O degredo e os brasileiros – 2
Curioso este “negócio” de degredo! Degredo será pena
de banimento, desterro, este será exílio que por sua vez é expatriação forçada
ou voluntária.
Quantos e quantos homens, e mulheres, vieram aqui
parar forçada ou voluntariamente! Outros daqui saíram como o poeta António
Gonçalves Dias que, saudoso, compôs a lindíssima Canção do Exílio. Daqui
também se cantou a mesma saudade, a mesma solidão, como aquele jovem de quinze
anos, exilado e só na Foz do Rio Negro em 1843, quando escreveu
Como são brancas as flores
Deste verde laranjal!
É doce a sua fragrância
Como a deste roseiral...
Mas têm mais suave aroma
As rosas de Portugal!
Chegou ao Pará com dez anos, pouco mais do que como
escravo branco. Chorou as saudades da mãe e da terra, o exílio, o trabalho
quase escravo a que comerciantes inescrupulosos o sujeitaram, mas não se deixou
vencer. Mais tarde insurgia-se nos jornais e nos livros que escreveu contra
essa exploração, mas não abjurou os antepassados nem os descendentes que por
aqui ficaram.
Não preou índios, nem foi proprietário de terras ou de escravos. E
apesar de ter sido um dos primeiros indianistas, o primeiro romancista em que
figura como herói um índio, o seu nome raros conhecem e mal ficou na
história.
O Brasil que cultura “respira”? É fácil reconhecer-se um monumento inca,
asteca ou maia, bem como uma moderna pintura mexicana sem que se conheça o seu
autor. Vê-se logo que é mexicana.
E por aqui? Além da arquitetura colonial de Minas, Bahia, Olinda, etc.,
pouco mais reconhecemos do que um Di Cavalcanti ou uma Djanira. É pintura
brasileira? Ou em vez de brasileira, será unicamente Di Cavalcanti ou Djanira,
como se reconhece um Van Gogh ou um Picasso sem que estes representem a cultura
dos seus países?
Cadê a nossa cultura? A escola de cultura brasileira?
Lá fora somos conhecidos pelas praias, as gostosas mulheres morenas, o
samba e a caipirinha! É isso que os turistas vêm ver ao nosso país. Difícil que
venha alguém, turista, conhecer a cultura colonial, que a houve, porque depois
desta...
Após a independência passou a ser chic romper com o passado,
antepassado, português, de que nem o padinho Cíço nos pode livrar.
Trocaram-se nomes da família por outros de origem tupi, nenhum de origem
africana (que horror!), começou o desenfreado ataque aos tais Maneis e
Jaquins e jogou-se o passado no lixo!
Mas ninguém se preocupou em recuperar as línguas nativas, muito menos
torná-las obrigatórias nas escolas! Ainda hoje.
No passado está a base da cultura de todos os povos. Levou séculos,
milênios a construir-se, com tudo o que tem de bom e menos bom. Mas é cultura,
como por exemplo a língua, esta nossa que hoje é falada por cerca de 200
milhões de pessoas espalhadas pelo mundo.
Foram os Maneis e Jaquins que a levaram. Navegaram por esses
oceanos em cima de cascas de noz, enfrentaram tormentas, doenças, hostilidades,
fome, abandono, o tal degredo ou desterro ou exílio, mas não desistiram.
Lutaram por um ideal básico que era a sua liberdade. Alargaram horizontes e
fronteiras, transformaram uma terra de selvagens ou silvícolas, que nenhuma das
palavras pretende ofender quem quer que seja, numa nação que é respeitada pelo
mundo inteiro pela abertura e simplicidade do seu povo.
Constituíram família, misturada ou não por gente de
todas as origens que voluntária ou forçadamente aqui chegou.
E hoje, os descendentes desses homens, todos
misturados, raros são os que terão o tal sangue... puro (!?) abjuram,
ridicularizam, condenam, injuriam, difamam, insultam, desonram os seus progenitores!
(Para culminar, agora, há
poucos dias, em 2014, surgiram congressistas a quererem “facilitar” a língua
portuguesa, como o caso de se “traduzir” os livros do maior escritor
brasileiro, Machado de Assis, porque nem os ministros os entendem (!), e para
cúmulo propõem tirar o “H” de homem, hoje, habitante, etc., para os reduzirem a
omem, oje, abitante, talvez tirem o “h” de hélio (para este perder o gás?) e
também tirarem a letra “U” de guerra, guarda, guitarra, querer, queijo, até do “que”
que ficará qe, para que os ignorantes melhor aprendam! Ficariam a saber o que é
gerra, garda, gitarra, qeijo, etc. e cada vez mais burros, talqualmente o
ignorante des-governo que nos leva ao ridículo e perdição).
Sentimento de inferioridade? Muito possivelmente.
Esses que se dizem tão miserandos por descenderem de homens determinados... no
fundo o que sentem e reconhecem é a sua incapacidade de fazer igual ou melhor!
Houve até quem atribuísse a última ditadura militar a
uma herança portuguesa! Não é piada, não. Foi uma professora de História
da USP, a melhor universidade do Brasil, que o pronunciou aos microfones de uma
das mais importantes rádios do país!
Desonram-se os
antepassados, e a cultura... que vá p’ró degredo!
R. I. P.
31/Dez/2002
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