domingo, 17 de agosto de 2014



Do Brasil: a cultura e a sua falta - 3


Falar de cultura pode até ser atrevimento. De cultura brasileira. Vão-me cair em cima os mestres, aqueles que sabem tudo de coisa pouca, talvez os mestres de algumas escolas que pensam ensinar disciplinas mas esquecem da cultura, e não os Mestres que sabem um pouco de quase tudo, aprendido ao longo da vida e do seu interesse pelo Outro.
O Brasil vive com culturas dispersas, o que é natural face às origens dos emigrantes. Entre umas desanimadas festas da cerveja, Oktoberfiest com nome alemão e tudo, lá pelo sul, passando pela da Madona da Quiropita para os italianos do Bexiga em São Paulo, ao Bumba-Meu-Boi lá para o Norte, este de tradição e cultura antiga, pode-se assistir a algumas outras isoladas que as populações locais se empenham em ano após ano aumentar o brilho e a participação de forasteiros. Pouco mais.
Nacional só o Carnaval, que se transformou em “mercadoria de exportação”, dificilmente se encontrando já aquele verdadeiro carnaval de bairro, do povo. Hoje o carnaval, aquele carnaval grande, espetáculo de “exportação”, não é mais para o povo. Só para turista ou brasileiro rico que pode pagar milhares para assistir.
Então, friamente analisadas as festas “nacionais”, podemos ainda encontrar algumas de caráter religioso em Minas, e a cada quatro anos, tipo festa bissexta, a subida da rampa em Brasília de um novo presidente a inaugurar um “novo ano e um novo período de promessas”, que o povo, quer assista ou não, fica a torcer para que dê certo, e nunca dá. Teoricamente a festa seria para ele, povo. Mas é para ele, o eleito, e sua camarilha. E que festa...
Ah! É verdade. O futebol. A maior festa nacional... sobretudo quando o Brasil ganha.
Mas até aqui, de cultura brasileira... tudo isto sabe a pouco. A nada.
Falando de língua, temos a língua portuguesa a unir este quase continente, e se os paulistas não a deturparem muito pronunciando os plurais à moda italiana, sem o “s” no final (dois pão, quatro homem, etc.), perdurará por muitos e muitos anos. Ainda. Porque pelo meio da multidão estão mauricinhos e patricinhas que queriam mudar a nossa língua para a inglesa, o que lhes facilitaria as idas aos states fazer compras. (É evidente: lá custa tudo menos de metade do que custa aqui!
(E ainda temos aquele crime de se reescrever Machado de Assis, porque alguns ministros não sabem o que significa “sagacidade” e outras palavras assim difíceis e vão mudá-las para esperteza e afins! E o governo vai distribuir 600.000 exemplares, de uma nova edição “revista e assassinada” de o Alienista, de graça, o que evidencia uma negociata, - ver roubada – das grandes e um imenso crime contra a cultura).
Línguas nativas então... nem cheiro delas, e entre os quase 200 milhões de brasileiros deve ser difícil encontrar um, unzinho só, que fale alguma em profundidade. Tirando alguns índios que ainda vivem no meio das florestas, como é óbvio, e que serão os últimos guardiões de um valor inestimável que parece ninguém se interessar em preservar!
Vamos tendo, haja Deus, mas muito raramente uma boa música, mas que se está a degenerar com essa proliferação virótica dos “rap” e “funk” que nem é música nem coisa alguma, mas que se difunde como vírus na Internet, e pelo mundo. O tempo da Bossa Nova passou e hoje está difícil entrarmos num outro período de tanta criatividade e beleza!
Mas cultura não é só isso, assim como somente saber muito de matemática ou física ou outras ciências também não se pode chamar cultura.
Diz o Aurélio (sempre a mania de consultar os Mestres) sobre cultura: “O complexo dos padrões de comportamento, das crenças, das instituições e doutros valores espirituais e materiais transmitidos coletivamente e característicos de uma sociedade; civilização.” E diz mais: “O desenvolvimento de um grupo social, uma nação, etc., que é fruto do esforço coletivo pelo aprimoramento desses valores.”
Aqui é que está o nó do póbrema! Para se atingir essa civilização, essa cultura, há que transmitir coletivamente as nossas crenças, os nossos valores espirituais e das instituições. E pior quando tentamos transmitir, e coletivamente, padrões de comportamento tão ignóbil com aquele que, todos os dias, todos, se nos apresentam através dos órgãos de informação expondo claramente o descalabro e desmando nos mais altos escalões da vida pública, os que deviam dar o exemplo, sem que nada aconteça aos ladrões. Ladrões, sim. O povo, pode não ter muita cultura mas não é besta, e recebe esta transmissão de valores – invertidos – como se fossem os verdadeiramente bons, ou pelo menos os mais rentáveis, e fica almejando alcançar posições semelhantes para se locupletar também do aparente inesgotável erário público.
