Moçambique
Os Uaque-Uaques
Povos da
Proto-História
Os Uaque-Uaques aparecem pela primeira vez na
Idade Média citados por autores árabes, seus contemporâneos, como al-Masudi (Abul Hasan Ali Ibn Husain
Ibn Ali Al-Masudi, 888-957),
al-Edrisi (Abu Abdullah Muhammad
al-Idrisi, 1110-1165), e outros, referindo-se já a povos que habitavam
nas terras que hoje são o Norte de Moçambique, antes dos bantos ali chegarem.
Os Uaque-Uaques ou Pré-Bantos, correspondem
na atualidade aos Koisan, que habitam na Namíbia e Sul de Angola, nos grupos de
Bosquímanos e Hotentotes.
As primeiras indicações destes povos aparecem
já em Homero, 1.000 a.C., e Hecateu de Mileto, 546-480
a.C., como habitando o Alto Egito, a quem chamavam pigmeus e diziam que
habitavam em cavernas e tinham combates com os grous!
Planisfério de Heucateu de Mileto, séc. V a.C. – restituição
de A Forbiguer 1842
Notar, no sul: Pygmaen e Skiapodes (o mito dos homens só com
uma perno e um olho no peito)
Nos princípios da era cristã
começa a migração dos povos Bantos para o Sul, que já dominavam a tecnologia do
ferro, foram exterminando os mais fracos e, em muitos casos cruzando com eles
porque só poupariam as mulheres jovens, mas os portugueses nas primeiras
viagens à costa oriental ainda os encontraram.
Este etnónimo, Uaque-Uaque,
é onomatopeico em referência aos “cliques” ou estalidos com a língua, o seu modo
de falarem, em muitos casos ainda hoje, e era usado pelos bantos que achavam
estes “grunhidos” semelhantes aos dos babuínos.
Al-Idrisi: “Estes horríveis aborígenes, cujo modo de
falar lembra assobios, habitavam a região à volta de Sofala.”
Al-Masudi, no século X, ao
tratar dos Mocarangas, de uma forma confusa fala de um povo seu vizinho com “ausência de atos de inteligência”.
Frei
João dos Santos (1570-1625) no livro Etiópia Oriental (1609) escreve sobre os
Mocarangas: “Manamotapa e
todos os seus vassalos são Mocarangas, nome que têm por habitar as terras do
Mocaranga, e falarem a linguagem chamada Mocaranga, a qual é a melhor e mais
polida de todas as línguas de cafres que tenho visto n’esta Ethiopia, porque
tem mais brandura, melhor modo de falar; e assim como os Mouros de África e de
Arábia falam de papo que parece que vomitam, e arrancam as palavras da garganta,
assim pelo contrário estes Mocarangas falam e pronunciam as palavras com a
ponta da língua e beiços, de tal maneira que muitos vocábulos dizem quase
assobiando, no que tem muita graça, como eu vi algumas vezes falar os cafres da
corte de Quiteve e do Manamotapa, onde se fala o mocaranga mais polidamente. O
seu modo de falar é por metáforas e comparações mui próprias e trazidas a
propósito e interesse, em que todo o seu intento se resolve.”
Desde o século XVI que os portugueses contataram estes
povos, sempre fazendo a distinção entre os de cor parda e pequena estatura e os
bantos, a que chamavam cafres, de cor negra e corpo grande e forte.
Cafre, como é sabido foi o nome dado pelos muçulmanos
a todos os infiéis, kafir, que viviam
nas regiões onde o Islão não chegou.
António Fernandes, 1514-15, que os encontrou nas suas
viagens pelo interior, a caminho do famosos Monomopata: “O Rei de Mombara está a sete dias de jornada deste Monomotapa... estes
homens são mal proporcionados, não são muito negros e têm rabos como de
carneiro. Estes dos rabos de carneiro adoravam as vacas. Se algum deles morre,
comem-no e enterram uma vaca. E quanto mais um negro for preto mais dinheiro
dão por ele, para o comerem, e dizem que a carne dos brancos é mais salgada que
a dos pretos. ... gente que não é muito negra porém tem cabelo como os da
Guiné, e os dos rabos que adoravam vacas e comem humanos são mais baços que
estes.”
“Rabos de carneiro” é o que hoje se chama a
esteatopigia, que não é exclusiva de alguns povos africanos, como se pode
demonstrar:
António Fernandes nas suas viagens encontrou
Bosquímanos ou Hotentotes, como o seu gado, e ainda com os seus costumes,
incluindo a antropofagia.
Apesar de tudo, esta gente, avessa à civilização,
deixou-nos demonstrações artísticas de grande valor como são as pinturas
rupestres, muitas das quais em Moçambique: Monte Chinhampere, ao Sul de Vila
Pery, Vumba (Manica e Sofala), Nalelepia, Chifumbuzi (a norte de Cahora Bassa) e
outras, que ninguém sabe quando foram feitas.
Pinturas
rupestres do Monte Chinhampere
Há muitas evidências dos Uaque-Uaques. Primeiro o
primitivo nome do Rio dos Bons Sinais a quem os nativos chamavam Quá-Quá;
depois o nome do maior grupo do norte de Moçambique os Macuas, sabendo que o
prefixo Ma indica o plural, temos
Ma-cuá; os Mucuancala e Mucuazama, no sul de Angola, e mais
evidente ainda o grupo Macuácua, povo do Sul do Save, em Moçambique, as regiões de Gaza e Chibuto e
outras mais.
Até eu guardo com muito cuidado um quadro que me liga
a este povo e do qual já escrevi em 9 de Dezembro de 2010: É de um pintor L. Makwakwa. (o L. parece que
seria Lourinho, de acordo com informações posteriormente recebidas do Hotel
Universo, em Maputo, como se pode ver em http://hoteluniverso.wordpress.com/2011/09/04/wall-by-makwakwa
Este Makwakwa, grande artista, sempre
andou metido em confusões, não tanto políticas, mas bebedeiras, brigas, e até
drogas.
A pintura dele é rica, intensa, marcadamente
moçambicana. Como não sou crítico de arte não posso afirmar que seja da escola
do mestre Malangatana, mas a verdade é que parece ter sido este o percursor de
um estilo que distingue, ao primeiro olhar, o artista moçambicano de qualquer
um de outro país africano.
Fomos visitar a sua exposição e o quadro que mais agradou foi este, o
maior, que dominava a sala. Estive algum tempo a apreciá-lo até que o artista
me veio explicar o seu significado: a Ceia de Cristo, vista por olhos
africanos. Uma reunião entre um Grande Chefe e os seus doze seguidores, onde
sempre se bebe muito, e In Vino Veritas, é grande a alegria e animação de uns e
prostração de outros.
Um dos presentes, depois de ter bebido por uma cabaça o vinho, ali
configurado como fazendo parte do corpo do Grande Feiticeiro, e com um gesto de
falsa amizade, e ter colocado a mão no Seu ombro, acaba repudiando a cabaça que
está a cair-lhe da mão! Os outros seguidores, tal como rezam os Evangelhos, são
uns mais tranquilos, outros mais irrequietos, mas sente-se um misto de animação
e até admiração, reações que o vinho dá a cada um.
Nota: Não há dúvida que,
etimologicamente, eu também sou um “cafre”!
08/07/2016
Nenhum comentário:
Postar um comentário