MOÇAMBIQUE
INHAMBANE
PRAÇA DE NOSSA SENHORA DA CONCEIÇÃO
E FORTE DE S. JOÃO DA BOA VISTA
Possui
a Câmara Municipal de Inhambane uma cópia da "Planta da Fortificação de
Inhambane 1821", que se reproduz neste apontamento. É do tempo do
Governador Isidro Manuel de Carrezede, no cargo 1820 a 1825. Esta fortificação,
diz respeito à praça de Nossa Senhora da Conceição, que era situada onde se
encontram hoje os edifícios que instalam os Serviços da Administração do
Concelho, o Governo do Distrito, os Serviços de Fazenda e a Capitania do Porto
com suas oficinas. A Igreja, que aparece na planta da fortificação, é a mesma
actual, depois da grande alteração que sofreu com os trabalhos de ampliação e
construção da torre, trabalhos esses concluídos em Novembro de 1867 e começados
em Junho de 1864.
O
Forte de S. João da Boa Vista era situado num morro de areia, atrás do actual
cemitério e do Hospital Regional, morro esse, desapareceu, por de lá se terem
retirado muitas terras para todos os aterros de pântanos que, durante muitos
anos se fizeram em Inhambane, e que em muito, vieram, beneficiar o estado
sanitário da localidade.
"Por volta de 1760,
tinha Inhambane um recinto defendido por estacaria, que podendo proporcionar
abrigo contra os cafres, tinha pouca utilidade contra outro qualquer inimigo, e
era guarnecido de 20 homens, comandados por um capitão".
António
Guedes Monteiro de Matos que foi Capitão-mór de Inhambane, entre 1759 e 1763,
achou a estacada em grande estado de ruína e as peças de artilharia numa
incapacidade quase total. Isso o levou a escolher para edificar outra
fortificação "um local próximo da
Vila, donde se descobria a barra e que a este importante predicado reunia o de
ter água boa e abundante, chão fértil e fartura de pedra para a
construção". Mas não se devia ter construído nada, pois o Governador
António José de Melo, descreve com cores negras, em 1765, o estado em que se
encontrava a guarnição e a palissada.
Em
1854, houve um grande incêndio, tendo ardido grande parte da Praça, a Igreja e
muitas casas. De notar, que em 1853, Inhambane tinha 20 casas de pedra e cal,
27 de madeira, 81 sombreiros e 1350 palhotas, pertencentes aos nativos e tudo
constituía 1470 fogos.
Em
1863, a 16 de Janeiro, a praça de Nossa Senhora da Conceição, é assim descrita
pelo Governador de Inhambane, Major Guilherme Frederico de Portugal e
Vasconcelos :
"A praça de Inhambane
tem na frente para o mar (poente) huma bateria de 73 metros de comprimento e de
3 de altura que está completamente dominada pelas cazas mais próximas e das
ruas que tem do N ao Sul quatro espingardas à queima roupa impedem que os
artilheiros facão uso das peças. Pela parte Sul he hum comprido e velho muro
onde existe a porta principal da entrada, da bateria citada, a porta tem por
dentro huns cazebres cobertos de palha que se vê de fora e que se servem de
calabouço da Companhia, quartel do condestável, arrecadação do material e de
caza da guarda. Da parte para o nascente segue o mesmo muro, tem por dentro hum
paiol completamente arruinado hum barracão de palha meio queimado que serve
para arrecadação e trabalharem os carpinteiros do Estado, ao fim deste muro ha
huma couza a que o meu antecessor alcunhou de baluarte e que além de também
estar completamente dominado por huma rua e que lhe passa ao Norte o está por
todas as cazas próximas, e artilharia ali collocada não pode ser aplicável a
não ser para derribar as cazas da Villa. Pelo Nascente segue-se hum igual muro
com huma porta falça para a Praça, serventia particular dos Governadores que
habitão dentro, e no fim deste muro fazendo semetria com o referido baluarte he
a Igreja Parochial por onde a Praça pode ser invadida sem obstáculo. Pela parte
do Norte segue-se a parede da Igreja e depois hum velho muro de differentes
alturas que vai fechar com a bateria do mar. Dentro desta Praça ha um barracão
coberto de palha que he a Alfândega e por consequência durante as horas que
está aberta he franca a entrada na Praça e ha dois cazebres idem que servem de
arrecadação da Companhia e quarto de escripturação da mesma, ha dois outros
cazebres que hum serve de prizão dos Gallés e outro de Thesouraria do
Almoxarifado que pelos objectos que vende, impressos e papel sellado, torna a
praça franca. Ha huma cazinhola pessimamente collocada a que se chama
residência do Governador do Destricto tem huma caza de entrada captiva, porque
em hum quarto a direita he a Secretaria da Praça em outro à esquerda a do
Governador ficando para habitação do governador do destricto huma dispença dois
quartos e huma pequena salla, tendo que estar sempre em contacto com os
soldados e gallés ou privado de se aproximar de alguma janella e tendo que
dormir o Official do Estado Maior na caza de entrada e por consequência as ordenanças
na rua, motivo porque aluguei caza fora sobrecarregando-me "com a despeza
de nove pezos mensais para sustentar o decoro e independência com que deve
viver a primeira auctoridade do Destricto, despeza que continuarei a fazer por
minha conta se V. Exa. não achar justo que me seja abonado pela Junta da
Fazenda da Província.
