quarta-feira, 23 de maio de 2012





Com este texto, e respetivo documento que o atesta, “começa” a história escrita dos desportos náuticos em Angola, sobretudo a história da vela, quando,em 29 de Outubro de 1863, “estavão em linha 2 escaleres à vela e uma balieira...” na baía de Luanda.
O que era nesse ano a “Associação Naval de Loanda” transformou-se no “Club Naval de Luanda”.
Infelizmente o único registro conhecido que chegou até nós, está no magnífico livro de José de Almeida Santos – “PÁGINAS ESQUECIDAS DA LOANDA DE HÁ CEM ANOS – IV – A VELHA LOANDA. Nos festejos, nas solenidades, no ensino”. Edição da Câmara Municipal de Luanda, 1972.
Como se lê nos dois primeiros parágrafos, a “Associação Naval de Loanda” e os desportos náuticos já vinham acontecendo há algum tempo. Infelizmente, por enquanto, nada mais se sabe, sobretudo quando terão começado.
Uma boa pesquisa no Boletim Oficial do Governo de Angola, daquela é poca, talvez possa ajudar.

UMA REGATA DA «ASSOCIAÇÃO NAVAL»

E FESTEJOS COMEMORATIVOS DO NASCIMENTO

DO PRÍNCIPE D. CARLOS

No dia 29 de Outubro de 1863, a «Associação Naval de Loanda», de que era presidente o Governador Geral e vice-presidente o Chefe da Estação Naval Portuguesa, realizava mais um festival náutico na baía em prosseguimento dos festivais já levados a efeito.
O gosto pelos desportos náuticos parecia ter-se inveterado nas predilecções da sociedade luandense desde o estabelecimento da «Associação Naval de Loanda». Organizavam-se regatas, com aparato de música e de festa; con¬corriam aos convidativos prémios embarcações pertencentes a cavalheiros abastados da Cidade. E as senhoras aproveitavam a oportunidade para exibirem elegâncias, desejosas de se tornarem notadas num espectáculo a que a presença do Chefe da Província dava um prestígio cerimonioso.
Na data assinalada, logo pela manhãzinha saía do «Caes da Alfândega» em direcção à Ilha um escaler conduzindo o Governador e algumas damas convidadas. No rasto da embarcação de S. Exa. singravam, em alegre revoada, 14 barcos de remos servindo-lhe de escolta, onde se viam também muitas senhoras.
Já no cais da Ilha, aguardavam respeitosamente o Chefe da Província e o Vice-Presidente da «Associação Naval», Capitão-tenente C. A. de Simas, os cavalheiros que constituíam a direcção do Clube.
Após o desembarque daquelas altas personalidades e dos restantes convidados, e após os cumprimentos da praxe, a banda de música do Batalhão de Infantaria n.° l, requi¬sitada para abrilhantar o espectáculo, rompia na execução da primeira peça do seu variado repertório.
O Governador mandou pouco depois colocar a balisa para se dar início à regata anunciada. S. Exa. foi instalar-se na casa do abastado proprietário Sr. Pamplona, e dali daria as suas ordens e instruções para a competição.
Depois do tiro de peça convencional iniciava-se a primeira prova, com seis escaleres de 4 remos lançados a toda a força cortando as águas da baía. Venceu esta prova, com bela vantagem, o escaler «Dona Izabel», propriedade do comerciante americano A. Archer Silva que servira, ele próprio, de patrão. Muito aplaudido e havendo recebido a pecúnia do prémio, distríbuiu-a o americano pela tripulação do seu barco.
Prosseguia a disputa desportiva — depois de meia hora de intervalo — com a competição entre quatro embarcações de 5 remos, donde regressou triunfante a baleeira «Augusta», propriedade dos negociantes irmãos Oliveira Machado, que arrancou o prémio de 5 libras entregues à tripulação envoltas numa nota de 5$000 réis — lembrança particular do Senhor Governador Geral, Presidente da «Associação».
Chegara, entretanto, a hora do repasto preparado pela direcção para obsequiar S. Exa. e os convidados. E o Chefe da Província e as senhoras foram solicitadas a passarem à sala onde se haviam armado requintadamente as mesas.
Tratava-se, na realidade, de uma lauta refeição servida a 70 convidados, decerto com o apetite desperto pelo ar vivo do mar e pela emoção nervosa das corridas. Às cabeceiras da grande mesa ficaram o Governador e o Vice-Presidente Simas, este muito pressuroso e cortezão em dispor as damas nos lugares de mais evidência e de maior distinção.
No termo do copioso e alegre festim, levantaram-se os inevitáveis e ardentes brindes ao êxito e aos vencedores das provas desportivas, a El-Rei D. Fernando e a El-Rei D. Luiz.
E concorreram de novo aquelas damas e cavalheiros aos seus postos de observação — sem dúvida já um pouco pesados e enlanguescidos na digestão dos acepipes — pois iria completar-se o programa com a competição entre dois escaleres à vela e uma balieira. Regressou vencedor o escaler «Joli» do negociante Sr. J. J. Castro Leite.
Às cinco horas e meia da tarde acabava o espectáculo, e S. Exa. o Governador Geral e o Vice-Presidente da «Associação Naval», após os cumprimentos de despedida, encaminharam-se de novo para o cais da ilha a fim de embarcarem no escaler que os conduziria a Loanda.
Como uns dias mais tarde, na Imprensa, diria o ilustre e inspirado Arsénio Pompeu de Carpo, no final de várias considerações de proselitismo liberal, habilidosamente inseridas, «(...) a regata é uma prova do desenvolvimento do progresso, é uma diversão sim; mas com ela as artes muito lucrão.
O Theatro, a associação commercial, as sociedades beneficentes e humanitárias, as companhias, as reuniões, e mil outras diversões úteis e agradáveis, são o resultado dos esforços da autoridade, que funda a sua maior gloria na união de toda a família loandense, e na paz da provincia». (*)
Este festival náutico-desportivo realizou-se a poucos dias da chegada a Loanda da grande nova esperada de Lisboa: o nascimento do Príncipe Real. Com efeito, a 28 de Setembro de 1863 nascia no Paço das Necessidades, pela 1 e meia da tarde, o Príncipe D. Carlos, tragicamente marcado pelo destino para vir acabar depois de rei às mãos da sanha revolucionária.

