Falares
de Moçambique
“República
Militar da Maganja da Costa”
Há
muito tempo que não falávamos de Moçambique. Não é por isso que ocupa lugar
secundário nas nossas saudades de África. Mas o tempo vai passando, outros
assuntos se interpondo e...
Hoje
vamos buscar termos da região da Zambézia, mais especificamente da “República Militar
da Maganja da Costa”, e em outro dia tentar explicar que república, e ainda por
cima militar é, aliás foi, esta. Começámos a escrever isto em 2009 e acabou por
ficar perdido nos milhões de bytes do computador!
- CAFRE
Sempre
que algum termo passa a ser usado com conotação racista ou depreciativa, o que
vem dar ao mesmo, deve abolir-se.
Os
escritos dos portugueses do séc. XIX, que receberam essa palavra no Norte de
Moçambique através de populações islamizadas, passaram a usá-la para definir,
de forma genérica, os povos mais incultos, e estenderam essa denominação a
todos os que se não distinguiam em grupos étnicos definidos.
É
semelhante ao que se passou na Europa com a palavra “bárbaro” que significava o
“outro” o “ateu”, o que não falava a “nossa” língua. Depois passou a significar
todo o “selvagem”, ou que praticava atos de selvajaria, etc. Apesar de cafre
vir do árabe – kafr – e significar,
expressamente, o infiel, o não muçulmano, aquele que ficava além Egito e Núbia,
acabou tendo o mesmo sentido depreciativo que bárbaro.
Não
se chama mais bárbaros aos germânicos, nem aos tártaros, mas... as barbaridades
continuam pelo mundo fora, sobretudo cometidas pelos “civilizados”, e os
“cafres” há muito foram deixados em paz. Melhor para eles.
- KRAAL
Por
muito estranho que pareça o étimo desta palavra é latino!
Poucas
vezes se encontra, na escrita portuguesa essa palavra para definir uma construção
de defesa. O livro de António Ennes, “A Guerra de África”, refere que era
preciso atacar o kraal de Muzila, mas
há sobretudo uma curiosa descrição quando descreve o ataque a Gungunhana, em
Manjacase: “Os vátuas... nunca aprenderam
com os indígenas do Zambeze a levantar aringas! Tradicionalmente conservavam
dos seus antepassados o brio de combater a peito descoberto e em campo aberto,
e foi essa ingenuidade de bravura que os perdeu.”
Kraal é uma palavra afrikaans, que
foi adotada pelos ingleses e que deriva, ou antes, é deturpação de curral! Palavra
usada pelos portugueses muito antes dos ingleses imaginarem onde ficava a
África.
Curral
é do latim corrale – lugar onde se
guardavam os currus, os carros.
Isto
parece encaixar-se perfeitamente sabendo-se que os africanos defendiam os seus
gados, à noite, em currais circulares, dos ataques de predadores, sobretudo
leões e leopardos. Eram, e são, paliçadas, com mais de 2 metros de altura, e
que serviam também de defesas militares.
- ARINGA
1.-
Origem alemã, hrings (círculo) ou do
inglês ring (a mesma coisa, anel ou
círculo), não faz o menor sentido. Os alemães só começaram a colonizar o
Tanganica – Tanzânia – em 1880 e muito antes disso já o termo era usado no
nordeste de Moçambique;
2.-
A “capital” da “República de Maganja da Costa” chamava-se Aringa; o “dono” de
um dos “prazos”, Bonifácio da Silva, fez construir uma aringa em Aringa, além
de outras duas mais para o interior. Por aqui se vê que pode haver alguma
distinção entre aringa – fortificação, como paliçada ou fosso, etc. – e Aringa
povoação;
3.-
Nessa região, entre os rios Lucungo e Raraga, viveram os Nharingas, povo
altivo, forte, guerreiro, que se considerava superior aos outros! Aí se situava
Aringa. Seria muito interessante que alguém consultasse o livro “Os Nharingas”,
de Luciano da Costa Rebelo, Quelimane, 1960, dactilografado. (Melhor ainda se
me conseguissem uma cópia do mesmo, pelo que eu ficaria extremamente grato!) Há
também autores que classificam o povo da Maganja da Costa como um grupo ou
sub-grupo étnico conhecido por “nharinga” ou “anyaringa”.
Como
conclusão, ou existiu um povo nharinga, forte, lutador, que começou por criar
uma defesa à volta da sua povoação, ou... a origem ficará longe de esclarecer,
porque vindo do gótico ou saxão ninguém engole.
Curiosidade:
em italiano, aringa é um peixe, o arengue, Clupea harengus,
segundo Lineu!
A
“República Militar da Maganja da Costa” ocupava o que é hoje o Distrito Maganja
da Costa, na costa do Índico, a Norte de Quelimane, na Província da Zambézia, e
a sua capital é Maganja.
Sob
um estranho e único regimem, onde o “escravo” era mais importante que o homem
livre, o agricultor, aquele povo estava organizado no modo a que hoje
chamaríamos exércitos.
O
prestígio dos chefes, a maioria descendente de portugueses, mas já todos
misturados com africanos e indianos, media-se no número de “escravos” de que
dispunha. Esses exércitos eram formados por milhares de escravos, verdadeiros achicunda, todos armados e com forte
disciplina militar, eram respeitados, e sentiam-se superiores ao povo simples.
Achicundas
A
organização desses exércitos era formada por ensacas – grupo de guerreiros que tanto poderia ser de 250 homens
como de milhares, comandados pelos cazembes
– capitães.
Abaixo
dos cazembes havia os sachecundas – sargentos – e mucatas – cabos, que em conselho elegiam
o cazembe, que só assumia depois de
validado pelo conselho dos cazembes que
era presidido pelo capitão da Aringa. E eram estes cazembes que, reunidos, nomeavam o capitão general.
O
segundo personagem na estrutura de poder da República era o Bazo, uma espécie de diretor supremo dos
serviços administrativos, também eleito pelos cazembes.
A
terceira pessoa era o Canhongo. O adivinho! Velho sipai conhecido pela sua valentia e bom humor, o canhongo era o encarregado de vigiar de
noite todas as sentinelas e de transmitir as ordens, e era equiparado aos cazembes.
Ambos
usavam o cabo de guerra, cauda de
búfalo, que sobressaia nas cerimónias feitas antes da guerra.
Antes
de marcharem para a guerra sempre consultavam os mzimos, espíritos, através duma velha feiticeira, ou feiticeiro, pandoro, a troco de alguns saguates, prendas, de aguardente ou
algodão.
(a continuar)
16/06/2009
Os Prazeiros eram maioritariamente Goeses. Não eram os indianos m
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