sábado, 22 de setembro de 2018


 

AMIGOS – 10


Há cerca de mês e meio interrompi estas “conversas” com amigos, porque outros assuntos com necessidade de divulgação (?) se meteram de permeio.
Lembrei nestas “conversas” quarenta que lá de cima, eu sei, fazem sempre alguma coisa para cuidar de nós. Os amigos são para isso mesmo e sobretudo para os recordarmos, como os que estão entre nós fisicamente, hoje quase todos separados por este largo rio chamado Atlântico, mas que permanecem sempre dentro dos nossos corações.

1.- Casou com uma prima minha, e mesmo quase uma dúzia de anos mais velho do que eu, fazia parte de um grupo grande amigos de quem já falei, e que conheci ainda eu era um quase adolescente!
Mas lembro algumas passagens da sua vida que vale a pena contar.
Como bom agricultor do Ribatejo, Benavente, aí por volta dos anos cinquenta, decidiu acompanhar um amigo à Feira Nacional de Agricultura em Paris, que ali se deslocava em serviço, junto com o tio deste (e meu!), e o chefe de vendas da empresa onde os dois trabalhavam.
O nosso agricultor não falava uma palavra de francês, mas em Paris os atrativos, além das vacas e outro gado exposto, eram demasiado tentadores, e uma boa fonte para descarregar a carteira de qualquer incauto.
De dia, visita à exposição, uma das mais interessantes que anos depois também visitei várias vezes, e à noite, os dois amigos, solteirões, na faixa dos trinta anos... farra! Paris c’est toujours Paris... ou era!
Para que não se excedessem em gastos, pediram ao chefe de vendas (meu bom amigo Fernando Lino com quem depois vim a trabalhar) que lhes guardasse o dinheiro e só lhes entregasse uma pequena parte do que tinham levado para a viagem! Ao fim duns dias de farra, o nosso querido agricultor achou que precisava de um pouco de descanso, e em vez de “receber” mais umas notas para farrear, confessou já sonolento, quando acabaram a visita à Feira:
- Hoje estou cansado. Vou-me chambrer! (Mais ou menos a única palavra do seu francês!)
Anos mais tarde, numa noitada de fados em Sintra, casa dos nossos amigos Maria Tereza de Noronha e José António Sabrosa, que começou pelas horas do jantar e acabou no dia seguinte, sol nascido e já a incomodar aqueles a quem o vinho não servia de óculos escuros, nenhum dos homens presentes, em boa consciência podia dizer que estava em perfeita sanidade. O vinho era bom, do velho Ramisco autêntico, correra goelas abaixo maravilhosamente.
Já as janelas fechadas para que o sol não viesse quebrar o encanto do fado cantado à luz mortiça e com o cangirão da morraça sempre à ilharga a acompanhar, a dona da casa, cansada, não queria cantar mais nada.
O ribatejano estava com a sua mulher que queria levá-lo para casa, estava já com uns bons e largos copos.
- Você não se sente bem aqui com o seu marido e no meio de tantos amigos?
Ela, calma, respondia que estava, mas também já eram horas da partida. E ele:
- Ó senhora dona condessa cante lá mais um fadinho para nos irmos embora!
São passados quase seis décadas desta grande noite. Não sei a que horas o nosso querido amigo ribatejano António Paim e sua mulher Isabel de lá saíram. Nem eu. Só sei que no regresso a casa o sol me incomodou muito! E eu estava a viver ali em Sintra. O António teve que guiar até casa, coisa de uns oitenta ou mais quilómetros! Era um jovem. Depois ainda viveu muito.
Um grande senhor.

