domingo, 24 de julho de 2016

MOÇAMBIQUE

INHAMBANE

PRAÇA DE NOSSA SENHORA DA CONCEIÇÃO

E FORTE DE S. JOÃO DA BOA VISTA

Possui a Câmara Municipal de Inham­bane uma cópia da "Planta da Fortificação de Inhambane 1821", que se reproduz neste apon­tamento. É do tempo do Governador Isidro Manuel de Carrezede, no cargo 1820 a 1825. Esta fortificação, diz respeito à praça de Nossa Senhora da Conceição, que era situada onde se encontram hoje os edifícios que instalam os Serviços da Administração do Concelho, o Governo do Distrito, os Serviços de Fazenda e a Capitania do Porto com suas oficinas. A Igreja, que aparece na planta da fortificação, é a mesma actual, depois da grande alteração que sofreu com os trabalhos de ampliação e construção da torre, trabalhos esses concluídos em Novembro de 1867 e começados em Junho de 1864.                   
O Forte de S. João da Boa Vista era situado num morro de areia, atrás do actual cemitério e do Hospital Regional, morro esse, desapareceu, por de lá se terem retirado muitas terras para todos os aterros de pântanos que, durante muitos anos se fizeram em Inhambane, e que em muito, vieram, beneficiar o estado sanitário da localidade.
"Por volta de 1760, tinha Inhambane um recinto defendido por estacaria, que podendo proporcionar abrigo contra os cafres, tinha pouca utilidade contra outro qualquer inimigo, e era guarnecido de 20 homens, comandados por um capitão".
António Guedes Monteiro de Matos que foi Capitão-mór de Inhambane, entre 1759 e 1763, achou a estacada em grande estado de ruína e as peças de artilharia numa incapaci­dade quase total. Isso o levou a escolher para edificar outra fortificação "um local próximo da Vila, donde se descobria a barra e que a este importante predicado reunia o de ter água boa e abundante, chão fértil e fartura de pedra para a construção". Mas não se devia ter cons­truído nada, pois o Governador António José de Melo, descreve com cores negras, em 1765, o estado em que se encontrava a guarnição e a palissada.
Em 1854, houve um grande incêndio, tendo ardido grande parte da Praça, a Igreja e muitas casas. De notar, que em 1853, Inhambane tinha 20 casas de pedra e cal, 27 de madeira, 81 sombreiros e 1350 palhotas, pertencentes aos nati­vos e tudo constituía 1470 fogos.
Em 1863, a 16 de Janeiro, a praça de Nossa Senhora da Conceição, é assim descrita pelo Governador de Inhambane, Major Guilherme Frederico de Portugal e Vasconcelos :
"A praça de Inhambane tem na frente para o mar (poente) huma bateria de 73 metros de comprimento e de 3 de altura que está completamente dominada pelas cazas mais próxi­mas e das ruas que tem do N ao Sul quatro espingardas à queima roupa impedem que os artilheiros facão uso das peças. Pela parte Sul he hum comprido e velho muro onde existe a porta principal da entrada, da bateria citada, a porta tem por dentro huns cazebres cobertos de palha que se vê de fora e que se servem de calabouço da Companhia, quartel do condestável, arrecadação do material e de caza da guarda. Da parte para o nascente segue o mesmo muro, tem por dentro hum paiol completamente arruinado hum barracão de palha meio queimado que serve para arrecadação e trabalharem os carpinteiros do Estado, ao fim deste muro ha huma couza a que o meu ante­cessor alcunhou de baluarte e que além de também estar completamente dominado por huma rua e que lhe passa ao Norte o está por todas as cazas próximas, e artilharia ali collocada não pode ser aplicável a não ser para derribar as cazas da Villa. Pelo Nascente se­gue-se hum igual muro com huma porta falça para a Praça, serventia particular dos Gover­nadores que habitão dentro, e no fim deste muro fazendo semetria com o referido baluarte he a Igreja Parochial por onde a Praça pode ser invadida sem obstáculo. Pela parte do Norte segue-se a parede da Igreja e depois hum velho muro de differentes alturas que vai fechar com a bateria do mar. Dentro desta Praça ha um barracão coberto de palha que he a Alfândega e por consequência durante as horas que está aberta he franca a entrada na Praça e ha dois cazebres idem que servem de arrecadação da Companhia e quarto de escripturação da mesma, ha dois outros cazebres que hum serve de prizão dos Gallés e outro de Thesouraria do Almoxarifado que pelos objectos que vende, impressos e papel sellado, torna a praça franca. Ha huma cazinhola