De Angola, algumas histórias
1.- História quase triste
A Crise
do Congo ex-belga entre 1960-1966
foi um período de imensa agitação que terminou com a tomada do poder por
Mobutu. A crise tomou várias formas, entre elas as lutas anticoloniais (de uma
forma geral os belgas eram detestados), conflitos tribais, uma guerra
separatista no Katanga, um descalabro, com uma
onda de violência e de selvajaria assolando todo o país, que causou a morte a mais de 100.000
pessoas.
Os brancos que lá viviam, muitos deles desde nascença,
tiveram que fugir de qualquer modo. A Bélgica mandou buscar os seus súbditos.
Portugal parece que até hoje não sabe o que são súbditos!
Um grupo de cerca de uma dúzia de pessoas, em dois jeeps, um
deles carregando uma metralhadora, que felizmente não foi utilizada, conseguiu
atravessar por pequenas picadas até Angola.
Desse grupo fez parte um casal, com dois filhos pequenos. Ele
dizia que tinha trabalhado numa fábrica de cerveja e foi pedir emprego na Cuca,
onde foi admitido para um departamento que se criou, de estatística.
Calado, cumpridor, mas sempre um ar de infelicidade. Volta e
meia não ia trabalhar. O seu abatimento psíquico não recuperava com facilidade.
Tudo quanto tinham haviam perdido. Agora estavam mais tranquilos, vida a
refazer-se, crianças na escola, apesar de em Angola ter já começado o
“terrorismo” que não se fazia sentir em Luanda.
Um belo dia o Dias – era este o seu sobrenome – sentiu-se
pior e foi internado na casa de saúde com quem a Cuca tinha convénio.
Fomos visitá-lo. Estava abatido e o médico, um coimbrão
inveterado, tratava-o de transtornos psíquicos. Todos os dias procurávamos
saber da sua saúde, sem receber nenhuma notícia de melhora.
Uma tarde, estava eu a entrar para o meu carro para seguir
para Nova Lisboa (Huambo) o porteiro vem a correr dizer que a esposa do sr.
Dias queria falar comigo e era muito urgente. Fui atender.
“Só para informar que vou levar o meu marido para casa. Assim
ele morre ao pé da mulher e dos filhos.”
Fiquei aterrado! O que se passaria? Ela disse que o médico
não o tratava, que ela estava a vê-lo definhar e via que ele ia morrer logo.
Pedi-lhe para não fazer nada. “Vou já para aí.”
Já não fiz a viagem para o sul. Pedi na Companhia que
procurassem o médico dele e que corresse para a casa de saúde, onde fui
encontrar o doente com um aspecto horrível: muito magro, cor acastanhada,
sofrendo.
O médico não apareceu; entretanto entrou o diretor da
clínica, um bom cirurgião, a quem contei o que se passava. Respondeu-me que era
responsabilidade do médico dele.
“Não, não é, doutor. É sua. O senhor é o diretor da clínica,
e pode ter a certeza que se acontecer alguma coisa vou processá-los.” Foi ver o
doente, e eu ao lado a acompanhar.
Levantou o lençol e viu que a barriga do doente parecia de um
defunto. Septicemia, grave. Pediu os exames que deveriam ter sido feitos, e a
enfermeira disse que não havia exames!
“Quero os exames.... (uma porção deles) prontos em meia hora.
Chame o anestesista, porque vamos ter que operar já. Depois virou-se para mim e
disse: “Eu não toco neste doente sem que o médico dele esteja aqui. Porque se
ele morrer durante a operação ele é quem vai assumir a culpa.”
Sai um batalhão de gente à procura desse coimbrão. A sala de
operações pronta: cirurgião, anestesista, auxiliares, e nada de começar.
O dr. coimbrão avisado da gravidade do caso em vez de ir ver
o doente foi ver o futebol! A Académica jogava nesse dia em Luanda contra um
clube de Luanda.
Um colega da Cuca descobriu-o ali, agarrou-o por um braço e
levou-o para a clínica. Mal entrou puseram-lhe uma máscara, o cirurgião
mandou-o ficar num canto, quieto, dizendo-lhe que se acontecesse alguma coisa
ele iria ser responsabilizado.
