O Brasil é, sobretudo, um país de
contrastes. Da Amazônia à Caatinga, das enormes capitais às mais humildes
localidades, de rios supercaudalosos a regiões onde não chove, e quando chove é
uma vez em cada sete anos, já não falando nos milionários e nas favelas, na
riqueza e na pobreza, flagrantes.
Mais de oito milhões e quinhentos mil
quilômetros quadrados de superfície, o terceiro ou quarto produtor mundial de
alimentos, mais de duzentos milhões de habitantes, onde apesar dos
assassinatos, corrupção, banditismo/política, a esmagadora maioria das gentes
são de uma gentileza e carinho que não se encontra em outro país, parece que
teria tudo, mesmo tudo, para ser o paraíso terreal.
Mas...
Eu estou cansado. Todos estamos cansados de
assistir, permanentemente, ao descaso, à impunidade, ao jeitinho corrupto, a
ver sumir pelos esgotos dos bolsos dos governantes a riqueza que a população, sofridamente
produz, sem que se consiga ver uma luz, uma luzinha, lá......... lá no fim do túnel!
Os jovens que não vêm qualquer futuro a
prazo mediano, vão ou querem ir embora, os institutos de investigação estão sem
verbas e os cientistas abandonam o país, as universidades em greve porque não
têm dinheiro para pagar aos funcionários, nem sequer a conta da luz, a insegurança
obriga a fecharem, quase diariamente restaurantes e bares que estavam abertos à
noite, a cada quinze segundos um celular é roubado e logo aparece à venda nas
cracolândias e nalguns camelôs, cargas e cargas de caminhões são roubadas (no
Estado do Rio a média, este ano é de 28 cargas roubadas POR DIA !!!) e a
mercadoria logo aparece à venda em lojas suspeitas e vendedores ambulantes,
enfim um desregramento, um descaso, uma tristeza sem fim.
E todos, todos, estamos cansados, estamos
fartos disto.
Ainda há quem julgue que terá sido De
Gaulle que disse que o Brasil não é um
país sério ! Há dias escrevi sobre isto. Não foi ele, mas, ao tempo, o
Embaixador do Brasil em Paris, Carlos Alves de Souza (1901-1990).
Quase nada a Wikipédia nos diz sobre este
senhor. É pena.
Procurei e encontrei, com facilidade, usado,
o livro que ele escreveu, quase dezoito anos depois de se ter aposentado em
1961, «um
embaixador em tempos de crise», que retrata um pouco do que era o Brasil entre os anos 20 e
60, do século passado.
Muito bem
escrito, por um homem extremamente culto e educado, que viveu momentos
importantes na história da Europa e do Mundo, de caráter impecável, a sua leitura
leva-nos do riso à indignação em poucas linhas.
O descalabro dos
serviços públicos no Brasil, o infernal tráfico de influências, o desbarato das
finanças públicas, o descaso do Itamaraty perante problemas cruciais, a
negligência dos mesmo serviços que não respondiam a assuntos angustiantes como,
por exemplo, quando o Embaixador telegrafou de Belgrado informando dia e hora
em que a Alemanha ia invadir a Polônia, dão um retrato que parece sair quase
dos tempos das capitanias quando um
assunto era enviado à corte, em Lisboa e, quando havia boa vontade e bons
ministros, a resposta voltava ao Brasil largos meses ou anos depois...
quando...
E a correspondência
que chegava às Embaixadas, com um ou mais meses de atraso, era toda censurada
pelo DIP, Departamento de Imprensa e
Propaganda - órgão de propaganda no governo Getúlio Vargas.
A certa altura,
em 1937, depois da Revolução de 1932, o Embaixador escreve: «conclui que liberdade e democracia no Brasil eram utopia e não valia
a pena fazer sacrifícios inúteis».
Mais adiante,
depois de relatar um curioso caso em Belgrado, sobre passaportes, diz que hoje,
1977, « está tudo facilitado: basta
a declaração de um diplomata que é casado com fulana de tal, sem apresentar
qualquer quer certidão, e o Itamaraty manda passar passaporte diplomático.
Acontece que há (ou havia?) casos em
que um funcionário aparecia casado com duas ou mais esposas. »
(Ainda hoje não
estamos muito longe disso: o ex-presidente, agora oficialmente bandido, mandou
passar passaportes diplomáticos a toda a família, e apesar de ter deixado a
presidência há dez anos, alguns continuam a usufruir dessa regalia. E muitos
outros comparsas.)