pessimamente collocada a que se chama residência do Governador do Destricto tem huma caza de entrada captiva, porque em hum quarto a direita he a Secretaria da Praça em outro à esquerda a do Governador ficando para habitação do governador do destricto huma dispença dois quartos e huma pequena salla, tendo que estar sempre em contacto com os soldados e gallés ou privado de se aproximar de alguma janella e tendo que dormir o Official do Estado Maior na caza de entrada e por consequência as ordenanças na rua, motivo porque aluguei caza fora sobrecarregando-me "com a despeza de nove pezos mensais para sustentar o decoro e independência com que deve viver a primeira auctoridade do Destricto, despeza que continuarei a fazer por minha conta se V. Exa. não achar justo que me seja abonado pela Junta da Fazenda da Província.
"Passei a vizitar hum monte de área aces­sível por toda a parte com huma palhota no meio hum quadrado de meia braça de pedra e cal com um páo de bandeira espetado e seis peças d'artilharia e que ha séculos (sic) se chama Forte de S. João da Boa Vista. Aqui tem V. Exa. a exacta descripção das duas for­talezas desta boa Villa.
-"Em vista disto e dos poucos fundos pecu­niários com que me achava e sem autorização para os desviar da sua marcada aplicação vi que só me restava hum recurso para alguma couza fazer para satisfazer o meu génio traba­lhador e melhorar este Destricto. Mandei cha­mar o Digno Comandante das terras João Loforte e satisfazendo a sua requisição de doze picaretas o encarreguei de mandar fazer hum grande corte de pedra o que elle satifez com aquelle zello e promptidão com que se tem prestado a todos os mais serviços de que o tenho encarregado e que o torna digno da honra de estar na lembrança de V. Exa. pelos seus bons serviços. Tratei de grangear a sympathia dos meus governados fazendo-lhes ver que o meu programa governativo era igualdade, lei e justiça e logo que conheci poder contar com o auxílio d'elles dirigi-me ao sitio em S. João da Boa Vista, bella pozição para defesa desta villa marquei os alicerces que immeditamente fiz abrir e dirigi aos habitantes numa Circular pedindo-lhes que me auxiliassem com as suas lanchas para me conduzirem a pedra preciza para fazer em S. João da Boa Vista huma for­taleza regular para defeza da Villa ao que se promptificarão com a melhor vontade offerecendo-me logo o mencionado Commandante das terras da Coroa João Loforte quarenta barcadas de pedra que tinha no seu quintal e pedindo-me licença para elle fornecer com as suas lanchas toda a pedra preciza para o com­pleto d'huma das muralhas do Forte. O Cidadão Augusto Carlos dos Reys além de promptificar as suas lanchas para a condução da pedra me offereceo para o mesmo fim 100 barricas de cal, com esta e huma grande porção que achei na praça do tempo do meu antecessor comecei a obra collocando a primeira pedra no alicerce no dia 3 de Setembro de 1862. Mandei logo fazer três grandes fornos de cal, hum no sitio da Burra, na Machiche e em Linga-Linga e desta maneira tenho conseguuido ter hoje as quatro muralhas do forte concluídas no cumprimento cada huma de 48 metros e de 7,1/2 de altura incluindo os alicerces que tem 2 metros e de largura 5 palmos, estou concluindo a escada que como he de aboboda de tijolo mais algum tempo leva. Concluindo esta fortaleza para onde tenciono mudar os gallés e o paiol e não tendo esta grande obra custado á Fazenda Nacional mais que o jornal do Colono mestre Pedreiro e que só a condução da pedra pela distancia a que se vai buscar custaria huns poucos de contos de reis se fosse conduzida por conta do Estado e por isso rogo a V. Exa. auctorizar-me para que em nome de V. Exa. eu agra­deça a estes dignos moradores a boa vontade com que prestarão e se prestão a auxiliar-me e concluído o Forte de S. João da Boa Vista peço a V. Exa. hum voto de confiança para reformar a Praça de Nossa Senhora da Con­ceição aproveitando aquelle terreno fazendo uma boa Alfândega com portas independentes da Praça, huma caza decente para o Governa­dor do Destricto e hum bom quartel para quando se formar o 3.° Batalhão, tudo isto sem preju­dicar a Fazenda Nacional e com os mesmos recursos com que tenho feito o Forte de S. João da Boa Vista para que esta denominada Praça deixe de ser o escarneo de todo aquelle que alguma couza saiba de fortificação".


