Os
Príncipes de Portugal
nas
Colónias
Creio
que pouco se sabe sobre viagens dos Príncipes de Portugal às suas colónias ou
províncias.
Pela
minha parte, ignorante, além da “manobra” de Dom João VI refugiando-se no
Brasil, e o primeiro da história a sair de Portugal, com exceção dos Ìnclitos
ao Sebastião, que foram batalhar (e morrer) no Norte de África, só tinha
conhecimento da grande viagem do Príncipe Dom Luis Filipe, em 1907, a São Tomé,
Angola e Moçambique, que, sob todos os aspetos foi um imenso sucesso.
Um
sucesso, uma euforia, não só entre os brancos como com os naturais que conheceram
“aquilo” que para eles pouco mais era do que uma lenda!
Mas
de repente surgem, nos cantos de uma ou outra publicação uma ou duas linhas
falando de outros Príncipes que para Além Mar se deslocaram.
Por
exemplo a Grande (grande!) Enciclopédia Portuguesa e Brasileira, sobre o futuro
rei D. Luis laconicamente indica:
“D. Luis foi investido no comando da
corveta ‘Bartolomeu Dias’. Nesse navio visitou os nossos portos africanos,
designadamente os de Angola.” E...
nada mais!
Outros
livros consultados nem isto contam. A não ser José de Almeida Santos que em
l972 publicou com a Câmara Municipal de Luanda o livro “A Velha Loanda”, e aí não só descreve essa visita de D. Luis a
Luanda como ainda transcreve o que sobre o assunto, foi publicado no “Boletim
Oficial do Governo Geral da Província de Angola”.
A VISITA DO PRÍNCIPE D. LUIZ, DUQUE DO PORTO
Em finais de Julho de 1860, Loanda
aguardava alvoroçada a próxima visita de Sua Alteza Real o Infante D. Luiz,
Duque do Porto. Os preparativos para receber condignamente o régio visitante
realizavam-se por aqueles dias num ritmo apreciável. E a chegada em breve do
Príncipe, vindo de tão longe para honrar com a sua presença a capital da
Província, excitava as imaginações e dominava todas as conversas, não só as
domésticas mas também aquelas travadas nos locais de tertúlia habitual.
A
Câmara Municipal de Luanda tomava a sua quota parte nos trabalhos a levar a
cabo para a recepção ao Infante, encarregando-se do arranjo do Cais da
Alfândega no local onde Sua Alteza iria desembarcar e da apresentação do pálio
sob o qual D. Luiz transitaria até à Sé. Todavia, a carência de pessoal para
efeito levava o Presidente do Município a pedir ao Governador Geral que lhe
fossem cedidos sessenta libertos das Obras Públicas, os quais deveriam
concentrar-se no Cais às seis da manhã a fim de colaborarem nos trabalhos a
efectuar.
«A Camará Municipal de Loanda desejando
dar um publico testemunho do jubilo que tem pela vinda a esta Cidade de Sua
Alteza Real o Sereníssimo Senhor Infante D. Luís, não tendo outro meio por que
solemnemente o possa fazer (...)».
Para maior
elucidação do Chefe da Província remetia-se-lhe em anexo parte da acta da
sessão onde se haviam agitado aqueles assuntos, solicitando de Sua Excelência o
deferimento rápido da proposta, a fim de poderem iniciar-se o mais breve
possível os preparativos necessários.
Chegou finalmente a jubilosa data. A 31
de Agosto de 1860, surgia à vista de Loanda—nova confirmada pelo «telegrapho da Fortaleza de S. Miguel»—ao
cabo de 29 dias de viagem, a corveta «Bartolomeu Dias» comandada pelo Infante
D. Luiz Filipe, Duque do Porto.
Logo que se obteve a confirmação de que
se tratava do navio em que viajava o Príncipe, do brigue «Pedro Nunes», dos
outros navios portugueses surtos no porto, da fragata americana
«Constellation», da inglesa «Arrogant» e das fortalezas retumbaram em uníssono
as salvas da praxe. Entretanto o Governador Geral, Carlos Augusto Franco,
mandava publicar no «Boletim» a portaria n.° 110 — onde se especificavam as
regalias especiais concedidas durante três dias aos funcionários públicos, em
homenagem ao régio visitante, irmão de Sua Magestade El-Rei D. Pedro V. Na
mesma portaria revelava o Governador o fim da viagem à costa de Angola do
Sereníssimo Infante «(...) o qual vem conhecer as mais immediatas precizôes
da província para as levar aos pés do Throno de Seu Augusto Irmão EI-Rei o
Senhor D. Pedro V» — declaração esta que, sem dúvida, iria encher de
satisfação quantos na altura labutavam e viviam nas paragens angolanas.