No fim da II
Guerra, o Brasil tinha direito a indenizações. Além das muitas vidas humanas
que se perderam, teve 33 navios afundados por submarinos alemães.
Em 1942 «o Almirante Ingram, Comandante da Esquadra
Americana do Atlântico Sul, solicitou ao Governo brasileiro quais as categorias
de navios que precisávamos. O assunto foi levado ao Presidente (Vargas) que
pediu ao Ministro da Marinha, que consultou o Estado Maior da Armada, que
consultou o Almirantado, etc. Ficámos na eterna discussão se deveríamos pedir
destroiers, scouts, encouraçados ou submarinos. O tempo foi correndo e nenhuma
resposta. Chegou o fim da guerra e o Brasil jamais enviou a resposta solicitada!
»
Em 1945, o Brasil
tinha um bom saldo em dólares nos Estados Unidos. Quando o Embaixador foi a
Nova Iorque tomou conhecimento «de um
tremendo escândalo na venda de automóveis, novos e velhos para o Brasil, que
por ter pouco combustível tinha pouquíssimos carros. Os automóveis eram muito
baratos nos Estados Unidos e caríssimos no Brasil. E assim desapareceu o saldo
em dólares, que o Brasil possuía nos Estados Unidos, única vantagem de ordem
material que o nosso país havia obtido pela sua participação na Segunda Guerra Mundial.
»
1946-47 –
Embaixador em Havana. «Naquela época eu julgava
que todos pagavam, normalmente, as passagens nos aviões da Panair do Brasil.
Puro engano. Pagar excesso de bagagem era considerado humilhação, e muito
poucos pagavam a passagem integral. Um dia assisti a uma discussão curiosa: um
multimilionário reclamava por estar a pagar pelo excesso de bagagem e ameaçava
o agente da Panair de demissão. O agente foi demitido. Um dos meus secretários
disse-me, num voo a caminho do Brasil, que eu era a única pessoa a bordo que
tinha pago a passagem integral. A Panair só não faliu antes porque um dos
maiores acionistas era a Companhia de Seguros Ajax, que fora agraciada com o
monopólio de todos os aviões e autarquias. Assim, concedia passagens e até
hospedagem nos hotéis aos protegidos do Governo. Esse escândalo era sabido de
todos que viviam no exterior. »
(E hoje... como é?)
Há um mês em 12
de Setembro, escrevi um apontamento sobre a célebre frase atribuída a De Gaulle,
mas agora, com o livro do Embaixador apareceram mais detalhes que fazem da Guerra da Lagosta, uma página, não épica
mas hípica, aliás asinina, “guerra” tão caricata que até o menestrel, Ari
Toledo fez chalaça com isso, “que barcos
franceses, de volta à França levavam lagosta que lá no France todo o mundo
gosta”!
Nada mais ridículo do que a chamada
"guerra da lagosta", que apenas demonstrou a falta de entrosamento da
Secretaria de Estado com as Embaixadas e a leviandade dos nossos governantes.
Tudo se passou de modo completamente diverso do que os jornais publicaram.
O Sr. Pleven, antigo Presidente do Conselho
da França, amigo e correligionário do General De Gaulle, presidia a maior companhia de pesca da Bretanha. Estava
escasseando a lagosta na costa francesa, e os navios iniciaram a pesca na
África, tendo Dakar como base. No fim de algum tempo, acharam que a lagosta
também era pouca na costa da África. Pleven pediu ao Quai d'Orsay para
telegrafar ao Embaixador da França no Brasil, a fim de solicitar ao Governo
brasileiro licença para pescarem na costa nordeste do Brasil. O Embaixador obteve
uma audiência com o Presidente João Goulart, que deu instruções às autoridades
competentes para que os pesqueiros franceses iniciassem a pesca. A Embaixada do
Brasil nunca teve a menor informação da gestão do Embaixador da França, e do
Brasil tampouco mandaram à Missão Diplomática em Paris uma só palavra sobre
esse assunto. Como tudo foi tratado no Palácio do Planalto, tenho dúvidas de
ter sido o Itamaraty informado dessa permissão.
Os pesqueiros franceses começaram a trabalhar
e transportavam a lagosta para Dakar, de onde eram expedidas por avião para
Paris.