Mais tarde, nos princípios de 1875, o Forte de S. João da Boa Vista é descrito, na "Noticia acerca dos edifícios e obras publicadas no Distrito de Inhambane", da seguinte maneira:
"É situado em um alto a pequena distancia ao Sul da Villa, o muro que o cerca é feito em quadrado, tendo por face 47, "W"', só se acham construídas as faces do Norte e Leste, tendo a altura do muro do lado N. 4,m85 c. e do lado de L. 3, as faces dó Sul e Oeste estão apenas principiadas, a espessura dos muros é de 1 m; o seu estado de conservação é mau, porque nunca chegaram a ser rebocados e já se acham rachados em duas partes, existem ali 4 peças de ferro montadas, sendo 2 de calibre 9, uma de calibre 12 e uma de 18, ha mais duas peças igualmente de ferro de calibre 3 que se acham apeadas; as quatro peças mon­tadas bem como os reparos estão em soffrivel estado de conservação; ha no forte uma casa redonda de madeira rebocada de pedra e cal e cuberta de palha, que serve de quartel de veteranos, no lado desta existe um pau para içar a bandeira nacional mettido em um pe­queno pedestal de pedra de cal. Foram as obras dos muros deste forte feitas em 1862 a expensas dos habitantes do districto e dirigidas pelo governo; a despeza feita pela fazenda publica foi insignificante, apenas o fornecimento de ferramenta para os trabalhos."
Como se verifica, o Governador Por­tugal e VasconceIIos, ao informar o Governo Geral da construção do forte, declarou que o mesmo já tinha as quatro muralhas concluídas, o que parece não ser verdade, conforme se constata pelo documento que transcrevi, e pelo que, mais adeante se transcreve.
Mas, também é verdade que, a população de Inhambane, agradecida pela obra do mesmo Governador, fez um abaixo assinado que lhe enviou, a 20 de Julho de Ï863, "querendo dar um testemunho de gratidão pelo Governo que adminitrou este districto, e pela boa justiça que fez sem fazer differença de classe ou reli­gião nem cathegorias, fazendo sempre igual justiça;o modo como procurou fazer a prosperidade d'este districto já fazendo obras que nunca nenhum Governador tem feito como foi a do forte de S. João da Boa Vista que d'um morro d'área acessível, por todos os lados, hoje se acha com boas muralhas, ainda que não concluídas, pouco lhe resta, e que já pode servir para a defeza da Villa" .
Parece incompreensível é que, 14 anos depois, a Câmara Municipal, enviasse ao Gover­nador do Distrito o seguinte ofício :
"Ilmo. Exmo. Snr.
Existem quasi no centro desta Villa pelo lado do Sul, no alto de Sam João da Boa Vista, umas muralhas, derrocadas e abertas nos angolos, sem importância nenhuma militar que se dominarão Forte de Sam João — em épocas remotas, quando a Villa não passava da lagoa Inhampossa, servio aquelle monte de defesa avansada da Villa e n'ella havião algumas peças d'artilharia e uma guarda, sendo guarnecido em occaziões de guerra pelos moradores, hoje de nada serve por estar cercado de plantações e arvoredos e no centro da povoação, as mura­lhas informes e por acabar foram principiadas pelo Governador Portugal e á expensas dos moradores deste município que liberalmente deram pedra, a cal e os obreiros — nunca se acabarão, porque o sucessor deste conhecendo o mal construído da obra e a pouca importância estratégica que ella teria mesmo que se con­cluísse, abandonou-a assim tem estado até hoje, deteriorando-se de dia a dia. O ma­terial também nos parece pouco aproveitável para novas construções; esta Câmara com muitos bons desejos de continuar a empedrar e macadanizar as ruas do Concelho faltão-lhe como V. Exa. bem sabe os meios, não a von­tade; esta Câmara pede a V. Exa. lhe con­ceda aquellas velhas muralhas, para as demolir e aproveitar o material para as ruas, única coiza para que pode servir no que V. Exa. pres­tava um grande serviço a este Município. Deus Guarde a V. Exa. Inhambane, 26 de Septembro de 1877.- Ilmo. Exmo. Snr. Governador do Districto
(assinados) João Loforte, Prezidente da Câmara - Frederico Leal de Souza, Vice-Presindente - Joaquim Augusto Guima­rães, António Pascoal Pinto e Egas Corrêa Mascarenhas Arouca." 
Como se constata, era presidente da Câ­mara, João Loforte, que generosamente ofertara "quarenta barcadas de pedra e o transporte de toda a pedra preciza para o completo d'huma das muralhas do Forte", uns tantos anos atrás. Infelizmente, o pedido foi deferido, pelo Gover­nador Geral, conforme se verifica pelo seguinte ofício:
""Ilmo. Snr.
Tendo V. Sra pedido para que lhe fosse concedida a pedra do Forte de Sam João da Boa Vista, para o empedramento das ruas desta, cumpre-me participar-lhe que por determinação de Sua Exa o Governador Geral pode V. Sra. utilisar-se da mesma pedra para o indicado fim — Deus Guarde a V. Sra. — Secretaria do Go­verno do Districto de Inhambane, 21 de Janeiro de 1878 (assignado) o Governador António Maria Cardoso — Tenente d'Armada."
E, assim desapareceu algo, que hoje seria uma relíquia nesta linda terra de Inhambane.

