu junto com os
amigos Mendo Soares, Afonso Rodrigues,
Martim Nunes e Paio Gomes quando festejaram a conquista
daquela cidade aos infiéis!
Faltou
um prato com beldroegas? Não, não faltou. Procure no livro que encontra.
Ahhh!
Comer e beber assim, misturando belos petiscos com magníficos vinhos, deixando
os sonhos da “harmonização” serem levados pela História de Portugal e ainda
sabendo que estamos a tratar do físico e do estômago, por bondade e atividade
do resveratrol que previne o câncer, melhora a aparência da pele e diminui
o colesterol!
Livro muito recomendável, sobretudo aos amigos a
quem, infalivelmente, me junto em Lisboa para os encontros super saudosos e
gastronómicos, como o Trio Maravilha, os Filósofos, os Paleolíticos e os
Neolíticos bem como aos apreciadores paulistas, sobretudo o Tomás, o Zé
Guilherme e a Joana, que não falta!
Livro muito bem apresentado, belíssima edição, escrito
com muita graça e muita qualidade variada: na escrita, nas receitas e nas
apresentações dos vinhos.
Parabéns uma vez mais à Maria João, que não
deixou passar em branco, nem em tinto, o meu preferido Ramisco da Adega
Regional de Colares, de que sou fã desde... desde que me lembro, e que pode ser
apreciado com a gulosa receita que vem na página 233...
Enfim. Covardia estar a relembrar tudo isto e
ter que me limitar ao entorno carioca que vamos levando com cautela e alguma
dedicação culinária sem jamais faltar nem branco nem tinto!
Saúde !
Uma dica: se não quiserem estar a cozinhar pratos complicados,
que tal umas fatias de pão com chouriço que pede logo uns quantos copos do
tinto ou do branco... bons.
Três sugestões, por ordem alfabética: ou vão à Assenta
buscar o pão, ou a Évora, ou ao Pobral, ali, antes da Ericeira. Tem outras
“fontes”, mas estas são garantidas.
Aqui, no Brasil pão bom? É mentira.
08/05/2019
Dispenso o lúpulo...E até levo o pão, não tão bom, mas bonzinho. Guarda uma garrafa do tinto p gente beber. Em breve.
ResponderExcluirGostei muito. Só li hoje, tive duas netas a passar o fim de semana, os pais foram ao Douro,( um casamento da filha dum administrador da Sogrape !!!) por graça de vinhos … Escreve com muita graça e humor, é muito agradável de ler as suas postagens.Bjs Ana Mariano de Carvalho
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