“António Manuel Couto
Viana”
Toda a vida é curta para a vida.
Agostinho da Silva
Como é bom ler livros bem escritos, até sobre personagem de quem nunca
tinha ouvido falar, mas que nos deixa uma imensa lição de vida.
Um livro de mais de 500 páginas, sobre a longa/curta vida de António
Manuel Couto Viana, AMCV,
Minhoto de Viana do Castelo, que muito se orgulha deste seu filho, um
homem que desde a adolescência se dedicou ao teatro e à poesia, viveu
intensamente, publicou mais de quatrocentos títulos, teve uma difícil vida de
saúde, a quem, quando com idade já avançada, tiveram que amputar um pé, e
poucos anos depois uma perna, sem nunca ter deixado de trabalhar, escrever e
manter a mesma serenidade no seu trabalho.
O livro tem um sub título “Conversa a Quatro Mãos”, porque nasce de
longas entrevistas entre ele e o escritor e amigo Ricardo de Saavedra. Desta
leitura fica uma vontade enorme de continuar a ler obras de AMCV.
Para mim que nunca me interessei muito por poesia e raríssimas vezes fui
ao teatro (ignorante é assim) o começo do livro, com descrições das peças em
que participou como encenador, diretor ou até ator, a enumeração dos atores, não
me diziam muita coisa, exceto quando encontrava o nome de alguns que muito bem
conheci, como o Raul Solnado, o Álvaro Benamor, o Nicolau Breyner, o Frei
Hermano da Câmara, e outros, mas, à medida que ia lendo, saboreando o texto,
foi-se afirmando uma profunda admiração por um homem que nunca abdicou do seu
amor a Portugal, o seu incansável trabalho feito com paternal dedicação, e por
isso “escorraçado” logo nos primeiros dias pós 25 de Abril, tal como aconteceu
com o meu também amigo Ruy Alvim.
Logo após o 25 de Abril, quando “chegou
a liberdade” deixou de haver censura: proibiram todas as suas peças de
teatro e não o deixaram mais trabalhar no teatro, na rádio, na televisão, nos
jornais onde fosse res publica, tendo
até, “os gloriosos capitães”, metido na prisão um outro poeta e dramaturgo por excesso de liberdades! Viva a
democracia.
Antes disso teve que lidar com a censura do chamado Estado Novo, cujos sensores eram de muito baixo nível cultural,
sem sensibilidade para o sentido das palavras. Não tinham categoria mental, nem
intelectual. Havia muita estupidez na censura em geral. Muita estupidez.
Recomeçou a vida, meses depois, bem devagar, a ter que assinar textos
para jornais com outro nome, sem deixar de seguir a sua correta, reta, direita,
linha de pensamento, até que foi retomando o seu lugar, mesmo quando alguns
“amigos” se tivessem afastado com medo de se re-relacionarem com ele.
Tempos de muita destruição dum país!
Entretanto a sua obra era mais do que reconhecida, com uma imensa
quantidade de peças de teatro, muitas delas com segunda, terceira e até quatro edições,
a maioria dedicada à juventude, que ele sabia precisar de mais meios de cultura,
e que ele mesmo encenou e dirigiu, encenou e dirigiu outras peças de muitos
outros autores de todos os tempos, desde os gregos até do seu grande amigo
David Mourão Ferreira, foi convidado para criar e ensinar teatro em Macau, onde
ficou três anos.
Traduziu, Sófocles, Molière, Calderon de La Barca, Alexandre Dumas, e
tantos outros.
Filosofou muito com outros (entre eles Monsenhor Moreira das Neves e António
Quadros que também conheci), escreveu e poetou sobre gastronomia - escreveu
todos os textos sobre as regiões de Portugal, no famoso livro de cozinha de
Maria de Lourdes Modesto – e, por exemplo, o livro “A Mesa à Mesa”, premiado
por uma tradicional confraria.