Pesquisado na revista “Documenta”, Nr 4 – Moçambique – 1968 - Dr. Armando Maria Dionísio



Julho/2016 

domingo, 17 de julho de 2016

Moçambique

Os Uaque-Uaques
Povos da Proto-História

Os Uaque-Uaques aparecem pela primeira vez na Idade Média citados por autores árabes, seus contemporâneos, como al-Masudi (Abul Hasan Ali Ibn Husain Ibn Ali Al-Masudi, 888-957), al-Edrisi (Abu Abdullah Muhammad al-Idrisi, 1110-1165), e outros, referindo-se já a povos que habitavam nas terras que hoje são o Norte de Moçambique, antes dos bantos ali chegarem.
Os Uaque-Uaques ou Pré-Bantos, correspondem na atualidade aos Koisan, que habitam na Namíbia e Sul de Angola, nos grupos de Bosquímanos e Hotentotes.
As primeiras indicações destes povos aparecem já em Homero, 1.000 a.C., e Hecateu de Mileto, 546-480 a.C., como habitando o Alto Egito, a quem chamavam pigmeus e diziam que habitavam em cavernas e tinham combates com os grous!
Planisfério de Heucateu de Mileto, séc. V a.C. – restituição de A Forbiguer 1842
Notar, no sul: Pygmaen e Skiapodes (o mito dos homens só com uma perno e um olho no peito)

