segunda-feira, 11 de abril de 2011

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Há oito anos, quando sexa, o analfabeto, assumiu a presidência deste país, o senador Cristovam Buarque foi nomeado ministro da educação. Não poderia haver melhor escolha no país.
Mas quando se anunciou o novo orçamento, em 2004, o ministro, indignado por ver reduzida, ainda mais, a verba para a educação, reclamou.
Resultado: foi imediatamente demitido.
Homem íntegro, foi reitor da Universidade de Brasília, e é senador desde 2003.
É dele o texto publicado hoje no jornal “O Globo”.

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Sábado, 9 de abril de 2011

As vergonhas que temos

CRISTOVAM BUARQUE

No século XIX, Victor Hugo se negou a apertar a mão de D. Pedro II, porque era o Imperador de um país que convivia naturalmente com a escravidão. Hoje, Victor Hugo não apertaria a mão de um brasileiro para parabenizá-lo pela conquista da 7a posição entre as potências económicas mundiais, convivendo com total naturalidade com a tragédia social ao redor. Estamos à fren¬te de todos os países do mundo, menos seis deles, no valor da nossa produção, mas não nos preocupamós por estarmos, segundo a Unesco, em 88° lugar em educação.
Somos o sétimo no valor do PIB, mas ignoramos que, segundo o FMI, somos o 55° país no valor de renda per capita, fazendo com que sejamos uma potência habitada por pobres. Mais grave: não vemos que, segundo o Banco Mundial, somos o 8° pior país do mundo em termos de concentração de renda, melhor apenas do que Guatemala, Suazilãndia, República Centro-Africana, Serra Leoa, Bot suana, Lesoto e Namíbia.
Somos a sétima economia do mundo, mas de acordo com a Transparência Internacional estamós em 69° lugar na ordem dos paí¬ses com ética na política por causa da corrupção. A nota ideal é 10, 04 Brasil tem nota 3,7.
Somos a sétima potência em produção, mas, quando olhamos o perfil da produção, constatamos que há décadas exportamos quase o mesmo tipo de bens e continuamos importando os produtos modernos da ciência e da tecnologia. Somos um dos maiores produtores de automóveis e temos uma das maiores populações de flanelinhas fora da escola.
Um relatório da Unesco divulgado em março mostra que a maioria dos adultos analfabetos vive em apenas dez países. O Brasil é um deles, com 14 milhões; com o agravan¬te de que, no Brasil, eles nem ao menos reconhecem a própria bandeira. De 1889 até hoje, chegamos à sétima posição mundial na economia, mas temos quase três vezes mais brasiÍeiros adultos iletrados do que tínhamos naquele ano; além de 30 a 40 milhões de analfabetos funcionais. Somos a sétima economia e não temos um único Prémio Nobel.
Segundo um estudo da OCDE (Orgaizaçào para Cooperação e Desenvolvimento Económico), que pesquisa146 países, o Brasil fica em último lugarar em percentagem de jovens terminando o ensino médio. Estamos ainda piores quando levamos em conta a qualificação necessária para enfrentar os desafios do século XXI.
Segundo a OIT, a remuneração de nossos professores está atrás de países como México, Portugal, Itália, Polóinia, Lituânia, Letónia, Filipinas; a formaçào e a dedicação deles provavelmente em posição ainda mais desfavorável, por causa da péssima qualidade das escolas onde são obrigados a lecionar.
Somos a 7a potência econômica, mas a permanência de nossas crianças na escola, em horas por dia, dias por ano e anos por vida está entre as piores de todo o mun¬do. Além de que temos, certamente, a maior desigualdade na formação de cada pessoa, conforme a renda de seus pais. Os brasileiros dos 10% mais ricos recebem investimento educacional cerca de 20 vezes maior do que os 10% mais pobres.
Somos a sétima potência, mas temos doenças como a dengue, a malária, o mal de Chagas e leishmanio-se. Temos 22% de nossa população sem água encanada e mais da metade sem serviço de saneamento. Segundo o IBGE, 43% dos domicílios brasileiros, 25 milhões, não são considerados adequados para mo-radia; não têm simultaneamente abastecimento de água, esgotamento sanitário e coleta de lixo.
Esta dicotomia entre uma das economias mais ricas do mundo e um mundo social entre os mais po¬bres só se explica porque nosso projeto de nação é sem lógica, sem previsão e sem ética. Sem lógica, porque não percebemos que "país rico é país sem pobreza”. Sem previsão, por não percebermos a grande, mas atrasada, economia que temos, incapaz de seguir em frente na concorrência com a economia do conhecimento que está implantada em países com menor riqueza e mais futuro. E sem ética, porque comemoramos a posição na economia esquecendo as vergonhas que temos no social.

CRISTOVAM BUARQUE é senador (PDT-DF).

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João Ubaldo Ribeiro é um dos maiores escritores brasileiros.
Ganhou em 2008 o Prémio Camões.

Se reformarem, é para piorar



JOÃO UBALDO RIBEIRO


Desde que me entendo, ouço falar em reformas e as únicas que lembro ter visto efetivamente realizadas são as ortográficas. Já devo ter pegado umas quatro ou cinco e ainda encontrei muitos livros em orthographias extranhas, na bibliotheca de meu pae. Aprendi a ler no tempo em que a palavra "toda" se escrevia "toda", para não ser confundida com o nome de uma tal ave, jamais vista por quem quer que seja. Jorge Amado perdeu a paciência, depois de fazer força para se adaptar a diversas ortografias. Uma vez, quando ele estava acabando de redigir um artigo ou prefácio, como sempre incentivando algum escritor novato, eu cheguei e ele me disse, datilografando as últimas palavras do texto, arrancando o papel da máquina e o entregando a mim:

— Ah, ótimo que você apareceu. Bote, os acentos nessa merda aí, que eu não tenho mais saco para reaprender a soletrar de cinco em cinco anos.

