Continuação
das “Cartas do Brasil de 1999”
A CULPA AINDA
É
DOS
PORTUGUESES ?
Uma carta deve ser curta e sucinta. Mas escrever bem
assim... só Camilo. Desculpem-me se por vezes me alongo. Para evitar a
monotonia, vou insistir, aos poucos, contando impressões desta terra de Vera
Cruz (ou será hoje Ver a Cruz?) que acabou com o nome dum pau, o bresile, que os franceses daqui levavam,
e era importante para tingir de vermelho! Imaginem quanto valia, já naquele
tempo, princípio do séc. XVI, a cor vermelha, que se impôs à Cruz! A túnica de
Cristo seria vermelha, o Benfica também se vai impondo em alternância com o
azul às riscas, e durante muito tempo, quem pontificou foram os adeptos,
filosóficos, do PCP. Enfim, o Brasil acabou com o nome de um pau.
Mas hoje quero falar de outra coisa.
Vamos ao tema de hoje: o choro dos brasileiros em não terem sido colonizados por ingleses ou
irlandeses, como aconteceu com a América do Norte. Agora, pensem bem: um
inglês, num clima tropical bruto, cheio de mosquitos e cobras, sem arenque ou
bacalhau e sem trigo, bebendo vinho de açaí e fritando peixe de rio em óleo de
babaçu! Morria. O português, que come até tripas - as do Porto são uma delícia
- aguentou. Fez das tripas coração!
O Brasil não tinha trigo, nem pesca como bacalhau.
Portugal, território piquinininho e
pobre, também não, mas assim que os Corte Real descobriram a Terra Nova e os seus bancos pesqueiros, começou a
pescar naquelas águas longínquas. Naquele tempo, pescar na Terra Nova, levar
para Portugal, preparar e depois transportar o bacalhau para o Brasil, tinha um
custo enorme. Mas vinha. Os primeiros colonos tiveram que se adaptar a um outro
tipo de alimentação, mais fraca e de inferior qualidade, como por exemplo os
pães feitos de farinha de mandioca. Os ingleses, lá no norte, encontraram ainda
melhores condições do que na sua terra para a produção de trigo e criação de
gado, e tinham o peixe à porta, além de um clima magnífico. Se o Brasil fosse
assim tão bom, os nossos velhos aliados
tinham-nos roubado também a terra. Face a esta dureza limitaram-se a ficar só
com o ouro!
Creio que a única vantagem dos ingleses sobre os
portugueses foi a inexistência da famigerada Inquisição, que não deixava
ninguém evidenciar-se, nem o Padre António Vieira! Em compensação perseguiram
os católicos!
Quando mais tarde veio a Revolução Industrial, a nobreza de caráter dos ingleses, não
tendo mercados suficientes para os seus produtos, impôs ao mundo a abolição da
escravatura, o que foi uma muito bem planejada operação de marketing.
Entretanto construíram máquinas, navios a vapor, e vá, de cima da sua
supremacia (estou a pensar nos Estados Unidos e no Iraque, agora) de dar
bordoada nos portugueses e nos brasileiros, aprisionando lhes navios negreiros,
e não só, a bem da humanidade. Os
navios apreendidos, inclusive dentro das nossas águas territoriais, e até dentro
dos portos brasileiros, mesmo depois do Brasil se ter tornado independente,
nação soberana, eram vendidos em Inglaterra em hasta pública, por preços
incrivelmente baixos, entre amigos. Trocavam
bandeira e, com o maior descaramento vinham depois, nos navios que nos roubaram, aqui vender as suas
manufaturas. Uns caras muito legais que, até hoje, sobretudo os baianos, não
suportam!
O século XIX foi sofrido no Brasil. A luta pela
independência, a luta pela abolição da escravatura, a sanguessuga inglesa,
muito pior do que o colonialismo, e a luta pela industrialização, para o que
lhe faltava, além de técnicos, o carvão de pedra, combustível essencial. Só
tinha, nalgumas regiões, turfa, pobre.