Anualmente, em Genebra, se reúne a
Conferência dos Direitos do Mar e o representante do Brasil era sempre o
Embaixador Gilberto Amado. Na última Reunião, mais uma vez, o Delegado do
Brasil defendeu a tese de que deveria continuar a ser mantido o mar territorial
de 12 milhas. Outros países queriam estendê-lo para 50 e até 100 milhas, mas o
Delegado brasileiro manteve firme sua posição. Nada ficou resolvido; não foi assinado
nenhum tratado e tudo ficou adiado para a próxima Conferência anual. Os
franceses estavam pescando a 30 milhas da costa brasileira, onde constataram
haver maior quantidade de lagostas. Tudo isso ignorava a Embaixada do Brasil em
Paris.
Um dia foi procurar João Goulart o Senador
Barros de Carvalho, amigo do Presidente, para informar-lhe que as companhias
brasileiras de pesca, com sede em Recife, estavam indignadas com a licença
dada aos franceses pelo Governo. Estavam elas perdendo cerca de quatro milhões
de dólares anuais com essa pesca de lagosta pelos pesqueiros da Bretanha. O
Presidente, provavelmente sem pensar nas consequências do seu ato, com a mesma
ligeireza que dera autorização, a revogou. O Ministro da Marinha, Almirante
Suzano reuniu a imprensa e solenemente anunciou que o serviço secreto da Armada
obtivera informação segura que o porta-aviões Clemenceau, a mais poderosa
embarcação da Marinha de Guerra francesa, escoltado por dois destroiers e uma
fragata, navegava para o Brasil. Suzano, pavio curto, mandou a esquadra sair
para o mar, “pronta para o que der e vier”, e sequestrou e levou para Recife
dois navios pesqueiros franceses, já carregados de lagostas. A Embaixada em
Paris continuava tudo ignorando.
Da França não veio nada.
Certo dia, o Embaixador Chabornel, Secretário-Geral
do Ministério, pedia-me para ir vê-lo e, pela primeira vez, soube de todas
essas gestões de Pleven e do sequestro dos dois pesqueiros. Pedia-me que
telegrafasse ao Governo brasileiro solicitando a liberação imediata das
embarcações e a continuação da pesca, autorizada pessoalmente pelo Presidente
da República, na presença do Embaixador da França. Telegrafei imediatamente ao
Itamaraty. Pelos jornais franceses soube que tinham sido liberados os
pesqueiros, mas o Itamaraty não respondeu ao meu telegrama. O Embaixador Roché
confiou-me que o Governo francês não se conformava com o sequestro, que poderia
ter consequências graves. A permanência, em Recife, de navios de guerra
brasileiros patrulhando a costa, agravava a situação. No dia seguinte, fui
novamente chamado pelo Secretário-Geral do Quai d'Orsay, que me comunicou haver
o Governo francês mandado uma canhoneira da Marinha de Guerra para proteger os
pesqueiros franceses, que estavam a cerca de 40 milhas da costa brasileira, e,
consequentemente, fora das nossas águas territoriais. Telegrafei ao Itamaraty
e continuei sem resposta. Da minha casa, resolvi telefonar ao Chanceler Araújo
Castro, que disse-me haver conversado com o Presidente. Jango considerava o
assunto sem importância e narrou-lhe a conversa com o Senador Barros Carvalho.
Disse-lhe mais que o sequestro fora coisa do Almirante Suzano, Ministro da
Marinha. O Araújo Castro não conseguiu convencer o Dr. João Goulart de que o
caso poderia tornar-se sério e pediu-me para reforçar seu ponto de vista,
telefonando diretamente para o Presidente da República. Foi o que fiz. Disse ao
Presidente que eu conhecia bem o Suzano, desde o meu tempo de Marinha, que,
apesar de ser considerado um bom oficial, sempre foi atrabiliário. Retrucou-me
Jango que o Araújo Castro e eu estávamos "levando a sério um caso sem a
menor importância".
Os jornais franceses não mais falaram no
assunto, porém a imprensa brasileira, com rara infelicidade, fazia comentários
inverídicos sobre o problema e diziam que a Marinha brasileira tinha dado uma
boa lição aos franceses.
Certo dia, quando os jornais
franceses não mais falavam sobre a "guerra da lagosta", a Secretaria
da Presidência da República comunicou-me que o General De Gaulle desejava
ver-me no dia seguinte, à tarde. Eu sabia o que me esperava. Ia advogar uma
causa ingrata, pois sempre achei que a França, estava coberta de razões e o
incidente tinha sido envenenado pela imprensa brasileira. Aliás, recordo-me que
no auge da crise, fui procurado pelo Sr. Luiz Edgar de Andrade, correspondente
do "Jornal do Brasil" em Paris, com quem mantinha boas relações.
