terça-feira, 27 de agosto de 2013



Os Príncipes de Portugal

nas Colónias

Creio que pouco se sabe sobre viagens dos Príncipes de Portugal às suas colónias ou províncias.
Pela minha parte, ignorante, além da “manobra” de Dom João VI refugiando-se no Brasil, e o primeiro da história a sair de Portugal, com exceção dos Ìnclitos ao Sebastião, que foram batalhar (e morrer) no Norte de África, só tinha conhecimento da grande viagem do Príncipe Dom Luis Filipe, em 1907, a São Tomé, Angola e Moçambique, que, sob todos os aspetos foi um imenso sucesso.
Um sucesso, uma euforia, não só entre os brancos como com os naturais que conheceram “aquilo” que para eles pouco mais era do que uma lenda!
Mas de repente surgem, nos cantos de uma ou outra publicação uma ou duas linhas falando de outros Príncipes que para Além Mar se deslocaram.
Por exemplo a Grande (grande!) Enciclopédia Portuguesa e Brasileira, sobre o futuro rei D. Luis laconicamente indica:
“D. Luis foi investido no comando da corveta ‘Bartolomeu Dias’. Nesse navio visitou os nossos portos africanos, designadamente os de Angola.” E... nada mais!
Outros livros consultados nem isto contam. A não ser José de Almeida Santos que em l972 publicou com a Câmara Municipal de Luanda o livro “A Velha Loanda”, e aí não só descreve essa visita de D. Luis a Luanda como ainda transcreve o que sobre o assunto, foi publicado no “Boletim Oficial do Governo Geral da Província de Angola”.