Paralelamente, as instituições, e aqui deviam entrar o congresso, o judiciário e etc., que também não podem gabar-se de dar ao povo o exemplo que ele tanto queria receber e necessita! Lá aparecem vários senadores que..., deputados que..., juízes que... , outros políticos e funcionários do alto escalão que... , enegrecem e desacreditam todas as instituições, que elas em si, não têm vontade própria. A imensa quantidade do povo vive de mão estendida às “graças” do des-governo que assim comanda legislativo e judiciário e eleições. A chamada farsa dos Três Poderes.
Como primeira transmissão de valores, estamos não só a empobrecer a nossa cultura como a roubá-la!
Depois o Aurélio fala-nos nas crenças. Acreditar em que? Nos governantes e políticos, já ninguém acredita. Reverenciar a história, toda deturpada... ninguém se interessa. Numa religião? Povo composto de gente de tão diferentes culturas originais, tinha conseguido um modus vivendi bastante harmonioso, casando o catolicismo com tradições africanas, não só dando origem ao candomblé, mas adoçando por todo este imenso país o rigor romano. Criou os seus santos, e porque não, se todos o fizeram, desde a Senhora de Aparecida à Senhora do Rosário e ao Padinho Páde Cíço, e mais devoção menos devoção, essa religião brasileira, brasileira sim, serviu como meio de união. Há poucos anos chegaram os vendedores de milagres, os grandes marqueteiros vendedores de crendice. Assistimos agora a outra virose bem mais perigosa do que as músicas funk, que logo logo vão saturar também e não fazem bem a alguém, as igrejas de enriquecimento rápido, o melhor negócio neste momento no Brasil, depois de banco, é claro.
Há dias, nas janelas de uma dessas igrejas estava colocada uma larga faixa, que eu vi, e dizia:
“Esta semana grande promoção de milagres”
Incrível! Milagres por atacado. Talvez até para revenda. Preços módicos. Pagamento no cartão de crédito ou em “n” parcelas sem juros. Entrega em domicílio?
Lamentei não ter comigo uma máquina fotográfica! Mas muito povo acorre e paga para ver. Sem impostos nem inspetores de espécie alguma a perturbar o negócio, uns quantos milagritos combinados com silenciosos empregados ou familiares, promovem o rápido enriquecimento desses pastores ou bispos. O povo vai lá porque procura qualquer coisa. Ele passa mal, há pobreza, desemprego, fome até num país que produz 200 milhões de toneladas de grãos o que dá uma média uma tonelada por cabeça e por ano, quantidade mais do que suficiente para engordar a todos! Procura milagres assim como joga na loteria à espera deste outro milagre. E milagres não acontecem. Cada um de nós é que os faz!
Então que crença devemos transmitir aos jovens e vindouros? Que valores espirituais? O que se entende por valores espirituais? A educação cristã? A hebraica? Porque não hindu? E o candomblé?
Isto de religião é complicado, mas valores espirituais não tanto. O espírito é eterno, a carne limitada a um curtíssimo espaço de tempo entre a concepção e a morte. Daí que mausoléus e outros mais ou menos bem enfeitados jazigos possam ser úteis se nos ajudarem a reter o exemplo que o defunto eventualmente nos deixou! De outro modo não passa de mais uma demonstração de estratificação social, abominável.
Sem valores espirituais, morais e éticos, não conseguiremos, jamais, alcançar valores materiais. Não os materiais representados por riqueza, ostentação, esbanjamento, mas as obras de arte e infra-estrutura que identifiquem e ajudem a unir o povo.
Infelizmente também poucas são as escolas e faculdades confiáveis, e para a ignorância vale mais um diploma do que o conhecimento.
Com isto talvez se possam resumir os valores espirituais a pouco mais do que aquele ensinamento cristão: “Ama o teu próximo com a ti mesmo”, acrescentando o que naquela época era ainda desnecessário lembrar, ou impor: “Respeita a natureza”.
Ainda o nosso Aurélio diz por fim que “O desenvolvimento de uma nação é fruto do esforço coletivo pelo aprimoramento desses valores.”
Temos que começar por valorizar o que temos e o que tivémos. Porque enquanto os desprezarmos não os podemos aprimorar.
Onde fica então o desenvolvimento da nação?
Talvez com esta demonstração de “cultura” vinda do altíssimo topo, onde se destaca a objetividade, o conhecimento político-científico, a erudição e a...
Tem uma infraestrutura muito importante para o Brasil, que é também a infraestrutura relacionada ao fato de que nosso país precisa ter um padrão de banda larga, tanto backbone como backroll, compatível com a necessidade que nós teremos para entrarmos na economia do conhecimento, de termos uma infraestrutura, porque no que se refere a outra condição, que é a educação, eu acho importantíssima a decisão do Congresso Nacional de Brasil em relação aos royalties.
Esta maravilha de linguajar é parte de um pronunciamento, oficial, da madama dona presidenta!
Entendeu o que ela disse? Nem ela.
E o pior é que está lá desde 2011 e quer ficar mais quatro anos.
Só um backroll nos salva.


01-jan-03 / + ago-2014

Nenhum comentário:

Postar um comentário