Neguei-me a dar-lhe uma entrevista, pois havia lido no seu conceituado jornal
notícias inteiramente inverídicas. No dia seguinte, fui avistar-me com o
General. Começou fazendo um histórico sobre o caso da lagosta, a permissão do
Presidente Goulart para a pesca, o sequestro dos pesqueiros, as notícias
inverídicas da imprensa brasileira e as críticas a ele e à França. Era sabido
que o Presidente De Gaulle tinha o hábito de misturar sua extraordinária e real
personalidade com a própria França. Tudo que ele disse era a verdade nua e
crua. Argumentos sérios para responder, eu não os tinha e peguei-me numa falha
cometida pelo Governo francês. Disse-lhe que o Governo brasileiro havia ficado
chocado com a ida de um navio de guerra para proteger os pesqueiros.
Respondeu-me, prontamente, que a canhoneira francesa tinha ficado, ao lado dos
pesqueiros, a 40 milhas da costa brasileira, e que as águas territoriais
continuavam a ser de 12 milhas, tese aliás defendida pelo Delegado do Brasil
em Genebra. Finalmente, o General pediu-me transmitir ao meu Governo nossa
conversa. Assediado pela imprensa e correspondentes dos jornais brasileiros,
respondi que nada tinha a declarar, e se quisessem informações solicitassem à
Secretaria da Presidência da República. Telegrafei ao Itamaraty e, pouco mais
tarde, compareci à recepção que oferecia na sua residência o Presidente da
Assembleia Nacional, Sr. Jacques Chaban-Delmas. Repentinamente, surgiu diante
de mim o jornalista Luiz Edgar de Andrade. Insistiu para que eu lhe dissesse
algo sobre minha entrevista com o General De Gaulle. Respondi-lhe que não daria
nenhuma entrevista. Mas, não poderia deixar de ter uma conversa amistosa com
uma pessoa por quem sempre tive a maior consideração. Falei-lhe sobre o tal
samba carnavalesco, "a Lagosta é nossa", as caricaturas do Presidente
De Gaulle e terminei a conversa dizendo: Luiz Edgard, "le Brésil n'est
pas un pays sérieux". Provavelmente, ele telegrafou ao Brasil não deixando
claro se a frase era minha ou do General De Gaulle, com quem eu me avistara
poucas horas. Luiz Edgar é um homem correto, e estou certo de que o seu telex
ao jornal não teve intuitos sensacionalistas. Mas, a frase "pegou". É
evidente que, sendo hóspede do General De Gaulle, homem difícil, porém muito
bem educado, ele, pela sua formação e temperamento, não pronunciaria frase tão
francamente inamistosa em relação ao país do Chefe da Missão que ele mandara
chamar. Eu pronunciei essa frase numa conversa informal com uma pessoa das
minhas relações.
Muitas outras histórias, interessantes e ridículas conta
o Embaixador Carlos de Souza, que termina o seu livro com este desabafo:
“Na minha vivência
de mais de 50 anos nos meios militares, diplomáticos, políticos e sociais,
cheguei a duas conclusões melancólicas:
“A primeira é a de que a
argila da qual foi feito o brasileiro, não é de boa qualidade. E a outra, em
que foi acertada a minha frase, atribuída ao General De Gaulle:
"le Brésil n'est pas un pays sérieux".
Com esta nojeira a que estamos a assistir na política, na
justiça, na segurança, etc., parece que infelizmente o Embaixador continua
cheio de razão.
13-out-17
Francisco, como diria Manuel laranjeira, também isto dá vontade de morrer. Obrigado pela crónica deliciosa, malgré tout!
ResponderExcluirFrancisco, no frigir dos ovos o Brasil é um país maravilhoso. O mundo é conturbado, é só ler as notícias internacionais, estamos longe dos primeiros do ranking (as Dinamarcas) mas também estamos longe dos últimos (os Malawis). O fato é que somos bipolares, quando a economia cresce, achamos aqui o paraíso, quando cai, achamos o inferno. O fato é que a economia é cíclica e haverá de subir de novo e aí todo mundo há de achar o Brasil o melhor país do mundo novamente. E o fato de que a corrupção agora é revelada e punida deve ser visto como um avanço, não um retrocesso. Retrocesso era varrer tudo pra baixo do tapete.
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