A VISITA DO PRÍNCIPE D. LUIZ, DUQUE DO PORTO

Em finais de Julho de 1860, Loanda aguardava alvoro­çada a próxima visita de Sua Alteza Real o Infante D. Luiz, Duque do Porto. Os preparativos para receber condignamente o régio visitante realizavam-se por aqueles dias num ritmo apreciável. E a chegada em breve do Príncipe, vindo de tão longe para honrar com a sua presença a capital da Província, excitava as imaginações e dominava todas as conversas, não só as domésticas mas também aquelas tra­vadas nos locais de tertúlia habitual.
A Câmara Municipal de Luanda tomava a sua quota parte nos trabalhos a levar a cabo para a recepção ao In­fante, encarregando-se do arranjo do Cais da Alfândega no local onde Sua Alteza iria desembarcar e da apresenta­ção do pálio sob o qual D. Luiz transitaria até à Sé. Toda­via, a carência de pessoal para efeito levava o Presidente do Município a pedir ao Governador Geral que lhe fossem cedidos sessenta libertos das Obras Públicas, os quais deve­riam concentrar-se no Cais às seis da manhã a fim de cola­borarem nos trabalhos a efectuar.
«A Camará Municipal de Loanda desejando dar um publico testemunho do jubilo que tem pela vinda a esta Cidade de Sua Alteza Real o Sereníssimo Senhor Infante D. Luís, não tendo outro meio por que solemnemente o pos­sa fazer (...)».
Para maior elucidação do Chefe da Província remetia-se-lhe em anexo parte da acta da sessão onde se haviam agitado aqueles assuntos, solicitando de Sua Excelência o deferimento rápido da proposta, a fim de poderem iniciar-se o mais breve possível os preparativos necessários.
Chegou finalmente a jubilosa data. A 31 de Agosto de 1860, surgia à vista de Loanda—nova confirmada pelo «telegrapho da Fortaleza de S. Miguel»—ao cabo de 29 dias de viagem, a corveta «Bartolomeu Dias» comandada pelo In­fante D. Luiz Filipe, Duque do Porto.
Logo que se obteve a confirmação de que se tratava do navio em que viajava o Príncipe, do brigue «Pedro Nu­nes», dos outros navios portugueses surtos no porto, da fragata americana «Constellation», da inglesa «Arrogant» e das fortalezas retumbaram em uníssono as sal­vas da praxe. Entretanto o Governador Geral, Carlos Au­gusto Franco, mandava publicar no «Boletim» a portaria n.° 110 — onde se especificavam as regalias especiais con­cedidas durante três dias aos funcionários públicos, em homenagem ao régio visitante, irmão de Sua Magestade El-Rei D. Pedro V. Na mesma portaria revelava o Gover­nador o fim da viagem à costa de Angola do Sereníssimo Infante «(...) o qual vem conhecer as mais immediatas precizôes da província para as levar aos pés do Throno de Seu Augusto Irmão EI-Rei o Senhor D. Pedro V» — declara­ção esta que, sem dúvida, iria encher de satisfação quantos na altura labutavam e viviam nas paragens angolanas.
Os funcionários públicos, durante os três dias de gran­de gala fixados pelo Governador, ficariam pois libertos do despacho nas respectivas repartições/excepto nas fiscais, a fim de concorrerem aos festejos anunciados.
A Câmara Municipal fez proclamar um bando em que se pedia aos moradores que, iluminassem as suas casas durante três noites seguidas.
O tenente-coronel Carlos Augusto Franco dirigiu-se imediatamente a bordo da «Bartolomeu Dias», a apresen­tar cumprimentos, gesto que repetiria no dia seguinte, des­ta vez acompanhado do Conselho do Governo, da Câmara, de muitos funcionários civis e militares e «dnma deputação do corpo do Commercio, para em grande cerimonia beija­rem a mão de Sua Alteza, e felicital-o pela Sua vinda a esta província». Incorporavam-se também na embaixada de boas-vindas os Cônsules dos Estados Unidos da América e da Inglaterra.
Sua Alteza fizera constar logo após a sua chegada que receberia as pessoas e entidades que o pretendessem cum­primentar a bordo, enquanto durasse a sua estadia em Loanda, todos os dias, entre o meio-dia e as três horas da tarde.
Contra a expectativa geral, o Príncipe não desceu logo a terra; sabia-se que por proibição do seu médico particu­lar em virtude de haver sido atacado de febres dois dias antes da chegada. Marcara o seu desembarque para o dia 9.
Raiava enfim o dia 9 — dia fixado para o desembar­que do Príncipe D. Luiz — o futuro rei D. Luiz I. E mal lu­zia o primeiro alvor da manhã podiam admirar-se as forta­lezas embandeiradas, assim os navios nacionais mercantes e de guerra surtos no porto e até a corveta francesa «La Recherche».
O Infante desembarcou pelas 9 horas da manhã, acom­panhado do Governador Geral e da sua comitiva. No cais engalanado, aguardavam-no já o Conselho do Governo, a Câmara Municipal, o Corpo Consu­lar, o funcionalismo civil e militar, o corpo comercial e as personalidades mais distintas da terra. Em redor, a massa popular acotovelava-se e atropelava-se para não perder o espectáculo. E o estralejar dos foguetes lançados de mo­mento a momento, uns atrás dos outros, tornava-se ensur­decedor.
Logo após o desembarque do Príncipe, adiantou-se o enervado Presidente da Câmara, Manoel Jorge de Carvalho e Souza, à frente da Vereação, a saudar Sua Alteza e a de­por nas suas régias mãos as chaves da Cidade.
E era chegado o momento de aparecer o famoso pálio sob o qual D. Luiz transitaria a pé do «Caes da Alfândega» até à Sé Catedral, onde deveria realizar-se o solene «Te-Deum» em acção de graças pela feliz chegada do Infante.
O cortejo que se formou e seguiu até à Sé no rasto de Sua Alteza, ao atravessar pelas ruas fixadas no pro­grama, passava entre janelas garridamente enfeitadas de colchas ricas, onde se debruçavam as damas luandenses também arrebicadas em galas de festa — as damas da Ci­dade, de ordinário sumidas no interior do ninho familiar...
Após o «Te-Deum», o Príncipe seguiu a cavalo até ao Palácio do Governo acompanhado pelo Governador Geral e demais oficialidade superior e escoltado por uma força de cavalaria. Ali, pelo meio-dia, realizou-se a ceri­mónia de cumprimentos com a comparência das persona­lidades mais distintas da terra, no decorrer da qual, o Presidente da Câmara, em nome do Município, dirigiu uma saudação ao régio visitante, que aproveitou aquela oportunidade para enume­rar perante Sua Alteza as grandes, as graves atribulações sentidas ha Província, como eram: a falta de estra­das, a falta da água suficiente para abastecer as cidades, a falta de trabalho para ocupar os muitos braços parados e inúteis, a falta de uma engrenagem judicial eficiente e dinamizada, de médicos bastantes para acudir aos doen­tes e prevenir as grandes epidemias, além da fortificação dos pontos estratégicos a fim de garantir a segurança e a defesa das populações havia pouco ameaçadas pelo risco de sublevações no interior - urgentes necessidades estas para o remédio das quais, Carvalho e Sousa punha a sua mais alta esperança na intervenção do Infante junto de El-Rei seu irmão.
D. Luiz Filipe, em resposta, assegurava gentilmente interceder como lhe era solicitado e empenhar nisso toda a sua boa-vontade.
Pelas três horas da tarde ofereceu o Governo um lan­che a Sua Alteza, com a comparência de 36 convidados se­leccionados entre as personagens mais notáveis da Cidade.
A bateria de montanha colocada defronte do Palácio sublinhava os vivas soltados no decorrer da recepção; o Príncipe elevou também o seu brinde pelas prosperidades de Angola. Findou aquele repasto cerimonioso pelas 5 ho­ras da tarde; e como o tempo se apresentava muito ameno e agradável, Sua Alteza decidiu ir a pé visitar o Hospital da Misericórdia, sendo acompanhado no percurso por to­dos os convidados.
De volta ao Palácio, resolveu D. Luiz Filipe montar a cavalo a fim de visitar também o Recolhimento Pio, donde depois desceu até ao Cais para recolher a bordo, escoltado pelo Governador Geral—aguardado já naquele local pelo habitual grupo de altas personalidades oficiais e particulares, que lhe apresentaram cumprimentos.
No dia seguinte, 10 de Setembro de 1860, o Duque do Porto participou ao Governador Geral a intenção de ofere­cer sessenta libras destinadas a serem distribuídas pelo Recolhimento Pio, Santa Casa da Misericórdia e presos pobres.
Pelas quatro horas da tarde do dia 12, o Infante des­ceu de novo à Cidade, prescidindo de cerimonial, com o desígnio de ir observar os quartéis e a Fortaleza de S. Mi­guel — encontrando muito arruinadas as instalações mili­tares, em absoluto carecidas de imediata reparação.
A 14 de Setembro decidiu Sua Alteza levantar ferro das paragens africanas, com destino a Lisboa. E, após os cumprimentos das autoridades oficiais e entidades particu­lares que se haviam deslocado a bordo da «Bartolomeu Dias», deu o Infante a ordem de partida, eram três horas da tarde,
Cinco escassos dias apenas durara a estadia do Príncipe em terras de Angola, tempo na verdade demasiado breve para poder aperceber-se dos grandes problemas da Província – como lhe destinara por missão seu real mano El-Rei D. Pedro V. E o jóvem Infante que, poucos anos depois, viria a ser o Rei D. Luiz I, não poderia de facto transmitir a seu Irmão mais do que uma visãomuito superficial da dimensão dos assuntos angolanos.
(A este tipo de visitantes se chamou mais tarde “os inspetores de cacimbo”! E desta vez o Infante D. Luiz esteve dois meios dias, só, em terra! Dia 9 e dia 12. Não viu nada, não se interessou por nada e deu uma esmola para alguns desgraçados. Fou uma grande visita!)