N.- Era governador de Angola o Capitão de Mar e Guerra José Batista de Andrade, mais tarde promovido a Almirante.


100 anos mais tarde era o ARGUS que navegava na baía de Luanda... e não só!

 
(*) - Documento N.o 230


O FESTIVAL DIA 29 D'OUTUBRO
 
 NA ILHA DE LOANDA.

Uma regata



As 9 e meia horas da manhã do dia 29, largou do caes d'alfandega o escaler que conduzia a seu bordo s. Exa. o governador geral, presidente d’associação naval em Loanda.
14 embarcações levadas a remos, acompanhavão a expedição para a regata.
No escaler em que ia s. ex.a o governador geral, ião algumas senhoras, e muitas outras tiverão passagem nas diversas embarcações de que já fizemos menção.
A direcção d’Associação Naval de Loanda, esperava sobre o caes da ilha o seu presidente e vice-presidente, o chefe da estação naval portugueza nesta costa, o sr. capitão-tenente C. A. da C. Simas.
Tendo a banda de musica do batalhão d'infanteria n.° l, executado várias peças, s. exa. mandou colocar a balisa para começar a regata.
O sr. Simas, vice-presidente d'Associação Naval de Loanda, deu as suas ordens ao sr. capitão do porto que foi colocar a balisa, um pouco á terra da corveta Sagres, e ao sul d'ella.
S. exa o sr. governador geral, occupava a casa do sr. Pamplona na ilha, onde a direcção da regata havia feito preparar um lanche.
D'alli s. Exa. deu as suas ordens, e a um signal de tiro de peça, 6 escaleres a 4 remos que se achavão em linha, soltaram a carreira sobre a balisa.
Na melhor ordem, voltaram, encalhando na praia da ilha o escaler D. Izabel, propriedade do sr. A. A. Silva, que, na qualidade de patrão do seu escaler, tão bem o havia dirigido que, sendo altamente victoriado, levantou o prémio que entregou aos tripulantes do seu escaler.
Seguiu-se um intervallo de meia hora, e collocadas as embarcações de 5 remos, a um signal de tiro de peça, partiram 4 escaleres sobre a, balisa vol¬tando á praia da ilha as embarcações da regata, nella encalhou a balieira Augusta, que com vantagem chegou ali adiante do escaler Airam, que pela segunda vez perdeu.
A balieira Augusta, ganhou o prémio de 5 libras que, com uma nota de 5$000rs. em que o exm.° presidente da regata as havia embrulhado, forão entregues á tripulação da balieira Augusta. É propriedade dos srs. Oliveira Machado Irmãos, e o seu patrão na corrida foi o sr. Luiz A. d'O1iveira Machado.
Perdeu também nesta corrida o escaler Sem Nome, de que era patrão o sr. E. Jaime C. da Silva, que protestou com espírito, contra os que lhe havião tomado a dianteira, episódio que deu mais diversão á regata.
Depois das duas corridas a remos, a direcção veio convidar a s. Exa. o sr governador geral, e as ex.mas senhoras presentes para um lanche que estava servido com 70 talheres, e em cuja mesa só ficaram 6 lugares por occupar, dous dos quaes pertenciâo a dous cavalheiros directores, que quizerão attender ao bom serviço da mesa.
O sr. vice-presidente Simas, occupou a cabeceira da mesa em frente de s. ex.a o governador-geral, e collocou as damas nos lugares mais commodos e distinctos.
Servido o lanche levantou s. Exa. o sr. governador geral alguns brindes análogos ao dia e ao acto festival. Um brinde a Sua Magestade El-Rei o Senhor D. Fernando 2.° foi altamente victoriado, assim como o último levantado a El-Rei o senhor D. Luiz I, com o qual findou a refeição.
Estavâo em linha 2 escaleres á vela e uma balieira, que, ao signal con¬vencionado, singraram sobre a balisa, da qual voltaram na melhor ordem, tendo avançado com vantagem a todos o escaler Joli, do sr. J. J. de C. Leite, e do qual era patrão o sr. António de Souza, que recebeu o prémio que lhe tocava.
O divertimento útil e agradável, findou ás 5 e meia horas da tarde, sem a menor concorrência desagradável, retirando-se a esta hora o exm.° sr. governador geral e o distincto vice-presidente da associação.

