Uma incursão (atrevida)
na Filologia
No meio de tanta perturbação,
desvairamento e completa loucura que o mundo atravessa, volta e meia uma
pequena incursão filológica, sem quaisquer pretensões de exibir ciência, é um lapso de tempo que distrai e diverte. Porque
não?
Há uns onze ou doze anos escrevi um
pouco sobre a Lusofonia (Lusofonia 4) e, entre outras coisas:
Eu não conheço uma estatística de palavras portuguesas
e/ou... lusófonas (?), mas vou basear-me para efeitos de raciocínio numa italiana,
que nos diz coisas curiosissimas, entre elas:
-
64,0 % das
palavras são de origem italiana!
-
21,4 % latinas
-
2,8 % gregas (de
onde virão as italianas?!)
-
4,1 % francesa
-
2,9 % inglesa
-
0,5 % espanhola
-
0,3 % alemã
-
1,9 % diversas
E tem mais: 62,5% são substantivos, 23,2% adjetivos, 10% de
verbos e 4,5% de advérbios.
Para finalizar: no século VIII só existiria uma palavra
italiana! Até ao XII só havia 0,5% dos vocábulos atuais! Então no séc. XIII
entram 5.338, e 13.961 no seguinte, equivalentes a 21,5%. A língua começava a
tomar forma, do mesmo modo que em Portugal foi no tempo de D. Dinis que a
língua começou a ser portuguesa.
Mas pasmem: só no século XX entraram mais 35,7% dos vocábulos na língua
italiana!
Isto,
na altura pareceu muito interessante – não deixa de ser – mas hoje sabe-se que
está muito errado. O italiano que fez esta estatística esqueceu-se das línguas etrusca,
úmbria e osca (no século V a.C. os
samnitas, povo guerreiro que também falava a língua osca, tomaram a região e
subjugaram os oscos) mais as
importadas do oriente, quer através dos gregos, fenícios, árabes, hindus, etc.
Mas vamos às portuguesas.
1.- Açores: Em Portugal sempre se
disse que o nome daquelas maravilhosas ilhas provinha dos muitos pássaros, tipo rapina, que sobrevoavam algumas das ilhas, os
“açores”, nome de origem árabe para um Falconídeo, astor. Erro, porque primeiro nunca existiram tais aves naquele
arquipélago, e depois mesmo porque até os dicionários ao “falarem” sobre “açores”
dizem que a palavra pode provir do latim
acceptore.
Segundo o livro “A Origem da
Língua Portuguesa” (de Fernando Rodrigues de Almeida) o mais provável é que
venha diretamente do fenício: “fsr” (âssere, segundo a pronúncia estimada da
época) que significava “ave, pássaro”.
Nos Açores havia muitos
pássaros mas nenhum açor (Accipiter
gentilis).
No mapa Portulano Mediceo Laurenziano, de 1351 antes da descoberta “oficial” do arquipélago, que
ninguém sabe quando se deu, uma vez que só em 1445 o Infante o mandou povoar, já
figuravam umas ilhas na latitude em que os Açores se encontram, a uma das quais,
a Ilha do Corvo, deram o nome de Insule
dei Corvimarini.
2.- De
acordo com o mesmo livro muitas palavras provém além do fenício, do arcádio, do
ugarítico e outras línguas hoje mortas.
Antiga cidade a Noroeste da
Síria, Ugarit, foi um grande centro e porto de mar, há mais de 4.000 anos,
pertencendo ao clã do alauitas. Como se sabe o governo do que resta hoje da
Síria pertence a este clã que teria somente 14% da população.
Ugarit. Entrada do palácio real
Naquele tempo eram ainda
desconhecidas as vogais que só foram introduzidas pelos gregos cerca 700 a.C. e
logo se expandiram.
Assim, através dos fenícios,
dos árabes e, quem sabe, dos gregos e latinos chegaram a nossos dias palavras
que têm, possivelmente, suas origens naqueles, muito idos, tempos.
- Abutre: de “fbt’r”, (âbetôr);
- Adão: de origem hebraica, depois Adamus do latim, mas em ugarítico “Adm” significa homem, humanidade, gente;
- Adaga: de “fdi” (âdi), ornamento e “daku”,
matar, destruir. Assim a palavra “fdi dk” (âdidake), ornamento de nobre ou “addake”
ornamento de matar.