***
Em 1895 revoltou-se na Índia portuguesa uma companhia de maratas que não queria ir para para Moçambique, conseguindo a adesão dos rames (timorenses). A rebelião tomou vulto e como os rebeldes se dedicassem a atos de banditismo, decidiu-se na metrópole enviar uma expedição e nomear Vice-Rei da Índia o Infante D. Afonso Henriques, Duque do Porto, irmão do rei D. Carlos, já condestável do reino, general de brigada e inspetor da arma de artilharia.
Em 12 de Dezembro chegava a Pangim (“Nova Goa”) a expedição comandada pelo Infante, e a 24 organizou-se uma coluna com D. Afonso à frente do grosso das tropas, ao encontro dos rebeldes, que se achavam em Razingante. Após combates com guerrilhas inimigas, que se esgueiravam pelas florestas e desfiladeiros, avançou-se sobre Canacona, Cumbray, Sanguera, Samorden, Serodá, Pondová, até Sulav, encontrando-se a região devastada pelos insurretos, que voltaram para Satari.
D. Afonso acabou por conceder a amnistia aos rebeldes de Satari (1896) e regressou a Portugal.
Não chegou a ano a estadia do último Vice-Rei da Índia nas terras que lhe foram entregues!

Não parece terem sido mais do que estas as visitas dos Príncipes no vasto Império português.
Honra e glória ao jovem príncipe da Beira, Dom Luis Filipe, filho do Rei D. Carlos e com ele brutalmente assassinado em 1908.
A sua viagem ao Ultramar, em 1907, foi, essa sim, um imenso sucesso.


23/08/2013

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