Demorou uma hora a operação e quem estava lá, como a esposa
do Dias, e mais dois colegas da Cuca, num total silêncio. Por fim o médico que
o operou sai, chama-me e diz: “Se tivesse sido feito na hora, era uma facadinha
e dois pontos. Assim tivemos que cortar um pouco do intestino, limpar tudo, e
agora as primeiras 48 horas são fundamentais. Se as vencer pode ser que se
recomponha.
Vivemos essas horas num sobressalto. Passadas, o médico volta
a dizer que fica mais uma semana na clínica e se tudo correr bem poderá ir para
casa!
Santo Deus! Que alívio. O Dias estava fora de perigo. A
mulher chorava de comoção e eu consegui seguir para Nova Lisboa.
***
Histórias alegres
2.- O telegrama
Lá por volta do
final dos anos 40 ou 50 do finado século XX, foi quando Portugal reparou que
tinha territórios excepcionais no ultramar, e começou devagarinho, e a medo, a
abrir as portas à “emigração” sobretudo para Angola e Moçambique.
Chamar emigração
dentro do mesmo país...
Há absurdos na
história que, hoje contados, as pessoas pensam que é mentira, como por exemplo
ser necessário para ir para Angola, uma “Carta de chamada”, obrigando-se o
“chamador” – empresa – a responsabilizar-se por devolver o cidadão à metrópole
em caso de... nem se sabe mais do que!
São histórias que
pertencem não ao século findo, mas na verdade aos séculos muito passados!
Vale contar duas
historinhas:
- Um jovem português
sai do pátrio lar e decide ir para Angola. Os pais, chorosos pedem-lhe
insistentemente que assim que lá chegue dê notícias. África ainda era o
continente onde cobras e leões se passeavam nas ruas das pequenas cidades, as
doenças tropicais grassavam e matavam sem que o doente disso se apercebesse, e
o terror ficava na família que, junto à lareira, chorava de saudades à espera
de notícias.
O emigrante, a quem
chamaremos Nuno (porque precisa de um nome) nunca mais disse nada, e os pais
sofriam. A todos os conhecidos e até desconhecidos que iam para aquela terra
pediam, pelo amor de Deus e dos anjos, que lhes dessem notícias do filho e,
sobretudo, que lhe pedissem para escrever aos pais.
Os portadores dessa
incumbência se encontravam ou não o “fugitivo” também pouco ou nada diziam, mas
alguns insistiam: “Deixa de ser preguiçoso. Escreve aos teus pais. Estão a
ficar velhotes e sofrem muito com a falta de notícias.”
Nuno dizia a tudo
que sim, que tinham razão e iria escrever. Mas... nada.
Um dia, depois de
muito instado, Nuno tomou uma atitude heroica, apesar de passados já uns três
ou quatro anos depois que chegara a Luanda.
Foi aos correios e
mandou um telegrama aos pais:
- CHEGUEI
BEM STOP NUNO.
***
3.-
O casamento
Outro
emigrante, mais ou menos da mesma época. Os pais menos preocupados com o
recebimento de notícias, mas com o ambiente que o filho iria encontrar,
advertiam:
-
Meu filho, quando começares a ver que as mulheres negras afinal não são tão
escuras, toma cuidado.
-
Meu pai, não precisa se preocupar. Vejo muito bem e jamais irei confundir as
cores das peles.
Não
passou muito tempo, mas como o Nuno, André, o novo personagem, também não era
dado a escritas.
Recebe
uma carta do pai que volta a aconselhá-lo que tomasse atenção ao olhar para as
mulheres, e... “se vires que estão a ficar mais claras...”
André
encheu-se de coragem e respondeu:
“Pai:
não precisas ficar preocupado comigo. Sei muito bem distinguir o que me
pretendes avisar. Quando aqui cheguei vi milhares de mulheres negras, por todo
o lado, o que muito me impressionou. Mas não sei o que passou nesta terra
porque desde há algum tempo que não vejo a não ser uma ou outra bem velhinha.
De resto, podem não ser louras, mas não encontro mais mulheres negras. Todas
têm uma pele linda, clara, muito mais bonita que as trigueiras dessa nossa
terra.
E
olha pai: já estou casado com uma linda senhora desta terra, tenho um filho, e
vivo entusiasmado, para não dizer excitado ao ver todas as outras com quem me
cruzo nas ruas, ou encontro nas lojas.”
Era
assim.... em Angola.
8
/ 09 / 2016
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