Hollywood
Uma história quase... quase
verdadeira
Vamos começar o ano afastando do pensamento, se
possível, os problemas políticos, sociais, nacionais ou mundiais, esperando que
não apareçam mais cretinos a quererem julgar o Brasil através dos seus olhares
de indivíduos traídos e que ainda choram, com profunda má educação, terem
perdido a mulher para outrem.
Há uns setenta anos, um grupo de amigos, colegas, na
faixa dos 16 ou 17 anos, lembraram-se de escrever às grandes e lindas estrelas
de Hollywood, pedindo-lhes uma fotografia. Era costume na época, e as garotas
faziam o mesmo aos galãs, que sempre respondiam. E apostaram quem ia ou não receber!
Não faço mais ideia como foram obtidos os endereços,
mas estou a pensar que escrevemos somente Mis...
– Hollywood – USA. A verdade é que as cartas chegavam ao destino.
A maioria escolheu as mais lindonas, sexys, pin-ups, como a Ava Garder, Heddy
Lamarr, Doroty Lamour, Ingrid Bergman, Judy Garland, Jane Russell, Mauren O’Hara,
e o meu amigo Fernando, mais descontraído, escolheu uma que não estava no topo
das bonitonas, mas era uma “gatinha” bem simpática, Angela Lansbury.
Passa algum tem, não lembro já quanto (mas se
compararmos com os Correios do Brasil, o “ir e vir” teria sido quase um fax!) e
começam a chegar as respostas.
Quase todos receberam as fotografias das lindésimas em
postais impressos, com uma pseudo assinatura também impressa, “With love...”, até que chegou a foto da
Angela Lansbury, a única que vinha assinada à mão, com caneta por cima da foto!
Um sucesso.
E vejam bem que a escolha foi acertada!
O ano passado, cruzo-me na rua, em Lisboa, com um
“velhote, como eu”, olhámos um pedaço um para o outro a tentar definir se nos
reconhecíamos. Avancei:
- Estou
a reconhecer alguns traços na sua cara mas não sou capaz de me lembrar de quem e
de onde conheço.
-
Curioso. O mesmo se passa comigo. Eu chamo-me Fernando Moura Dias.
- !!!!
Fernando Moura Dias!!! Eu sou o Chico Amorim!
Companheiros de estudo e do mesmo curso, caímos nos
braços um do outro. Não nos víamos há mais de sessenta anos!
Estávamos no Rocio, ainda a Pastelaria Suíça
funcionava, e logo escolhemos uma mesa, lá dentro, sossegada, para darmos
largas a conversas que durante tantos anos não tivemos. Queríamos saber tudo: como
foi a vida profissional, a família, saúde, onde vives, etc. O trivial. A
conversa fluía fácil, saudosa, com entremeados tipo “lembras-te daquela vez que fizemos...”, se lembro!, e “aquela cena na aula de...”
As horas corriam rápidas, iam passando e lá fora
escurecendo, e nenhum dava por isso.
Num instante as duas vidas se desenrolaram. Ambos
passados os oitenta, mas de boa saúde, estiveram por África, tão grande, que
unicamente souberam que o outro por lá andava sem jamais se terem encontrado.
Os dois com filhos e netos em quantidade razoável, e
do mesmo modo espalhados pelo mundo.
Fernando que foi quem escreveu para a Angela Lansbury,
não conseguiu segurar a história de termos escrito às atrizes de Hollywood!
Desta vez bem acrescentada.
-Lembras-te
quando escrevemos às atrizes de Hollywood?
- Se
lembro. Foste o único que recebeu um postal assinado à mão!
- Fui mesmo. Guardei a famosa foto alguns anos
até que ela se evaporou no tempo, mas sempre conto essa história a que achava
muita graça.
Muitos anos passaram. Vieram filhos e netos, e um dos
filhos, casado, a viver nos Estados Unidos, em Los Angeles, levou o pai até lá
para assistir ao casamento de uma neta, e mesmo com a velhice a bater, e mexer
com a lombada, foi lá passar algum tempo.
Perto na Meca do cinema, mais uma vez contou a
história do postal da Angela Lansbury, quando o filho lhe diz que ela
continuava viva, e mais, ainda a trabalhar com muito sucesso no teatro e na TV.
- Interessante.
Gostava de a cumprimentar o mostrar-lhe o meu apreço por ela. Deve ter uns 90
anos!
- Pai,
vou-me informar onde ela mora, e se conseguir, não custa nada lá ir, e tentar
visitá-la.
-
Loucura. Esquece.
- Deixa
comigo.
No dia seguinte o filho traz-lhe a informação
completa: endereço, horário provável de a encontrar em casa, etc., e estabeleceram
logo uma estratégia: primeiro ir a uma loja de flores e mandar um lindo ramo
com um bilhete meio enigmático:
With much respect and admiration
An admirer since 1946
mas que fosse entregue só às 4 horas da tarde. Depois
aparecer lá em casa uma hora depois, apresentando-se como o “admirador” que
mandou as flores.