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2.- Vamos agora ao Alentejo, terra que aprecio imensamente e onde viram a luz do dia muitos amigos e colegas.
Quando, em 1971, fui mandado de Luanda para Lourenço Marques, atual Maputo, para assumir um lugar nas cervejas 2M, empresa que pertencia ao banco BCCI e/ou Banco Borges em Portugal, foi pedido a um colega do Banco lá da Costa Oriental, que me orientasse naquela terra que eu não conhecia e nem sabia de alguém lá, conhecido.
Lá estava um à minha espera no aeroporto.
Quando o conheci teria eu uns dezoito anos e era ele finalista de engenharia. Depois conheci bem as irmãs mais novas, da minha idade, mas há talvez uns vinte anos que não o via.
A sua recepção foi como se tivéssemos sido toda a vida os maiores amigos. Um grande e caloroso abraço. Deixou-me sem graça, mas a sua amizade e eterna boa disposição logo me mostraram que em Moçambique tinha, pelo menos, um grande amigo. Ele e a mulher foram sempre duma simpatia, disponibilidade e amizade que não tem descrição.
Quando a minha mulher foi a LM procurar casa para transferirmos a família, estava eu a viver num parque de campismo, já saturado do magnífico Hotel Polana, cheio de cerimónias e chatices. No Parque, num pequeno bangalô, não era época de turismo, estava só naquela área. Um colega da 2M emprestou-me uma geladeira e um pequeno fogão, e ali estava eu como um rei, solitário, sossegado, tomando o meu café da manhã cheio de pequenos macacos à volta à espera que lhes desse um pouco de pão. Um quase paraíso.
A minha mulher torceu o nariz com a ideia de ficar naquele deserto durante o dia... e tinha razão. A Maria, alentejana pelo casamento, mas Coca-Cola de nascença, foi logo dizendo que “nem pensar; ali não ficaria”. E levou-nos para sua casa. É evidente, muito melhor, e em poucos dias a minha mulher tinha conhecido, não só quase todo o grupo de amizade onde depois nos enquadrámos, como teve uma excelente guia para procurar casa, conhecedora como era de toda a cidade, sempre lindamente bem disposta, duma alegria contagiante.
Aos poucos, fui encontrando amigos velhos e fazendo novos e até um primo da minha mulher de quem falarei.
Muito bem nos entendíamos.
Já eu estava de volta ao Banco, visto só ter ficado na 2M pouco mais de ano e meio, porque esta entretanto se juntou à concorrente e eu não quis alinhar naquele jogo. Regressei ao Banco, fiquei um tempo em LM, antes de voltar para Luanda, até que chegou a encravada revolução e... acabou-se tudo.
Um dia, já no Banco, o alentejano amigo vem com uma história que depois deu muita história! Tinha almoçado com uns colegas amigos, engenheiros da Geologia e Minas, que se queixaram da fuga das melhores pedras preciosas que Moçambique produzia, sobretudo esmeraldas, e eles não sabiam o que fazer.
-Eu sei. Tenho um colega e amigo lá no banco, e ele vai arranjar uma solução.
Passou-me a pasta! Trabalhou-se tudo muito, e bem, e quando já estávamos prontos a atuar, o tal 25/4 matou a questão.
Quase todos os dias, quase, estávamos juntos. Já não digo no trabalho, mas, ou bebendo um copo, ou indo a um clube, ou jantando na casa de um ou do outro, a verdade é que o Alexandre Duarte Silva foi um amigo que marcou profundamente a nossa amizade.
A sua disponibilidade, alegria e descontração, um grande “relações públicas” congénito.
Como não guardar tanta saudade deste casal?


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Sobre este escrevi no livro “Contos Peregrinos a Preto e Branco”. Mas é sempre bom recordá-lo.
Era um dos muitos, muito alegres e bem dispostos, companheiros. Desde novo foi trabalhar para a TAP, e não sendo tripulante, correu uma boa porção de países em serviço dos escritórios daquela companhia aérea.
Um deles foi a Suécia. Novo ainda, galã, encantou-se com uma das muitas bonitas garotas que por ali andavam, e apesar do frio de Stockholm, nada o impediu, como continua a não impedir, até a facilitar, o aconchegar-se de alguns corpos.
Resultado, fez um filho, a mãe não quis saber do pai, que também não se preocupou muito com o problema, e quando terminou a comissão de serviço regressou à base, Lisboa, antes da criança ter nascido. Tudo bem. Só muitos anos depois voltou à Suécia para o conhecer. O garoto era capitão da força aérea, encontraram-se para um almoço, conheceram-se, riram, e despediram-se, sem nunca mais se terem voltado a ver.
Foi para Angola, onde arranjou outra mulher, com quem teve uma filha. Nesta terra viveu muitos anos. Trocou novamente de mulher, com quem teve outro filho.
O trabalho na TAP passou a ser de Relações Públicas, cargo que desempenhava com grande facilidade e eficiência, porque não só era a sua especialidade, e sabia como poucos fazer amigos.
Este emprego dava-lhe a possibilidade de se deslocar a Portugal sempre que lhe apetecesse, e apetecia muita vez, com o pretexto de discutir problemas com a administração da companhia e ver os irmãos, mas no fim ia mesmo era gastar dinheiro no Cassino do Estoril. Viciozinho chato.
Por muito simpático que o marido seja, sempre a gastar no jogo, onde nunca se ganha, a mulher acaba por se cansar. Foi o que sucedeu com a terceira.
Contado por ele:
- Cheguei de manhã a Luanda e fui a casa tomar banho e mudar de roupa. Já mulher e filho tinham saído para o trabalho e colégio. Quando olhei para o copo dos dentes vi que tinha lá duas escovas! Três não ficam bem no mesmo copo! Vesti-me, pus alguma roupa na mala e saí de casa. Depois telefonei à Rosário a dizer-lhe que ela tinha feito muito bem em arranjar outro!
Acabou a sua vida em São Paulo, trabalhando para a TAP, e com a quarta mulher. Brasileira, esta.
Foi a única vez que vi três viúvas chorarem pelo mesmo homem, o Luis Gama, sempre amigo de todas, e de uma boa disposição e alegria que era impossível estar-se triste a seu lado. Até a sua despedida foi alegre.


21 set. 18

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