Escreveu sobre Poetas Minhotos e Poetas do Mundo, obra em 3 volumes, com
3 edições.
Os seus ensaios e memórias, a maioria ligada à sua Viana, ao Minho, mostram
o seu apego à terra onde nasceu, que tanto amou.
Enfim o grande leque cultural, que expõe em publicações de diversos
temas, sem nunca ter querido envolver-se na política, sendo um homem da direita (que ninguém sabe o que
significa a não ser pela “geografia” da nova assembleia francesa dos “sans
culottes”) porque amava a sua pátria, o seu Portugal,
tendo até feito um trocadilho com um verso de Pessoa, que disse Em vez de Pátria, quero Rosas, AMCV
escreveu um livro de poemas Em vez de
Rosas, quero Pátria!
Em 1986 escreve o poema “Brado” (in Ponto
de Não Regresso)
A nossa
pátria jaz em mão fechada e alheia!
É dela
já o tractor e o chão arado,
A moeda,
a oficina, o pão da ceia...!
Pra não
termos futuro, esmagou o passado
Vem com
teu ceptro justo, punitivo e clemente!
Vem ser
manhã na noite sepulcral!
Vem expulsar
de nós a névoa do presente
E acorda
Portugal!
Quando, já com a saúde castigada lhe perguntam se para
ele o céu existe, responde;
“Claro! Pelo
menos esforço-me por acreditar que depois das agruras deste mundo, deste quase
inferno para onde aos poucos nos atiram, tem que existir algures o paraíso
prometido, onde possamos finalmente repousar...”
Aos 87 anos lança mais dois novos títulos de poesia,
um seu, “Ainda não” e a tradução dum
livro do poeta sevilhano Gustavo Adolfo Bécquer.
Agrava-se-lhe a saúde e é internado no Hospital. Mesmo
se sentindo mal revê provas de trabalhos a serem publicados. Não resiste, e vai
ao encontro do lugar onde finalmente descansa.
Poeta, ensaísta, ator e encenador teatral deixou uma impressionante
e magnífica obra muita ainda inédita. Grande figura das letras e da cultura
portuguesa com obras traduzidas para francês, inglês, espanhol e chinês.
Membro da Academia de Ciências de Lisboa, recebeu,
entre outros, o Prémio de Poesia Luso-Galaica Valle-Inclan, Prémio Antero de
Quental, Prémio Nacional de Poesia, Prémio Fundação Oriente, pelo magnífico trabalho
poético que fez sobre o Oriente – como No
Oriente do Oriente – Prémio Academia
de Ciências de Lisboa, e foi condecorado por diversas ordens, entre elas a do
Infante Dom Henrique.
“Sou
quem fui. / Fui quem quis. / Uma voz uma vez, / A ligar-me à raiz.”
De um seu “Epitáfio”:
“Os
versos finais
Podem
ser, talvez :
Morreu
entre os poetas imortais
O último
poeta português.”
Realmente os poetas não morrem.
António Manuel Couto Viana Ricardo de Saavedra
16/05/2019
Gostei muito. Ainda bem que existem amigos, admiradores e escritores que não deixaram a sua obra e trabalhos ficarem esquecidos .
ResponderExcluirFoi injustiçado nos exageros do 25 de Abril revolução, como tantos outros. Tentativa de usurpação de posições e trabalhos … mas o tempo vem mostrar que os valores não se perdem, apenas ficam esquecidos por alguns. Valoriza-se o dinheiro, a corrupção e quanto mais alto, mais impune … Hoje Portugal é um exemplo brilhante disso ...O Brasil até está a servir de exemplo para o mundo ...Escrevo nos meus livros que África foi uma descolonização mal feita. Devíamos ter seguido o exemplo de D. Pedro ( hoje sabe-se que por sugestão do pai, D. João VI) que declarou a independência do Brasil na época certa) mas África devia ter sido realizada mesmo que mais tarde, com conversações e de outra maneira ...