Os funcionários
públicos, durante os três dias de grande gala fixados pelo Governador,
ficariam pois libertos do despacho nas respectivas repartições/excepto nas
fiscais, a fim de concorrerem aos festejos anunciados.
A
Câmara Municipal fez proclamar um bando em que se pedia aos moradores que,
iluminassem as suas casas durante três noites seguidas.
O
tenente-coronel Carlos Augusto Franco dirigiu-se imediatamente a bordo da
«Bartolomeu Dias», a apresentar cumprimentos, gesto que repetiria no dia
seguinte, desta vez acompanhado do Conselho do Governo, da Câmara, de muitos
funcionários civis e militares e «dnma deputação do corpo do Commercio, para
em grande cerimonia beijarem a mão de Sua Alteza, e felicital-o pela Sua vinda
a esta província».
Incorporavam-se também na embaixada de boas-vindas os Cônsules dos Estados
Unidos da América e da Inglaterra.
Sua
Alteza fizera constar logo após a sua chegada que receberia as pessoas e
entidades que o pretendessem cumprimentar a bordo, enquanto durasse a sua
estadia em Loanda, todos os dias, entre o meio-dia e as três horas da tarde.
Contra
a expectativa geral, o Príncipe não desceu logo a terra; sabia-se que por
proibição do seu médico particular em virtude de haver sido atacado de febres
dois dias antes da chegada. Marcara o seu desembarque para o dia 9.
Raiava enfim o dia 9 — dia fixado para o
desembarque do Príncipe D. Luiz — o futuro rei D. Luiz I. E mal luzia o
primeiro alvor da manhã podiam admirar-se as fortalezas embandeiradas, assim
os navios nacionais mercantes e de guerra surtos no porto e até a corveta
francesa «La Recherche».
O Infante desembarcou pelas 9 horas da
manhã, acompanhado do Governador Geral e da sua comitiva. No cais engalanado,
aguardavam-no já o Conselho do Governo, a Câmara Municipal, o Corpo Consular,
o funcionalismo civil e militar, o corpo comercial e as personalidades mais
distintas da terra. Em redor, a massa popular acotovelava-se e atropelava-se
para não perder o espectáculo. E o estralejar dos foguetes lançados de momento
a momento, uns atrás dos outros, tornava-se ensurdecedor.
Logo após o desembarque do Príncipe,
adiantou-se o enervado Presidente da Câmara, Manoel Jorge de Carvalho e Souza,
à frente da Vereação, a saudar Sua Alteza e a depor nas suas régias mãos as
chaves da Cidade.
E era chegado o momento de aparecer o famoso
pálio sob o qual D. Luiz transitaria a pé do «Caes da Alfândega» até à Sé
Catedral, onde deveria realizar-se o solene «Te-Deum» em acção de graças pela
feliz chegada do Infante.
O cortejo que se formou e seguiu até à Sé
no rasto de Sua Alteza, ao atravessar pelas ruas fixadas no programa, passava
entre janelas garridamente enfeitadas de colchas ricas, onde se debruçavam as
damas luandenses também arrebicadas em galas de festa — as damas da Cidade, de
ordinário sumidas no interior do ninho familiar...
Após o «Te-Deum», o Príncipe seguiu a
cavalo até ao Palácio do Governo acompanhado pelo Governador Geral e demais
oficialidade superior e escoltado por uma força de cavalaria. Ali, pelo meio-dia,
realizou-se a cerimónia de cumprimentos com a comparência das personalidades
mais distintas da terra, no decorrer da qual, o Presidente da Câmara, em nome
do Município, dirigiu uma saudação ao régio visitante, que aproveitou aquela oportunidade para
enumerar perante Sua Alteza as grandes, as graves atribulações sentidas ha
Província, como eram: a falta de estradas, a falta da água suficiente para
abastecer as cidades, a falta de trabalho para ocupar os muitos braços parados
e inúteis, a falta de uma engrenagem judicial eficiente e dinamizada, de
médicos bastantes para acudir aos doentes e prevenir as grandes epidemias,
além da fortificação dos pontos estratégicos a fim de garantir a segurança e a
defesa das populações havia pouco ameaçadas pelo risco de sublevações no
interior - urgentes necessidades estas para o remédio das quais, Carvalho e
Sousa punha a sua mais alta esperança na intervenção do Infante junto de El-Rei
seu irmão.