E assim se fez. Tocou à porta, foi recebido por um
mordomo, deu a conveniente informação e disse que simplesmente queria
cumprimentar a Dame Angela. Nada mais do que isso e que não demoraria,
porque além do mais não queria incomodar a senhora.
O mordomo retirou-se, volta uns instantes depois
dizendo que a senhora o ia receber.
Fernando teve um choque. No fundo não esperava ser
recebido.
- Sabes que eu
estava até envergonhado, mas ela recebeu-me tão naturalmente que quebrou o
gelo. Ofereceu-me uma xicara de chá, mandou-me sentar, e estava curiosa para
saber o porque de 1946. Contei-lhe a história das fotos. Ela achou a maior
graça e disse-me que nunca mandara fotos impressas. Sempre achou que as fotos
impressas eram como folhetos de propaganda!
Depois
fui-lhe dizendo que tinha acompanhado a maioria das suas peças, a conversa corria
agradável, com ela sempre sorridente e atenciosa.
Entretanto
chegou o filho, a quem a mãe me apresentou, contando a história da foto, e que
tinha achado muito simpático que eu a tivesse ido visitar.
O filho
é diretor de cinema. Vira-se para mim e diz-me que está à procura de um ator
coadjuvante, para fazer uma pequena, mas importante cena no filme que está a
produzir e, ao olhar para mim via exatamente o perfil da pessoa que procurava,
e dispara: O que acha fazer duas ou três cenas no meu filme?
Imagina
o meu espanto! Fiquei sem saber o que dizer, mas tive que confessar que nunca
tinha representado.
- Não,
senhor, isso é o que nós fazemos durante toda a vida; é representar! O papel é simples
mas precisa de alguém com boa presença e firmeza. O senhor estaria perfeito.
Contou-me
então como seria o papel: eu, grande empresário, já aposentado, tinha entregue
a conduta dos negócios ao filho e outros sócios. Mas com a impressão que algo
estava a correr mal e sabia que tinham convocado uma assembleia geral para
decidir se vendiam ou não parte do grupo empresarial. Aí eu entraria na sala a
meio da discussão, contra o espanto de todos, e ponho fim a esse disparate que
eles estavam a ponto de cometer.
A minha
intervenção tinha que ser clara e dura.
O que
lhe parece? Eu disse-lhe que a bem da verdade me parecia uma loucura, mas...
Disse-lhe
que estava em casa do meu filho e ele foi avisando: amanhã, aí pelas dez horas
vai um carro buscá-lo. Falamos sobre a peça, almoça comigo e com alguns do
atores com quem vai contracenar e à tarde já fazemos um ensaio!
E lá fui
eu!
Muito
simpático o filho, Anthony Shaw, recebeu-me muito bem, demos uma volta por
aquele imenso complexo, o Universal Studios, um mundo, e depois do almoço levou-me
para a primeira tomada.
Olha,
tive que “vestir” um ar sério, para acabar com o negócio ruinoso que o “meu
filho” estava a preparar. O pessoal
parece que gostou, e eu fiquei a suar de tão nervoso que estava.! Depois mais
umas cenas, que continuaram no dia seguinte.
Vê lá tu
que me tornei um “astro” de Hollywood”! Deram-me até um cartão, tipo passe,
para lá entrar quando quiser.
E agora quando vais estrelar um longa metragem?
Como imaginas
nunca mais lá devo pôr os pés. Mas para um velhote como nós, foi uma bela
aventura, que fez enorme sucesso na minha família. Até hoje perguntam-me quando
podem ver o filme! Eu nem sei como se chama e creio até que era só para a TV.
Antes de
vir embora fui novamente cumprimentar a Angela Lansbury, que sabia da minha
atuação, e ainda nos rimos com isso. E pronto. Vê lá tu, nunca a gente sabe o
que nos espera.
Fizemos essa graça ao escrever-lhes em 1946 e tens, 70
anos depois, o remate dessa brincadeira! Sensacional.
Um abraço de despedida, com um até sempre.
Quem sabe ainda o vejo no cinema... feito galã!
Dez. 2018
Caríssimo: Primeiro que tudo votos de bom ano e muita saúde. Quanto ao artigo, o nome Angela Lansbury lembrou-me logo uma série de TV e vi na wikipedia que era o Murder, She Wrote. Diz aí que o filho dela era director de TV por isso coaduna-se com a história do seu amigo. Mas uma coisa que tenho ideia é que em Hollywood os sindicatos são muito rígidos em relação a tudo por isso seria difícil que o seu amigo fosse até figurante no/num filme. Por isso quando sub entitula "Uma história quase... quase verdadeira" está a referir-se a essa parte? Cumprimentos.
ResponderExcluirEntrar numa cena, por amadorismo, sem receber caché... não colide com os interesses dos sindicatos
ResponderExcluirMuito gira a história e que giro encontro com esse seu amigo. Um Feliz Ano para si e tia Bela
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