Coisas da meninice
Oh! Se pudesse que
voltasse
O tempo para trás,
como a memória
Pelos vestígios da
primeira idade...
Vão-se
apagando da já tão usada memória, muitas passagens que através dos anos vivemos
com mais ou menos intensidade.
Abençoada
a hora da fotografia e depois do cinema que nos permite arrancar o que está lá
“muito para trás” garantindo perante nós próprios, e os outros, que um dia
também fomos meninos, que andámos bem aconchegados ao colo dos nossos pais, que
fomos crescendo, esmurrando os joelhos, fazendo asneiras, construindo o nosso
futuro e personalidade, mas muita, muita coisa já ficou para além das brumas do
tempo, e cada dia que passa mais difícil se torna ir “lá” buscar vivências.
Volta
e meia, de repente, como que surgindo do nada, vem uma lembrança que nos leva a
tentar explorar até se definirem alguns contornos, época, amigos, a maioria
desaparecidos no tempo, etc.
Devia
eu ter os meus onze ou doze anos, já no Liceu – o bom e velho Pedro Nunes, em
Lisboa – quando, junto com outros “atletas” nos lembramos de fundar um clube de
futebol!
Dinheiro,
naquela época não me lembro que alguém tivesse, de modo que a “verba” para o
clube funcionar era um problema sério!
Começámos
por dar nome ao clube: “REBENTA CANELAS FUTEBOL CLUB”.
Não
havia dúvidas que o título era promissor de grandes eventos.
Com
uns restos de cartolina que sempre sobravam das aulas de trabalhos manuais
(será que ainda há aulas destas?) fizeram-se os cartões de “sócios” cuja
obrigação inicial era cada um apresentar uma fotografia, e, não lembro já
quantos nos juntámos, sabendo que o mínimo necessário seriam os onze para
formar a equipa de futebol.
Equipamento
era fácil: naquele tempo todos usávamos calção e não era difícil que também tivéssemos
uma camisa de cor mais ou menos igual entre todos.
Para
jogarmos contra adversários de dentro ou fora do Liceu, lá para os lados das
Amoreiras, em Lisboa, um campo, se não estou em êrro do CIF (seria Club
Internacional de Futebol?) que alugava o campo. Campo ótimo de terra, mal nivelado, umas esparsas pedras soltas aqui e
além e as balizas... sem redes, como será de imaginar, que era alugado por
cinco escudos! Para isso cada um contribuía com cinquenta centavos que raro
sobrava, como diziam em Angola, nem uma “quinhenta”, porque ambas as equipas
nunca apresentavam os onzes “oficiais”.
E
bola? O maior dos problemas. Custava uns dez escudos, de couro por fora, duro
como pedra, e a fundamental bexiga de borracha inflável por dentro. Uma cabeçada
naquela bola, mais doloroso ainda quando batia na testa com o fecho (!) chegava
a fazer “galos” e feridas! E tinha que ser cheia com uma bomba de encher pneus
de carros! Olhem só a macieza:
Conferência,
ou assembleia geral, mas os dez escudos não surgiam. Foi quando me lembrei de
ir pedir esse “financiamento” ao meu avô materno, sempre um unhas de fome, com
a promessa de lhe pagarmos assim que juntássemos o dinheiro.
Lembro
de lá ter ido com mais um ou dois “atletas” para impressionar com a veracidade
da nossa “organização”. Fomos a pé, claro, ao centro de Lisboa, e o avô não
demorou a abrir a bolsa e “emprestar-nos” aquela pequena fortuna, que jamais
reembolsámos, como todos esperavam! Maravilha.
No
regresso íamos numa felicidade só, já com a bola, novinha, nas mãos.
Só
nos faltava desafiar um adversário qualquer – encher a bola primeiro, claro – e
partir para a inauguração.
O
guarda redes jogava com uns panos velhos amarrados nos joelhos que não serviam
de muito, mas moralmente eram bastante tranquilizadores, e o restante com umas
quantas folhas de papelão por baixo das meias para servirem de caneleiras!
O
problema “mais grave” é que nunca se conseguiu juntar a equipa toda para um
jogo o que fazia com que normalmente levássemos, quase sempre, uma tremenda
derrota!
Ainda
por cima jogava-se sem árbitro o que dava também lugar a discussões “ferozes”
sobre “offsides”, “penalties”, e meiguices de tremendos encontrões e chutos nas
canelas! E até sobre o gol, porque se a bola passava por fora ou dentro da
baliza... não tinha rede para a segurar...
Perde-se
aqui a memória desse “Rebenta Canelas”! Pouco mais reaparece do que uns
escassos momentos de emocionantes
jogadas, com avançadas, caneladas, tombos, roupa suja ou rasgada, todos os
jogadores cheios de pó e arranhões e um regresso a casa, mais ou menos longe,
sempre a pé, até nos apresentarmos perante as nossas mães com aquele ar
comprometido porque voltávamos mais tarde, ter que explicar por onde tínhamos
andado, sujíssimos, um rasgão aqui outro mais além, e uma imperiosa necessidade
de tomar banho e gastar um pouco de tintura e umas ligaduras para tratar dos
ferimentos da “guerra”.
Cansado?
Jamais um garoto de uma dúzia de anos se cansa! A não ser para ir estudar!
Esmurrado,
desconsolado, muita vez pelas desmoralizantes derrotas, ainda ter que ir fazer
os trabalhos de casa, era quase um castigo. Merecido.
Hoje
a criançada não esfola mais joelhos nem canelas! Esfola os bolsos dos pais para
que lhes comprem smartphones, ipads, laptops, para ficarem todo o dia mandando
mensagens uns aos outros, dizendo bobagens nas chamadas redes sociais, fazer selfies, e expor as suas vidas aos olhos
do mundo.
Não.
Sem querer ser saudosista ou retrógrado, eu não trocaria, jamais, o meu clube,
em que nos rebentávamos, por uma conversinha, a maioria das vezes inútil e
ainda por cima virtual nessas redes.
É
a moda! E é “o que vão dizer os meus companheiros?”
Hoje
já não poderia “fundar” um outro clube semelhante. Talvez um bar tipo pub onde
encontrar os amigos, ao vivo, batermos longos papos (beber uns copos!) e, sem
equipamentos virtuais, deixar
o tempo andar para trás,
como a memória
pelos vestígios de
todas as idades...
14/08/14
O clube nas Amoreiras era, provavelmente, o CIT (Clube Internacional de Tenis). Foi liquidado há menos de 10 anos. Os poucos sócios que tinha, à data, ficaram encantados: as instalações, apesar de degradadas, pela localização renderam bom dinheiro. Dinheiro que, como não podia deixar de ser, foi distribuído pelos sócios.
ResponderExcluirO CIF (Clube Internacional de Futebol) era no Campo Grande e, agora, ao pé de m/ casa, com excelentes instalações.
Abraço
APM
Obrigado por me lembrar. Como não havia eu de fazer confusão! Ao fim de bem mais de meio século!
Era no Campo Grande sim, porque levávamos um tempão para voltar para casa, na Lapa!
No CTI das Amoreiras joguei lá o dito ténis algumas vezes. Mas está tudo muito esfumado no meu HD !!!