D. Luiz Filipe, em resposta, assegurava
gentilmente interceder como lhe era solicitado e empenhar nisso toda a sua
boa-vontade.
Pelas três horas da tarde ofereceu o
Governo um lanche a Sua Alteza, com a comparência de 36 convidados seleccionados
entre as personagens mais notáveis da Cidade.
A bateria de montanha colocada defronte
do Palácio sublinhava os vivas soltados no decorrer da recepção; o Príncipe
elevou também o seu brinde pelas prosperidades de Angola. Findou aquele repasto
cerimonioso pelas 5 horas da tarde; e como o tempo se apresentava muito ameno
e agradável, Sua Alteza decidiu ir a pé visitar o Hospital da Misericórdia,
sendo acompanhado no percurso por todos os convidados.
De volta ao Palácio, resolveu D. Luiz
Filipe montar a cavalo a fim de visitar também o Recolhimento Pio, donde depois
desceu até ao Cais para recolher a bordo, escoltado pelo Governador
Geral—aguardado já naquele local pelo habitual grupo de altas personalidades
oficiais e particulares, que lhe apresentaram cumprimentos.
No dia seguinte, 10 de Setembro de 1860,
o Duque do Porto participou ao Governador Geral a intenção de oferecer
sessenta libras destinadas a serem distribuídas pelo Recolhimento Pio, Santa
Casa da Misericórdia e presos pobres.
Pelas quatro horas da tarde do dia 12, o
Infante desceu de novo à Cidade, prescidindo de cerimonial, com o desígnio de
ir observar os quartéis e a Fortaleza de S. Miguel — encontrando muito
arruinadas as instalações militares, em absoluto carecidas de imediata
reparação.
A 14 de Setembro decidiu Sua Alteza
levantar ferro das paragens africanas, com destino a Lisboa. E, após os
cumprimentos das autoridades oficiais e entidades particulares que se haviam
deslocado a bordo da «Bartolomeu Dias», deu o Infante a ordem de partida, eram
três horas da tarde,
Cinco
escassos dias apenas durara a estadia do Príncipe em terras de Angola, tempo na
verdade demasiado breve para poder aperceber-se dos grandes problemas da
Província – como lhe destinara por missão seu real mano El-Rei D. Pedro V. E o
jóvem Infante que, poucos anos depois, viria a ser o Rei D. Luiz I, não poderia
de facto transmitir a seu Irmão mais do que uma visãomuito superficial da
dimensão dos assuntos angolanos.
(A este tipo de visitantes se chamou mais
tarde “os inspetores de cacimbo”! E desta vez o Infante D. Luiz esteve dois
meios dias, só, em terra! Dia 9 e dia 12. Não viu nada, não se interessou por
nada e deu uma esmola para alguns desgraçados. Fou uma grande
visita!)
***
Em 1895 revoltou-se na Índia portuguesa uma
companhia de maratas que não queria ir para para Moçambique, conseguindo a
adesão dos rames (timorenses). A rebelião tomou vulto e como os rebeldes se
dedicassem a atos de banditismo, decidiu-se na metrópole enviar uma expedição e
nomear Vice-Rei da Índia o Infante D. Afonso Henriques, Duque do Porto, irmão
do rei D. Carlos, já condestável do reino, general de brigada e inspetor da
arma de artilharia.
Em 12 de Dezembro chegava a Pangim (“Nova
Goa”) a expedição comandada pelo Infante, e a 24 organizou-se uma coluna com D.
Afonso à frente do grosso das tropas, ao encontro dos rebeldes, que se achavam
em Razingante. Após combates com guerrilhas inimigas, que se esgueiravam pelas
florestas e desfiladeiros, avançou-se sobre Canacona, Cumbray, Sanguera,
Samorden, Serodá, Pondová, até Sulav, encontrando-se a região devastada pelos
insurretos, que voltaram para Satari.
D. Afonso acabou por conceder a amnistia aos
rebeldes de Satari (1896) e regressou a Portugal.
Não chegou a ano a estadia do último Vice-Rei
da Índia nas terras que lhe foram entregues!
Não parece terem sido mais do que estas as visitas
dos Príncipes no vasto Império português.
Honra e glória ao jovem príncipe da Beira, Dom
Luis Filipe, filho do Rei D. Carlos e com ele brutalmente assassinado em 1908.
A sua viagem ao Ultramar, em 1907, foi, essa
sim, um imenso sucesso.
23/08/2013