- Galope: de “ql”, (qale), ir ligeiro,
correr, mais “fwp”, voar,
chega-se a “qlfwp” (qaleôôpe), desaparecer a correr
ligeiro.
Basta de exemplos. Todos podem duvidar
do detalhado estudo do autor, mas que tem o maior interesse, ninguém pode
negar.
3.- Aia: De origem ainda mais
duvidosa. Dizem que vem de “aio”, e este de “hadja” – tutor, protetor – do
gótico, ou até do latim haia, avó.
Mas na Índia esta palavra existe desde... ninguém sabe quando, e significa o
mesmo que hoje na língua portuguesa.
4.- Números: Tenho falado muito da Índia, e ainda hei-de falar mais. Há tanto
que aprender naquelas bandas. E coisas simples, como alguns números, já que
infelizmente não conheço todos:
- dois – do – doab – dois rios: Jammuna e Ganges;
- três – tri – trimurti – As três finalidades: dharma, religião, ética; artha, interesse económico; kama, prazer dos sentidos;
- cinco – pan (penta)
– panjab – cinco rios: Indus, Jhelum,
Chenab, Ravi, Satlej
- sete – sapta – saptarshi - os sete Sábios, saídos do pensamento de
Brahma, correspondem à Grande Ursa
- oito – ashta (acht, em alemão, eight em inglês) – ashtamûrti: as Oito Formas, a terra, a
água, o fogo, o ar, o éter, o sol, a lua,
5.- Shampoo: Esta palavra, “inglesa”, também é muito curiosa.
Os ingleses, como todos os
europeus, não tomavam banho, ou se o fizessem era uma vez por ano, até se
encontrarem com povos de regiões quentes, tropicais, que entravam nos rios, nus
ou vestidos até várias vezes ao dia. Os europeus certamente exalavam um cheiro
insuportável, daí o mês de Maio, primavera florida, ser o mês das noivas que
sempre carregavam um ramo de flores, o mais cheirosas possível, para disfarçar
o pestilento odor, tanto dela como dele.
Na Índia, os “elegantes gentlemen” que para ali foram, suavam
miseravelmente, tendo custado a entender que o trajo enfatuado que queriam
exibir era-lhes impossível de usar, até passarem para as roupas indianas. A
poderosa Companhia da Índia, para mais outra vez impor o status de dominadora,
proibiu os seus súbditos de se vestirem à indiana, obrigando-os até a usarem
gravata!
Mesmo não ganhando muitas
rupias, dava-lhes para terem em casa uma criada para TODO o serviço (hoje
chama-se trabalhadora a domicílio!).
Essas simpáticas
“colaboradoras”, também conhecedoras das ancestrais técnicas sanscríticas do
Kamasutra, ensinavam aos colonizadores tudo quanto sabiam sobre os prazeres dos
sentidos.
Eram as “bibis”.
Uma das coisas que lhes
ensinaram foi a tomarem banho com frequência, que elas lhes davam! Como tinham
que lhes esfregar o corpo, para ficar bem lavadinho, faziam-lhes massagens: chamna, ou champa, nome adotado pelos súbditos de suas majestades imperiais,
para shampoo, visto que este produto
serve fundamentalmente para esfregar a cabeça!
(Bons tempos, o das bibis, hein?)
6. Sal e Presunto
Toda a gente sabe que sal
vem do mesmo sal latino, recebido do grego ἅλς (hals), na origem σάλς (sals), que passou ao latim como salis.
De onde deriva salário,
porque os magistrados e soldados romanos eram pagos com sal, o salarium! De sale com o sufixo arium,
O presunto (que delícia!)
também nos chega do latim, via Itália, quem sabe se de Parma!
Presunto – prosciuto – prosciugare, este que decompõe em “pro ou pre” e “exsúctus” que dá pré-enxuto. Isto é, o
presunto é uma peça de carne a que, com o sal, se tirou toda a humidade!
Por isso presunto sem sal
não existiria!
O que era uma pena,
sobretudo se faltasse o Pata Negra ou
o de Parma ou o de Chaves.
Tudo isto se non è vero... è ben trovato!
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