Talvez eu esteja sendo injusto e tenha presenciado a realização e implantação de alguma reforma não ortográfica. Mas não aquelas que antigamente eram chamadas de "reformas de base" e consideradas essenciais para o desenvolvimento ou até a sobrevivência do país. Reforma agrária, reforma tributária, reforma judicial, reforma administrativa, reforma educacional e por aí se desfiam as benditas reformas, um longuíssimo rosário, impossível de recitar de cor. Ao mencionar-se sua necessidade ou urgência, todos assentem com ares graves — "sim, sim, naturalmente, as reformas".
Contudo, passar da anuência à ação é aparentemente impossível. Reforma é uma coisa na qual se fala, mas não se faz. É excelente para comícios e entre¬vistas, mas não para agir. De vez em quando, um governante diz que fez uma reforma. Se não me engano, o ex-presidente Lula anunciou que fez uma ou duas reformas. Não lembro quais e provavelmente nem ele, são coisas do passado e ninguém viu reforma nenhuma mesmo.
Tenho uma teoria simples a respeito desse assunto. Todas as reformas, de todos os tipos, iriam prejudicar os que ganham com a manutenção do que está aí. Como o país, de cabo a rabo, em todos os níveis, em todas as classes e categorias, é essencialmente corrupto, a corrupção não deixa. Não existe setor da administração pública, novamente em todos os níveis e dimensões, que não seja território de uma ou diversas máfias, algumas das quais institucionalizadas e quase todas alimentadas por uma burocracia pervertida e feita para ensejar propinas, vender influência e fazer proliferar os despachantes e seus equivalentes mais graduados, os chamados consultores — entre estes últimos constando o hoje injustamente esquecido filho de d. Erenice.
Diante da realidade de que há quadrilhas em ação em todos os poderes, tanto de fora para dentro quanto de dentro para fora, não se vai acreditar que os beneficiários de determinado estado de coisas abdicarão de suas vantagens pelos belos olhos de quem quer que seja. Ouso mês mo dizer que, em muitas das áreas mafiosas, quem for fundo demais na investigação e na reforma corre o risco de morrer. São muitas as histórias de assassinatos realizados a mando de algum esquema de corrupção, pelo Brasil afora. Não escapa área nenhuma, a começar, simbolicamente, pelas próprias polícias.
E não escapa, naturalmente, o Congresso Nacional, onde, segundo as más línguas (observem meu uso copioso do adjetivo "alegado", ou quem vai preso sou eu), há alegados ladrões, alegados estelionatários, alegados salafrários e outros alegados, em tamanha fartura que desafia a contagem. Agora o Conresso está entregue à tarefa de realizar a reforma política, todo mundo fingindo que acredita que algo que prejudique os interesses imediatos dos congressistas será aprovado. E que o nosso sistema eleitoral está sendo aperfeiçoado.
Aperfeiçoado para eles. O que eles pretendem chega a parecer brincadeira, mas, infelizmente, não é. Querem, como se sabe, instituir o que já chamam afetuosamente de "listão". O eleitor não votará mais em um candidato, mas na lista elaborada pelo partido, na ordem estabelecida pelo partido. Atualmente, com a lista aberta, pelo menos o eleitor es¬colhe uma pessoa e essa pessoa, se bem votada, fatalmente se elege. Mas não vai haver mais esse direito. De agora em diante, com a lista fechada, o eleitor escolhe o partido com que se identifica e lhe entrega a escolha dos nomes que serão eleitos.
Só pode ser deboche. Que significa um partido político no Brasil, senão a conglomeração temporária de interesses que raramente são os da nação, mas de grupos, categorias ou indivíduos? Até os programas partidários não pas¬sam de florilégios de frases vagas e altissonantes, tais como o combate à desigualdade e a injustiça social, os projetos de inclusão, o desenvolvimento sustentável, a preservação do meio ambiente e outras generalidades, quem ouve um, ouve outro e, se o nome do partido fosse apagado, não haveria quem o distinguisse. Apareceu até um partido que se declara não ser de esquerda, nem de direita, nem de centro. Talvez seja o mais honesto deles todos, por mostrar que re¬conhece a realidade política brasileira. Aqui nenhum partido quer dizer nada mesmo e podiam usar todos a mesma sigla: PPPPP, Partido Pela Predação do Patrimônio Público, porque tudo o que seus membros aqui almejam é abocanhar a parte deles.
Agora vêm com essa novidade da lista fechada. Se já não nos é permitido dar palpite no uso do nosso dinheiro, daqui a pouco nos tirarão o direito de escolher nossos governantes. Ou seja, seremos mandados pelas organizações oligárquicas e caciquistas dos partidos. Seemos uma "democracia" governada por conluios e manobras escusas. Ou por 171 *, como queiram.

JOÃO UBALDO RIBEIRO é escritor.


* - 171 – Artigo do Cod. Penal onde se enquadram os vigaristas!


11/04/2011

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