Quando o homem de maior visão industrial que até
hoje teve este país, o Visconde de Mauá, estava desenvolvendo em ritmo
fantástico a indústria pesada, os caminhos de ferro e a banca, a inveja -
sempre a mesma miséria - acabou concedendo, uma vez mais privilégios especiais
aos ingleses em detrimento da emergente indústria nacional, que o obrigaram a
falir! E assim se atrasou o desenvolvimento do Brasil por mais de meio século.
Claro que os portugueses nada tiveram com isso, a
não ser pelo simples fato de serem antepassados do grande Visconde de Mauá e
também dos invejosos. O trivial!
Hoje o Brasil não precisa mais de carvão de pedra.
Tem energia elétrica, mas precisa de petróleo, porque o que sai do seu subsolo
é de fraca qualidade. Desenvolveu, para suprir um pouco o enorme gasto de
divisas com a sua importação, um combustível próprio, o álcool da cana, energia
renovável, de altíssima qualidade, mas que os governos teimam em olhar para ele
como corrente alterna: apoiam - esquecem
- apoiam - esquecem, e assim as fábricas de automóveis que chegaram a
produzir 90% de carros a álcool, hoje, pela insegurança na produção deste
combustível, quase não os fabricam porque ninguém mais os quer.
Bacalhau, continua a vir da Noruega, já que a época
gloriosa do bacalhau do Porto, que começou nos primeiros anos de quinhentos
agonizou com o fim dos lindíssimos lugres de três e quatro mastros. Assim mesmo
o bacalhau de melhor qualidade, aqui, é chamado de bacalhau do Porto, mas creio
que nem o próprio peixe sabe onde fica essa simpática cidade (foi lá que
nasci!).
Mas no fim de contas o mais curioso é que, quem se
afasta de Portugal não são os brasileiros. São os portugueses. Aqui podem
inventar, e como inventam, nomes próprios: Edvanildo, Norival, Miquetiçon, Sosígenes,
Jociléia, Defuntina, Ambrísia, Vélintom (isso mesmo, Vélintom) mas continuam a
ter como sobrenomes Silva, Ferreira, Sousa, Pereira, Castro, etc. Em Portugal
mantêm-se os João, José, Manuel e Joaquim e Marias, mas os sobrenomes passaram
a ser Alface, Repolho, Bezerra, Milho, Lagarto, Melancia e outros alimentos sem
esquecer os Nabos.
Aqui, dos primeiros damos risada, e os segundos
comemos. Equilibra!
Jornal
“O Dia” - 31/05/99
*****
E BELEZA,
O QUE É ?
O conceito de beleza é algo que só por diletantismo
se pode discutir. Por muito valor que o mundo posso atribuir a um quadro de
Picasso, eu só tenho pena de não ter um deles por causa do seu valor traduzido
em fidúcia. Porque de resto, que me perdoem os estetas e professores das artes
belas, mas a “Cabeça de Mulher” é um aleijão muito pior do que as melhores
representações de Quasímodo, assim como “O Clarinete e a Garrafa de Rum” de
Braque só ficou belo depois de ter o rum entornado. Mas há gosto
para tudo e, neste mundo “O Rei continua Nu”! Ai de quem disser que não gosta.
Esta coisa de racismo é um fenômeno que, quer se
queira ou não, é genético, e a quase totalidade das pessoas, de qualquer raça e
cor de pele, tem um fundo rácico, do qual, por muito que lutem contra, não
conseguem desligar-se totalmente. Inclusive porque a sociedade não deixa.
Se um/a branco/a casa com um/a preto/a, podendo se
amar e querer doidamente, no seu subconsciente surge, por exemplo, o problema
dos filhos, que sendo mestiços vão enfrentar uma sociedade que não os aceita
indiferentemente. Todos sabemos que, regra geral, um indivíduo de pele escura
tem ainda muito mais dificuldade em progredir profissionalmente do que outro
loirão, de olhos azuis, a menos que este seja mesmo uma besta! Mas de nível
profissional igual...
Nota-se, hoje em dia um esforço grande, evidenciado
por parte dos americanos, em querer mostrar ao mundo que, também lá nos USA, está tudo
bem! Os filmes têm quase sempre generais e almirantes escurões, e até para
cúmulo do caricato, oficiais do exército confederado durante a Guerra Civil
Americana, mas todos sabemos que a realidade é outra!