Nos princípios da era cristã começa a migração dos povos Bantos para o Sul, que já dominavam a tecnologia do ferro, foram exterminando os mais fracos e, em muitos casos cruzando com eles porque só poupariam as mulheres jovens, mas os portugueses nas primeiras viagens à costa oriental ainda os encontraram.
Este etnónimo, Uaque-Uaque, é onomatopeico em referência aos “cliques” ou estalidos com a língua, o seu modo de falarem, em muitos casos ainda hoje, e era usado pelos bantos que achavam estes “grunhidos” semelhantes aos dos babuínos.
Al-Idrisi: “Estes horríveis aborígenes, cujo modo de falar lembra assobios, habitavam a região à volta de Sofala.”
Al-Masudi, no século X, ao tratar dos Mocarangas, de uma forma confusa fala de um povo seu vizinho com “ausência de atos de inteligência”.
Frei João dos Santos (1570-1625) no livro Etiópia Oriental (1609) escreve sobre os Mocarangas: Manamotapa e todos os seus vassalos são Mocarangas, nome que têm por habitar as terras do Mocaranga, e falarem a linguagem chamada Mocaranga, a qual é a melhor e mais polida de todas as línguas de cafres que tenho visto n’esta Ethiopia, porque tem mais brandura, melhor modo de falar; e assim como os Mouros de África e de Arábia falam de papo que parece que vomitam, e arrancam as palavras da garganta, assim pelo contrário estes Mocarangas falam e pronunciam as palavras com a ponta da língua e beiços, de tal maneira que muitos vocábulos dizem quase assobiando, no que tem muita graça, como eu vi algumas vezes falar os cafres da corte de Quiteve e do Manamotapa, onde se fala o mocaranga mais polidamente. O seu modo de falar é por metáforas e comparações mui próprias e trazidas a propósito e interesse, em que todo o seu intento se resolve.”
Desde o século XVI que os portugueses contataram estes povos, sempre fazendo a distinção entre os de cor parda e pequena estatura e os bantos, a que chamavam cafres, de cor negra e corpo grande e forte.
Cafre, como é sabido foi o nome dado pelos muçulmanos a todos os infiéis, kafir, que viviam nas regiões onde o Islão não chegou.
António Fernandes, 1514-15, que os encontrou nas suas viagens pelo interior, a caminho do famosos Monomopata: “O Rei de Mombara está a sete dias de jornada deste Monomotapa... estes homens são mal proporcionados, não são muito negros e têm rabos como de carneiro. Estes dos rabos de carneiro adoravam as vacas. Se algum deles morre, comem-no e enterram uma vaca. E quanto mais um negro for preto mais dinheiro dão por ele, para o comerem, e dizem que a carne dos brancos é mais salgada que a dos pretos. ... gente que não é muito negra porém tem cabelo como os da Guiné, e os dos rabos que adoravam vacas e comem humanos são mais baços que estes.”
“Rabos de carneiro” é o que hoje se chama a esteatopigia, que não é exclusiva de alguns povos africanos, como se pode demonstrar:


António Fernandes nas suas viagens encontrou Bosquímanos ou Hotentotes, como o seu gado, e ainda com os seus costumes, incluindo a antropofagia.
Apesar de tudo, esta gente, avessa à civilização, deixou-nos demonstrações artísticas de grande valor como são as pinturas rupestres, muitas das quais em Moçambique: Monte Chinhampere, ao Sul de Vila Pery, Vumba (Manica e Sofala), Nalelepia, Chifumbuzi (a norte de Cahora Bassa) e outras, que ninguém sabe quando foram feitas.


Pinturas rupestres do Monte Chinhampere

Há muitas evidências dos Uaque-Uaques. Primeiro o primitivo nome do Rio dos Bons Sinais a quem os nativos chamavam Quá-Quá; depois o nome do maior grupo do norte de Moçambique os Macuas, sabendo que o prefixo Ma indica o plural, temos Ma-cuá; os Mucuancala e Mucuazama, no sul de Angola, e mais evidente ainda o grupo Macuácua, povo do Sul do Save, em Moçambique, as regiões de Gaza e Chibuto e outras mais.
Até eu guardo com muito cuidado um quadro que me liga a este povo e do qual já escrevi em 9 de Dezembro de 2010: É de um pintor L. Makwakwa. (o L. parece que seria Lourinho, de acordo com informações posteriormente recebidas do Hotel Universo, em Maputo, como se pode ver em http://hoteluniverso.wordpress.com/2011/09/04/wall-by-makwakwa 
Este Makwakwa, grande artista, sempre andou metido em confusões, não tanto políticas, mas bebedeiras, brigas, e até drogas.
A pintura dele é rica, intensa, marcadamente moçambicana. Como não sou crítico de arte não posso afirmar que seja da escola do mestre Malangatana, mas a verdade é que parece ter sido este o percursor de um estilo que distingue, ao primeiro olhar, o artista moçambicano de qualquer um de outro país africano.
Fomos visitar a sua exposição e o quadro que mais agradou foi este, o maior, que dominava a sala. Estive algum tempo a apreciá-lo até que o artista me veio explicar o seu significado: a Ceia de Cristo, vista por olhos africanos. Uma reunião entre um Grande Chefe e os seus doze seguidores, onde sempre se bebe muito, e In Vino Veritas, é grande a alegria e animação de uns e prostração de outros.