"Passei a vizitar hum
monte de área acessível por toda a parte com huma palhota no meio hum quadrado
de meia braça de pedra e cal com um páo de bandeira espetado e seis peças d'artilharia
e que ha séculos (sic) se chama Forte de S. João da Boa Vista. Aqui tem V. Exa.
a exacta descripção das duas fortalezas desta boa Villa.
-"Em vista disto e dos
poucos fundos pecuniários com que me achava e sem autorização para os desviar
da sua marcada aplicação vi que só me restava hum recurso para alguma couza
fazer para satisfazer o meu génio trabalhador e melhorar este Destricto.
Mandei chamar o Digno Comandante das terras João Loforte e satisfazendo a sua
requisição de doze picaretas o encarreguei de mandar fazer hum grande corte de
pedra o que elle satifez com aquelle zello e promptidão com que se tem prestado
a todos os mais serviços de que o tenho encarregado e que o torna digno da
honra de estar na lembrança de V. Exa. pelos seus bons serviços. Tratei de
grangear a sympathia dos meus governados fazendo-lhes ver que o meu programa
governativo era igualdade, lei e justiça e logo que conheci poder contar com o
auxílio d'elles dirigi-me ao sitio em S. João da Boa Vista, bella pozição para defesa
desta villa marquei os alicerces que immeditamente fiz abrir e dirigi aos
habitantes numa Circular pedindo-lhes que me auxiliassem com as suas lanchas
para me conduzirem a pedra preciza para fazer em S. João da Boa Vista huma fortaleza
regular para defeza da Villa ao que se promptificarão com a melhor vontade
offerecendo-me logo o mencionado Commandante das terras da Coroa João Loforte
quarenta barcadas de pedra que tinha no seu quintal e pedindo-me licença para
elle fornecer com as suas lanchas toda a pedra preciza para o completo d'huma
das muralhas do Forte. O Cidadão Augusto Carlos dos Reys além de promptificar
as suas lanchas para a condução da pedra me offereceo para o mesmo fim 100
barricas de cal, com esta e huma grande porção que achei na praça do tempo do
meu antecessor comecei a obra collocando a primeira pedra no alicerce no dia 3
de Setembro de 1862. Mandei logo fazer três grandes fornos de cal, hum no sitio
da Burra, na Machiche e em Linga-Linga e desta maneira tenho conseguuido ter hoje
as quatro muralhas do forte concluídas no cumprimento cada huma de 48 metros e
de 7,1/2 de altura incluindo os alicerces que tem 2 metros e de largura 5
palmos, estou concluindo a escada que como he de aboboda de tijolo mais algum
tempo leva. Concluindo esta fortaleza para onde tenciono mudar os gallés e o
paiol e não tendo esta grande obra custado á Fazenda Nacional mais que o jornal
do Colono mestre Pedreiro e que só a condução da pedra pela distancia a que se
vai buscar custaria huns poucos de contos de reis se fosse conduzida por conta
do Estado e por isso rogo a V. Exa. auctorizar-me para que em nome de V. Exa.
eu agradeça a estes dignos moradores a boa vontade com que prestarão e se
prestão a auxiliar-me e concluído o Forte de S. João da Boa Vista peço a V.
Exa. hum voto de confiança para reformar a Praça de Nossa Senhora da Conceição
aproveitando aquelle terreno fazendo uma boa Alfândega com portas independentes
da Praça, huma caza decente para o Governador do Destricto e hum bom quartel
para quando se formar o 3.° Batalhão, tudo isto sem prejudicar a Fazenda
Nacional e com os mesmos recursos com que tenho feito o Forte de S. João da Boa
Vista para que esta denominada Praça deixe de ser o escarneo de todo aquelle
que alguma couza saiba de fortificação".