Agora o nosso juízo critico.
Não nos será preciso recorrer ás vetustas estantes do secular philologo loandense, e menos consultar as antigas épocas, para demonstrarmos a rapidez com que o progresso e a civilisação vão calando, por estas plagas africanas.
Todavia, se consultássemos o século que succedeu ao em que teve lugar a conquista d'estes reinos, tínhamos que admirar uma civilisação que desappareceu, e á qual difficilmente poderemos vir a chegar.
Se recorrêssemos á philologia do paiz, acharíamos, não diversões, como a da nossa regata, mas dias como aquelle em que aqui caiu ao mar a fragata Loanda, que ainda no fim do século passado, avultava como navio primorosa¬mente construído entre a nossa numerosa esquadra.
Essa civilisação desappareceu completamente desde os primeiros tratados, que tornaram mais invejadas as levas de braços para além-mar.
Começou a cair para o retrocesso este paíz, e a sua civilisação a desapparecer em 1814, depois mais e mais em 1817, e de todo em 1831, época em que terminantemente findava o praso para a exportação legal d'homens pretos.
Portugal, viu, pela dura e desgraçada experiência, que era preciso acabar com a exportação de braços, que nem servião ao Brazil para o seu engrandeci¬mento, nem deixava a esta colónia lucro algum real.
Para esta passagem do mal para o bem, do falso para o verdadeiro, do bárbaro para o humano e do estúpido para o racional, viu o governo da metropoli, a precisão de pôr os destinos d'este paiz em mãos capazes de comprehender e dirigir-nos a um futuro, em que a mãe pátria tem uma pronunciada esperança.
A pasta da marinha e colónias, tem vindo sucessivamente a ser depositária de trabalhos que nos fazem chegar á época em que tudo temos a esperar de quem tem estudado as nossas precisões, como o exm.° sr. José da Silva Mendes Leal.
A regata é uma prova do desenvolvimento do progresso, é uma diversão sim; mas com ella as artes muito lucrão.
O theatro, a associação commercial, as sociedades beneficentes e humanitárias, as companhias, as reuniões, e mil outras diversões úteis e agradáveis, são o resultado dos esforços da autoridade, que funda a sua maior gloria, na união de toda a família loandense, e na paz da província.

Loanda, 30-10-63.—C.

(In «Boletim Official do Governo Geral da Provincia d'Angola» n.0 46, de 14 de Novembro de 1863—Páginas 389 e 390).


22/05/2012


2 comentários:

  1. Meu bom Amigo Francisco, ainda se lembra de mim, Isabel Valadão, mulher do seu amigo Guilherme? Pois é verdade, encontrei este seu blogue, deveras interessante, e vinha perguntar-lhe se nas suas investigações sobre a Loanda antiga, do século XIX, terá "tropeçado" com referências aos 2 teatros da cidade, o Teatro Providência e o Teatro União. Estou a escrever um livro (o 3º) sobre essa Loanda e sobre as Ricas-Donas, e não consigo encontrar senão breves referências a esses edifícios, e gostava de saber mais. Se, por acaso, tem alguma coisa nos seus vastos arquivos, pedia-lhe o favor de partilhar comigo. Fico-lhe muito grata!
    Um grande beijo para si e cumprimentos para a restante família. E um grande abraço do Guilherme.
    Se quiser contactar-me directamente, deixo-lhe o meu email: isabelvaladao@gmail.com

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  2. Isabel
    Vou pesquisar e depois lhe digo o que encontrar

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