Um dos presentes, depois de ter bebido por uma cabaça o vinho, ali configurado como fazendo parte do corpo do Grande Feiticeiro, e com um gesto de falsa amizade, e ter colocado a mão no Seu ombro, acaba repudiando a cabaça que está a cair-lhe da mão! Os outros seguidores, tal como rezam os Evangelhos, são uns mais tranquilos, outros mais irrequietos, mas sente-se um misto de animação e até admiração, reações que o vinho dá a cada um.

Nota: Não há dúvida que, etimologicamente, eu também sou um “cafre”!
08/07/2016









quarta-feira, 13 de julho de 2016



Moçambique

Os Transportes Aéreos

Em 1937 criou-se a Divisão de Exploração de Transportes Aéreos, a famosa DETA, que inicia os seus voos “regulares” com a carreira Lourenço Marques-Germiston no Transval; ainda nesse ano fizeram vários voos comerciais, um deles a Angola, além de outros de propaganda.
Logo de entrada se notabilizaram pelos serviços prestados por ocasião das grandes inundações no mês de fevereiro.
A frota inicial compunha-se das seguintes e “modernas máquinas”:
- Um monomotor “Hornet Moth de 2 lugares, velocidade de 170 km/hora, o primeiro a entrar em serviço, em 20 de julho de 1936:


Hornet Moth de 1936 ainda em perfeitas condições nos EUA

- Um bimotor “Dragonfly” de 5 lugares e velocidade de cruzeiro de 200 km/hora:
 

- Dois bimotores “Dragon Rapid”, recebidos em agosto, de 7 lugares e velocidade de 213 km/hora.

Em Benguela - 1958


Utilizava-se o aeródromo da Carreira de Tiro, e as carreiras regulares iniciadas em 22 de dezembro para Germiston só fizeram cinco voos, não dispondo a DETA na Colónia de mais de um piloto preparado e um cedido pela De Havilland.
O ano de 1938 é quando se iniciam os voos regulares dentro de Moçambique: em 11 de abril, Lourenço Marques-Quelimane, escalando a Beira e Mambone.
Em 11 de Outubro vai até Lumbo e Porto Amélia (Pemba) fazendo escala obrigatória na Vila João Belo.
Entretanto valorizava-se a frota com mais dois “Dragon Rapid” e três “Junkers”, trimotores, de 18 lugares e 245 km/hora de velocidade de cruzeiro:



 Junker: olhem o conforto!

Em abril abandonou-se o aeródromo da Carreira de Tiro e inaugurou-se o Aeroporto de Lourenço Marques, que era uma beleza:



Progredia bem a DETA. Em 1939 adquiriu mais um “Hornet Moth”, dois “Dragon Rapid” e em 1940 três bimotores “Lockheed-14” com 14 lugares e velocidade de 320 km/hora:



No ano seguinte chegava a Mocimboa da Praia.
Em 1938, primeiro ano da exploração de carreiras regulares a DETA tinha um mecânico-radiotelegrafista, dois mecânicos e dois telegrafistas, e nesse mesmo ano foram admitidos mais técnicos das mesmas especialidades, além de ajudantes de mecânico e aprendizes, e somente dois pilotos. Nesse ano apresentaram-se mais quatro pilotos que concluíram o curso e obtiveram licença “B” na África do Sul, assim como dois mecânicos especializados naquela escola.
Em 1943 já são sete pilotos, a colónia contava com 43 aeródromos, mas nem todos ofereciam as condições de segurança necessárias e dos quais somente 11 eram utilizados pela navegação aérea, e destes só 6 recebiam os Junkers e o Lockeed, aos restantes só lá podem ir os Dragons.

(Revista “MOÇAMBIQUE” – Relatório Trimestral – Nr. 35 – Setembro de 1943)

Depois de Independência a DETA... extinguiu-se, e foi criada a LAM – Linhas Aéreas de Moçambique.