Isto vinha a propósito de beleza e seus conceitos,
e, nalguns aspetos os portugueses deram provas, ao percorrerem os Sete Mares, que, em se tratando de
mulheres, a diferença, sobretudo à noite, luz apagada, quando mais escura fosse
a pele, mais sedosa ela se apresentava! Era beleza por apalpação! Durante o dia
era bem possível que os seus olhos se hipnotizassem mais depressa por um rosto
claro, cabelo louro e olhos azuis. Natural. Genético. Mas à noite, ou lusco
fusco...
Mais tarde vieram os concursos de beleza, feminina.
E nestes aparecem mulheres lindíssimas de todas as cores, etnias, origens, mas,
pelo menos eu, que sou bastante incrédulo, não acredito muito no julgamento dos
jurados, porque apesar de crescer a tendência, política, de valorizar as gentes
até há pouco ignoradas, a verdade é que é difícil a um europeu julgar a beleza
africana, pelos padrões que os africanos a vêm, o mesmo se passando com
indianos, chineses, etc.
Assim, esquecendo as características próprias de
cada um, conceituam-se e classificam-se os outros através de olhos europeus.
Quem ganha com isso são as mestiças. Para os olhos
dos brancos elas passam a ter tudo que é bom! Formas mais arredondadas, sem
exagero, pele mais macia, olhos mais amendoados, que tudo no conjunto lhe dá um
toque de exotismo especial.
No entanto se o mesmo concurso de beleza acontecesse
lá, lá, longe da influência de estranhos, o resultado seria possivelmente
outro.
Aqui, por estas terras, onde os matizes não têm
fronteiras, e a mistura continua em progresso, encontram-se representantes de
todos os tipos, desde os mais exóticos e originais. Gente de pele negra e
feições arianas, outros no lado oposto. E o que é mais bonito? Lábios finos ou
grossos? Lembram-se quando apareceu a Brigitte Bardot? Porquê ela fez tanto
sucesso? Claro que tinha um corpo escultural, mas o que a destacou das outras
concorrentes da época, foram as beiças grossas!
O europeu gosta de nariz fino e beiça gorda! E o
africano? Nariz e beiça gorda. Qual está certo? E o persa não gostará do nariz
comprido, assim como o chinês do olhinho quase fechado? E que tal as beiças
furadas com um osso enfiado? E o osso a atravessar o nariz?
A fome de
mulheres que traziam os marinheiros de Cabral quando aqui chegaram e viram as
nativas, serenas, despidas, físicos saudáveis, foi suficiente para que o Pero
Vaz não hesitasse em mandar dizer à sua majestade que ...as moças, eram bem moças e
bem jentijs com cabelos mujto pretos pelas espadoas.... Todos temos a
certeza que naquelas circunstâncias ninguém se preocupou com conceitos de
beleza. As moças eram gentis¸ e isso
era já uma dádiva divina.
Como se tudo o resto não o fosse também. Apesar de
eu não estar muito de acordo com outros conceitos tradicionais, como por
exemplo que tudo o que existe sobre a
Terra foi criado para servir o homem, acredito, sim, que tudo o que nos
rodeia é uma dádiva divina, seja qual for a classificação de beleza que lhe
queiram atribuir.
Podemos, às vezes com facilidade, classificar a
beleza de lugares neste mundo, não deixando que alguém ponha em causa que em
beleza natural o Rio de Janeiro vem em primeiro lugar, as praias do Nordeste do
Brasil pedem meças às do Caribe e das ilhas do Pacífico, a Amazônia não tem
concorrente, e, sem falar em música, brasileira claro está, que fica para uma
das próximas Cartas, pode-se até dizer que a caipirinha é uma das maiores
invenções do homem depois da roda.
E ainda, sem perigo de sermos contrariados, afirmar
que tem mulatas no Brasil que são das mulheres mais lindas do mundo, assim como
tem africanas e arianas. Tem também orientais, em menor número, mas do mesmo
padrão, mas eu, mais uma vez me atrevo a garantir que mesmo as que não têm
beleza concursável no físico, têm uma beleza, hors concours, por dentro.
É isso aí.
Se era assim
em 1999, hoje... continua assim!