Escrito em
Setembro de 2000
A BABILÓNIA
Apesar das controvérsias sobre o significado da
palavra Babilónia, a verdade é que
hoje quando alguém diz isto é uma
babilónia¸ está a dizer que isto é uma
confusão, uma bagunça, onde ninguém se entende.
Há quem atribua a origem da palavra a Bab-ilu, que seria a Porta de Deus. Seja como for também o Génesis diz que foi por causa da Torre
de Babel que Deus acabou pondo cada homem a falar a sua língua, para que não se
entendendo se dispersassem, e não insistissem na teimosia de querer chegar ao
céu através da tal torre.
Mais tarde apareceram os línguas, os poliglotas, os tradutores, os dicionários, tudo para
ver se homens, que teimam em não se entenderem, pelo menos imaginam o que os
seus semelhantes querem dizer, ou mais profundamente, o que estão a pensar!
Consta agora que pela União Européia vai uma baita babilónia com o gravissimo problema da venda do passe dos jogadores
de futebol, quando terminado um contrato!
Os governos todos empenhados nisso, ministros,
embaixadores, juristas, enfim um enxame de gananciosos à procura de uma lei que
lhes permita mamarem mais alguma grana com os pés dos virtuosos da bola! Não dá
para acreditar que se mobilize tanta gente importante
por causa do futebol.
O mais babilónico
de tudo isto é que ninguém está preocupado com o jogador, não. É na entrada de
divisas no seu país, quando não tarda nada acabam as tais divisas, na
Europa.
Mais babilónico
ainda é o assistirmos, há milhares de anos, a congressos, senados e diversos
outros conjuntos de gente que se reúnem para fazerem leis, sabendo de antemão
que essas leis têm como finalidade primária o interesse dos poderosos.
Tempos houve, e ainda há num ou outro canto deste
planeta global, em que o pobre nem sequer podia levantar a cara e olhar nos
olhos do chefe! Era lei.
Tempos há em que as leis são iguais para todos, mas
todo o mundo sabe que há uns todos
que são mais do que os outros todos!
Nos processos jurídicos é tal a babel, que se faltar uma vírgula no texto, o outro, se for pobre, pode até nem ser condenado, mesmo que tenha
sido flagrado a roubar, matar, estuprar. Rico então... para quê o texto?
No Brasil Deus juntou emigrantes de quase todos os cantos
do mundo. Os primeiros a emigrarem lá donde tenha sido, foram os que se
convencionou chamar-se de índios, depois vieram os portugueses, e meia dúzia de
franceses, a seguir levas infindas de africanos, holandeses, e por fim
italianos, alemães, espanhóis, japoneses, coreanos, chineses, hindus,
palestinos, libaneses, turcos, árabes, e os outros
etc. todos.
Esse povo, trabalhador, desbabelizou-se num instante, e contribuiu para o progresso do
país. Os outros, os que vão para a
administração pública, salvo honradas e ignotas exceções, babelizam-se e não entendem mais a vox popula.
Neste país, como em toda a parte do mundo, há que
pagar impostos. Muitos impostos. Imensos impostos. Injustos impostos. Quem paga
a maioria deles somos nós. Os outros
fazem ouvidos de... babel.
Um deles é o Imposto de Renda, que se vai depositando
ao longo do ano. Quando por fim o cidadão, o comum, apresenta a sua declaração
anual, pode ter direito a restituição.
O japonês, um dos povos com mais dificuldade a
aprender português, em terra estranha muitas vezes permanece fechado no círculo
da família onde a sua língua original é falada quase em exclusivo. Só os
filhos, nascidos ou criados no Brasil, vão para casa a falar a língua dos
coleguinhas de escola e assim o português, lentamente, vai repondo as línguas
dos emigrantes.
Vovô Takashiro fez a sua declaração anual do imposto
de renda. E aguardou. Tempo passado, falando pouco mais que japonês, sem
receber resposta da receita federal, foi a uma das suas repartições saber se
tinha direito a receber de volta algum trocadinho que lhe fazia falta.
Dirigiu-se a uma funcionária e:
- Eu
Takashiro Kakombi.
- O que o
senhor deseja?
- Fukhyu?
Fukhyu?
A funcionária, dona Viollante (com dois “l”), que não
sabia muito de inglês mas estava cansada de ver estas educadas palavras nos
filmes americanos que passam na tv, ficou... p. da vida! Foi chamar o chefe.
O chefe olhou para ele, ar grave, e Takashiro, calmo,
sorriso amarelo e enrugado, voltou a repetir
- Fukhyu?
Fukhyu?
Escândalo! Polícia. Delegacia. Takashiro, sem entender
nada do que se passava. O delegado mandou chamar alguém da família dele, que
chegou horrorizada por ver seu honrado chefe de família quase trancafiado no
meio dos bandidos.
- Seu
delegado, o que fazer meu honrado pai?
Delegado, constrangido (delegado constrangido?) lá
explicou o que se passara na repartição da receita federal, quando seu
Takashiro insultara a dona Violante.
- Oh! Seu
delegado! Meu honrado pai não falar bem poruguês. Esse palavra feio a inglês,
no Japão querer dizer restituição! Ele só querer saber se tinha restituição do
IR.
Nessa altura dona Violante foi consultar a ficha dele
e aproveitou para se vingar:
- Fukhyu.
- Como?
- Em inglês.
Não tem!
11 set 2000
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