20/06/2016

domingo, 10 de julho de 2016

Um “pouco” do Brasil
ou... Brasil louco


Loucura ou insanidade são a mesma coisa. Descaso e corrupção andam paralelos, ignorância, egoísmo e incompetência, rolam de braços dados. E por aí vai.
Se em qualquer alguém não gostar, por exemplo de um político, pode pagar-lhe um fim de semana no Rio de Janeiro a “Cidade Maravilhosa”, porque as chances de se livrar dele são muito mais altas do que ganhar na loteria. Vejamos a capa da VEJA desta semana:


Tenho escrito muitas vezes que a Síria é aqui: média de 60.000 homicídios por ano! Só.
Mas agora temos as Olimpíadas: Fizeram-se obras e mais obras, tudo superfaturado, para não sair do padrão e:
- Inaugurou-se uma ciclovia, beirando e por cima do mar. Coisa linda. Num lugar onde o mar, com alguma frequência vem bater com muita força contra o paredão. As vigas de sustentação não previam estas ondas, e a via não estava bem fixada à estrutura. Muitos lugares em vez de quatro parafusos só colocaram um. Unzinho. Veio a primeira onda forte derrubou parte da via e matou dois ciclistas. O prefeito disse que ia apurar responsabilidades. Só esqueceu de dizer que ele é o responsável primeiro. Não mandou vigiar a obra.
- Inaugurou-se o BRT, um tipo de metrô de superfície, com ônibus articulados. No segundo dia começou a sair a capa de asfalto, o tal de BRT teve que sair da sua via exclusiva e acabada de fazer, para se remendar outro “erro técnico”.
- Há poucos dias inaugurou-se o VLT (Veículo Leve sobre Trilhos, elétrico). Lindão. Já ficou parado umas quantas vezes porque falta a energia elétrica.
- Despoluição da Baía da Guanabara! Mentira. Não se fez. Compraram alguns barcos especiais para isso, mas... faltou o dinheiro para o combustível! Agora, só agora, descobriram que nas praias, isto é, nas águas do mar da baía, descobriu-se uma bactéria, aliás uma super bactéria, resistente a tudo que se conhece.
Pesquisado o problema constatou-se que vem de esgotos mal tratados pela CEDAE, a companhia estadual de água e esgotos, que são despejados diretamente na baía!
Os atletas do mar... alguns já disseram que vão navegar de máscara anti gases. Regatas “à la guerra de 1914-18”: máscaras!
Mas não há-de ser nada.
Há uns dois anos eu vi, repito, eu vi, escrito nas janelas de uma “igreja”:
SÁBADO PROMOÇÃO DE MILAGRES
Os milagres aqui, nessas igrejas é um tipo de mercadoria que podia ser vendida nos supermercados.
Num bairro, bairrinho, com 700 x 700 metros, classe média baixa, ruas traçadas em retas cruzando em 90°, muito comércio, todas as ruas e passeios esburacadas, carros estacionados nos dois lados, um ignorante, como eu, desconhecendo esta “organização, caíu lá dentro e andou meio tempo de ré. Só neste pedacinho do Rio existem nove, 9, “igrejas” dessas, sacando o dinheiro dos fiéis que gritam e choram durante as operações “comerciais”.
Para quem não acredita no que escrevo, ou para quem acredita que pode comprar um milagrito, aqui vai a sugestão ( já passou esta data, mas logo, logo, terá outra, ou outras):
Nomes e endereços retirados por... precaução!
A estes pastorinhos só lhes faltam as asas de anjinhos!

Falar de economia ou política é pura perca de tempo. Vai só o parecer dum “zémané” qualquer:
- o presidente interino pertence àquele grupo dos “macacos japoneses”, de que tanto tenho falado: “não sabe nada, não viu nada, não ouviu nada”, e para complicar a situação não encontra um único colaborador que não tenha telhados de vidro. E pior, para tentar fazer passar algum decreto ou lei no cão-greço tem que negociar com a banditagem: io te do um poco a te tu me dai um poco a mé.
Possivelmente uns 70 a 80% dos políticos, ou até mais, estão metidos em roubalheiras até acima dos cabelos. A Justiça – desta vez com letra maiúscula – parece ter acordado, mas não pode prender todos de uma vez. Paralisaria, ainda mais se possível isso fosse, o país, e não há cadeias para todos. Temos que aguardar pelo menos uns dois anos mais para ver a casa começar a ficar arrumada.
Mas a endemia corrupta é como a super bactéria da baía da Guanabara: muito resistente!
Vamos ver como fica o Rio pós olimpíadas. O custo para manter algumas das estruturas erguidas para este evento já começa a aparecer: uma delas parece, segundo fontes oficiais, irá custar, só para se manter, mais de R$ 100.000.000 – cem milhões de reais – por ano.
Mas tudo se resolve. Há milagres para dar e vender. Perdão, só para vender.