Mais
tarde, nos princípios de 1875, o Forte de S. João da Boa Vista é descrito, na
"Noticia acerca dos edifícios e obras publicadas no Distrito de
Inhambane", da seguinte maneira:
"É situado em um alto a
pequena distancia ao Sul da Villa, o muro que o cerca é feito em quadrado,
tendo por face 47, "W"', só se acham construídas as faces do Norte e
Leste, tendo a altura do muro do lado N. 4,m85 c. e do lado de L. 3,
as faces dó Sul e Oeste estão apenas principiadas, a espessura dos muros é de 1
m; o seu estado de conservação é mau, porque nunca chegaram a ser rebocados e
já se acham rachados em duas partes, existem ali 4 peças de ferro montadas,
sendo 2 de calibre 9, uma de calibre 12 e uma de 18, ha mais duas peças
igualmente de ferro de calibre 3 que se acham apeadas; as quatro peças montadas
bem como os reparos estão em soffrivel estado de conservação; ha no forte uma
casa redonda de madeira rebocada de pedra e cal e cuberta de palha, que serve
de quartel de veteranos, no lado desta existe um pau para içar a bandeira
nacional mettido em um pequeno pedestal de pedra de cal. Foram as obras dos
muros deste forte feitas em 1862 a expensas dos habitantes do districto e
dirigidas pelo governo; a despeza feita pela fazenda publica foi
insignificante, apenas o fornecimento de ferramenta para os trabalhos."
Como
se verifica, o Governador Portugal e VasconceIIos, ao informar o Governo Geral
da construção do forte, declarou que o mesmo já tinha as quatro muralhas
concluídas, o que parece não ser verdade, conforme se constata pelo documento
que transcrevi, e pelo que, mais adeante se transcreve.
Mas,
também é verdade que, a população de Inhambane, agradecida pela obra do mesmo
Governador, fez um abaixo assinado que lhe enviou, a 20 de Julho de Ï863, "querendo dar um testemunho de gratidão
pelo Governo que adminitrou este districto, e pela boa justiça que fez sem
fazer differença de classe ou religião nem cathegorias, fazendo sempre igual
justiça;o modo como procurou fazer a prosperidade d'este districto já fazendo
obras que nunca nenhum Governador tem feito como foi a do forte de S. João da
Boa Vista que d'um morro d'área acessível, por todos os lados, hoje se acha com
boas muralhas, ainda que não concluídas, pouco lhe resta, e que já pode servir
para a defeza da Villa" .
Parece
incompreensível é que, 14 anos depois, a Câmara Municipal, enviasse ao Governador
do Distrito o seguinte ofício :
"Ilmo. Exmo.
Snr.
Existem quasi no centro
desta Villa pelo lado do Sul, no alto de Sam
João da Boa Vista, umas muralhas, derrocadas e abertas nos angolos, sem
importância nenhuma militar que se dominarão
Forte de Sam João — em épocas remotas, quando a Villa não passava da
lagoa Inhampossa, servio aquelle monte de defesa avansada da Villa e n'ella
havião algumas peças d'artilharia e uma guarda, sendo guarnecido em occaziões
de guerra pelos moradores, hoje de nada serve por estar cercado de plantações e
arvoredos e no centro da povoação, as muralhas informes e por acabar foram
principiadas pelo Governador Portugal
e á expensas dos moradores deste município que liberalmente deram pedra,
a cal e os obreiros — nunca se acabarão, porque o sucessor deste conhecendo o
mal construído da obra e a pouca importância estratégica que ella teria mesmo
que se concluísse, abandonou-a assim tem estado até hoje, deteriorando-se de
dia a dia. O material também nos parece pouco aproveitável para novas
construções; esta Câmara com muitos bons desejos de continuar a empedrar e
macadanizar as ruas do Concelho faltão-lhe como V. Exa. bem sabe os meios, não
a vontade; esta Câmara pede a V. Exa.
lhe conceda aquellas velhas muralhas, para as demolir e aproveitar o material
para as ruas, única coiza para que pode servir no que V. Exa. prestava
um grande serviço a este Município. Deus Guarde a V. Exa. Inhambane, 26 de
Septembro de 1877.- Ilmo. Exmo. Snr. Governador do Districto
(assinados) João Loforte,
Prezidente da Câmara - Frederico Leal de Souza, Vice-Presindente - Joaquim
Augusto Guimarães, António Pascoal Pinto e Egas Corrêa Mascarenhas
Arouca."
Como
se constata, era presidente da Câmara, João Loforte, que generosamente
ofertara "quarenta barcadas de pedra e o transporte de toda a pedra
preciza para o completo d'huma das muralhas do Forte", uns tantos anos
atrás. Infelizmente, o pedido foi deferido, pelo Governador Geral, conforme se
verifica pelo seguinte ofício:
""Ilmo. Snr.
Tendo V. Sra pedido para que
lhe fosse concedida a pedra do Forte
de Sam João da Boa Vista, para o empedramento das ruas desta, cumpre-me
participar-lhe que por determinação de Sua Exa o Governador Geral pode V. Sra. utilisar-se da mesma pedra para
o indicado fim — Deus Guarde a V. Sra. — Secretaria do Governo do
Districto de Inhambane, 21 de Janeiro de 1878 (assignado) o Governador António
Maria Cardoso — Tenente d'Armada."
E,
assim desapareceu algo, que hoje seria uma relíquia nesta linda terra de
Inhambane.
Pesquisado na revista “Documenta”, Nr 4 – Moçambique – 1968
- Dr. Armando Maria Dionísio
Julho/2016
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