Do Brasil por
Francisco G. de Amorim
O
Brasil não é só o país do carnaval, caipirinha, praias e mulheres lindas.
Infelizmente. Do futebol... por enquanto, já era.
Quase
tão funesto quanto o horrendo vírus Ebola, as câmaras legislativas, senado incluído,
estão contaminadas, TODAS, por uma série de vírus perigosíssimos. Começa talvez
pelo da corrupção, que faz sumir larguíssimos bilhões das contas públicas para
bolsos pessoais, mas seguido de perto por outro chamado de analfabetismo,
estupidência, incompetência, ignorância, etc. Até o atual des-governo tem dois
ministros, oriundos dos sindicatos, que dominam o país, com currículos impressionantes:
um deles era ferramenteiro numa metalúrgica e outro pintor de automóveis. Olha
o nível!
Mas
no senado federal (letras minúsculas) aparecem propostas de fazerem cair os dentes
a quaisquer desdentados. Até a crocodilo! Basta lerem o texto abaixo, da conceituada
escritora Ana Maria Machado, membro da prestigiosa Academia Brasileira de
Letras.
Mas
atenção: antes de começarem a ler, sentem-se. O choque pode ser fatal!
JABUTICABA* NO SENADO
Não faz
muito tempo, você comprou uma torradeira e, em casa, não conseguiu ligá-la. A
legislação agora exige três pitocos nos plugues dos novos aparelhos, que não
servem mais nos dois buracos da tomada de sempre. Foi preciso comprar um
adaptador. Uma chatice, mas mais seguro. Progresso, tecnológico. É para ó bem
de todos, o governo sabe o que faz. Mesmo quando o novo padrão é tão original
quanto jabuticaba, que só tem no Brasil. Não serve para qualquer aparelho
importado que por acaso você tivesse. E tome adaptador. Você acabou chamando
um eletricista e trocando todas as tomadas da parede, ufa!
Pois aí vem nova
surpresa. Você nem imagina o que o Senado anda debatendo a sério, considerando
a hipótese de mudar geral. Sem ao menos reparar no ridículo da esquisitice. Se
for aprovado, vira lei. Só que, desta vez, não vai haver eletricista que dê
jeito. Discute-se uma reforma ortográfica brasileira. Brasileiríssima, que nem
jabuticaba. Ainda que sem as delícias da fruta.
"Mas não fizeram
uma reforma ainda outro dia? Para que outra?"; talvez você pergunte.
Vamos esclarecer. O que se fez há pouco tempo (aliás, num processo que ainda
não se encerrou) foi um acordo ortográfico entre países de língua portuguesa.
Não uma reforma. O objetivo foi que se escreva da mesma maneira o português falado
em qualquer parte do mundo. Assim, passa-se a ter um padrão unificado em
documentos internacionais que se queira redigir no idioma. E os leitores de
todos os países lusófonos passam a se acostumar com a grafia única, que nos
permitirá ler livros uns dos outros com menos estranheza (já bastam as do
próprio vocabulário, por vezes tão diferente). Precedido por outros acordos e
protocolos em busca desse entendimento, o processo foi amplamente discutido
durante 18 anos, em negociações entre filólogos e instituições responsáveis.
Venceu impasses e divergências de todo tipo. Foi aprovado pelo legislativo dos
países interessados. Foi assinado e promulgado pelos presidentes do Brasil e
de Portugal em 2008, Entrou em vigor em janeiro de 2009, com prazo de adaptação
estendido no Brasil até dezembro de 2012. Em Portugal, até 2016.
Sabe-se lá por que
(ou por quem), na semana antes de terminar nosso prazo oficial, entre o Natal e
o Ano Novo de 2012, a presidente Dilma resolveu prorrogá-lo. Não chegou a
fazer nenhuma diferença prática. No Brasil, como já estávamos fazendo, continuamos
todos usando a ortografia que segue o acordo — é como se escreve neste jornal
e nos livros publicados no país e como se ensina nas escolas. Todo mundo entende.
A experiência poderá, eventualmente, revelar a necessidade de pequenos ajustes.
Mas não é disso que se trata agora.
A jabuticaba que
está na Comissão de Educação, Cultura e Esporte do Senado é outra. É uma
proposta de reforma ortográfica, para que se passe a escrever como se fala, "para
simplificar e aperfeiçoar a ortografia” de modo a facilitar a alfabetização.
Sem letras que não se
pronunciam e sem duplicidade de grafia para o
mesmo som. A justificativa populista é ajudar as crianças, ensinando-as a escrever, por
exemplo, "O omen xora porqe qer caza para abitar”(sic).
Nem vale discutir os
detalhes dessa ideia estapafúrdia. Questiona-se é a premissa, em nome de uma
pretensa inclusão social. Nada disso é necessário. O linguista Marcos Bagno
lembra que as línguas mais faladas e escritas internacionalmente (como o inglês
e o francês) têm ortografias complicadas e nem por isso deixaram de se
difundir. Não precisaram de jabuticabas simplificadoras. Será que as crianças
deles são mais capazes que as nossas?
O filólogo e académico
Evanildo Bechara insta a CE do Senado a não levar adiante a proposta de "simplificação”
um equivoco talvez baseado em ''amnésia ou ignorância”. A professora Marília
Ferreira, presidente da Associação Brasileira de Linguística, encaminhou aos
senadores documento em que sublinha que o que dificulta o processo de
alfabetização de crianças oriundas de segmentos sociais de pouca familiaridade
e contato com a língua escrita não é a ortografia. É a falta de uma experiência
letradora significativa anterior e paralela ao processo escolar.
Há casos em que
essa vivência falta também a muitos professores, lembro eu. Sinal de melhora: gente
vinda de um ambiente iletrado está chegando à alfabetização nas últimas
décadas. Algo a se celebrar. Mas também sinal de alerta: a formação de nossos
professores precisa ser de melhor nível, capaz de incorporar alternativas pedagógicas
mais eficientes, de corrigir eventual falta de intimidade com a cultura escrita
e de compensar desigualdades de origem. Precisa capacitá-los a alfabetizar.
Tomara que o Senado
consiga perceber isso. Mais clareza nas prioridades, gente. O remédio é
qualidade na educação. Não é jabuticaba.
Ana Maria Machado
* Para quem não conhece, Jabuticaba é uma fruta,
brasileira, deliciosa. Quem quiser provar... venha ao Brasil!
22.09.2014
Ó FRANCISCO, UM PORTUGUÊS "caFUNÉTICO"? BAMU ZA ISSO! SAUDEMOS A IDEIA COM "ARPEIDANÇA" (mais harmonioso e menos cheiroso do que HARPA E DANÇA)
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