10-jul-16



segunda-feira, 4 de julho de 2016

Moçambique

A Moeda

Moçambique dependeu durante muitos anos da administração de Goa, correndo na Colónia praticamente só as moedas de Goa e de Portugal.
Em 1646 o Conselho de Fazenda mandou cunhar em Goa, com o peso de patacões, aproveitando a prata que vinha do Japão e dos holandeses, mas parece que não subsistem quaisquer dessas moedas.
D. João V, 1725, autorizou o lavramento de 8.000 cruzados em bazarucos (antiga moeda da Índia) em cobre: a primeira de D. João V, 1725, a seguir D. Maria I, 1801 e D. Pedro IV, 1828:       









Em 1752, com D. José, Moçambique consegue emancipar-se de Goa e são lavradas em Lisboa, na Casa da Moeda, moedas de ouro de 4.000, 2.000 e 1.000 réis, em prata de 800, 400, 200 e 100 réis.
Estas moedas estavam já na Casa da Índia, em Lisboa, para serem enviadas ao seu destino quando o terramoto de 1755 que destruiu o edifício, sepultou tudo nas ruinas. Quando do desaterro verificou-se que a maioria das moedas estavam inutilizadas. Devolveu-se tudo à Casa da Moeda para se limparem as que estivessem em condições e lavrar de novo as que se encontrassem incapazes.

As primeiras 3 carreiras são de D. João V, as estantes de D. José

Mais tarde D. Maria I emite novas moedas e até umas barrinhas com o ouro de Rios de Sena e patacas feitas de prata. (Nr. 1 a 5 da figura abaixo)

As duas do topo são de D. José, as outras de D. Maria II
que mandou também fazer as barrinhas – linha 2 e 3

As barrinhas são paralelogramos de 2,5 x 1,2 x 0,3 cm. Na face um M de Moçambique e no verso 2 ½ meticais, pesando 288 grãos e valia 26.500 réis.
Em 1840 lavraram-se em Lisboa 10.000 moedas de 80 réis, 20.000 de 40 e 40.000 de 20; e em 1853 outras de valores de 20, 10 e 5 reis e de II e I réis, expressamente para Moçambique.
Sempre em penúria de pecúnia estavam as colónias autorizadas a deixar circular moedas de vários países, desde a Áustria, Espanha e suas colónias, Brasil, Índia e Inglaterrae em 1888, para estas poderem circular foram marcadas com “PM coroado” ou só “PM”.


 
Pataca da Arquiduquesa da Áustria – 1780
(com a contramarca na testa!)
Pataca – 8 Reales – Carlos III – Peru - 1762

Barrinha e Rupia da Índia

Pataca – Carlos III – Guatemala - 1754



Moedas cunhadas em Moçambique

Em1894 a Companhia do Niassa – uma das famosas “companhias majestáticas” – sempre com falta de dinheiro para os seus negócios, mandou cunhar em Londres moedas de cobre de 10 e 20 réis. O governo sabedor do caso, apreendeu a emissão e mandou que a Casa da Moeda fundisse o cobre!
Depois de 1853 a Colónia não volta a ter moeda própria até 1935, quando aparecem as novas moedas, com valores em escudos desde 10$00 até $10, num montante de 16.850 contos, 16.850.000$00. As de 10$, 5$ e 2$50 de prata, 1$ e 1$50 de cupro-níquel e $20 e $10 de cobre.


Revista “MOÇAMBIQUE” – Relatório Trimestral – Nr. 47, 28, 50 e 52 – Setembro a Dezembro de 1947

Um belo dia, o governo da Metrópole “acordou” e tirou a palavra Colónia! Mas continuou a fazer algumas moedas de prata que algum tempo depois valiam bem mais do que o valor facial!


Junho 2016