sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

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Histórias do século...

repassado!

Camilo e António Arroyo



Camilo era um conversador inigualável, e adorava contar as suas histórias e anedotas.
No livro “Singularidades da Minha Terra”, (impresso em 1917), António Arroyo conta:
“Vi Camilo a primeira vez quando ele vestia como Rafael Bordalo Pinheiro o apresenta no “Album das Glórias”: de botas altas á frederica, sobretudo cintado de ratina, e chapéu alto levemente conico, de aba direita.
Camilo, segundo Rafael Bordalo Pinheiro


Eu morava então no Porto a meio da rua de Santo Antonio, e o romancista subia lentamente do lado oposto, para se abrigar do sol, a mão direita apoiada na bengala. Vinha talvez da Praça Nova... e certamente encaminhava-se para o seu jantar, por volta das 3 ou 4 horas da tarde. Há quarenta ou cincoent’anos jantava-se cedo na cidade da Virgem.
Passados tempos, Camilo veio uma noite com D. Ana Plácido e seus filhos ao nosso estabelecimento (Meu pae foi negociante de musicas, pianos e outros instrumentos músicos no Porto) comprar dois clarinetes para os rapazes. Meu pae ainda teimou com o romancista para lhe vender de preferência dois fajolés; não porque fossem mais baratos, mas por serem mais fáceis de tocar e portanto menos impróprios para as creanças. Mas Camilo insistiu: “Eles é que queriam”.
Decorreram anos sem que voltasse a vê-lo, até que aí por 1882 ou 1883, estando eu nas Obras Públicas de Braga, tive freqüentes vezes de me cruzar com ele na Arcada. Já não trajava como no Album das Glórias; vestia como qualquer de nós.
António Arroyo, por João da Silva


Camilo morava então em S. Miguel de Seide e apareceia muitas vezes na cidade dos Arcebispo, onde tinha um amigo íntimo, amigo meu também, João de Mendonça... a quem eu contara as relações artísticas que noutro tempo haviam ligado meu pae ao grande escritor, quis por vezes apresentar-me a ele. Resisti sempre. ... já pensava, como hoje, que aos homens de valor devem aborrecer soberanamente as impertinências da miuçalha.
Era com pesar que insistia na recusa; porque queria ouvi-lo acerca de uma peça de teatro, de costumes minhotos, feita por ele Camilo, que dava a letra, e por meu pae, que punha a musica. Das conversas paternas retenho que ali havia uma cena de arraial e que, a folhas tantas,devia aparecer a sombra de um macho. A peça tinha entrado em ensaios, mas tudo ficou em águas de bacalhau: Camilo não terminou a sua parte.
Creio que isto se passou aí por 1860 ou 1861. Meu pae era empresário do teatro Camões do Porto, situado na rua das Liceiras, que das trazeiras da Trindade sobe para a rua do Almada. Dera várias peças, entre as quais o drama sacro “São Gonçalo de Amarante” com musica sua. Em 1861 ou 1862, desgostoso da carreira musical que, para o seu caracter altivo e extremamente vivo, lhe trouxera muitos dissabores e desilusões, abandonou-a por completo; o compositor e executante musical consagrou-se desde então apenas á vida de comercio.
Mas, voltando ao que ia dizendo, ainda hoje me penalisa não ter tido a coragem para me dirigir a Camilo e falar-lhe dessa peça. Afinal, passar mais ou menos uma vez na vida por pateta que importava?...
Estava porém escrito que falaria com o grande homem. Um dia, indo de Braga para o Porto e achando-se já instalado e só no meu compartimento... vejo entrar Camilo que, com toda a tranqüilidade e vagar se senta na minha frente. Mas, vai senão quando, ele tira o chapéu, passa a mão pela fronte e, olhando-me bondosamente, desfecha-me à queima roupa a seguinte pergunta:
- Então, snr. Arroyo, que me diz de Braga, que lhe parece Braga?
Nunca, em momento algum, me haviam feito uma pergunta que tanto me embaraçasse e surpreendesse. Fiquei engasgado sem saber o que dizer-lhe. Calei-me. Ele, porém, desde logo obstou á continuação do meu embaraço, indemnisando-me largava da peça que me havia pregado.
Porque na mais fluente e portugueza linguagem que jamais ouvi, e chamando sempre ás pessoas pelo seu nome, foi-me contando varias anedotas passadas na capital do Minho que, para seu pesar, não era já em 1882 o que havia sido vinte ou trint’anos atrás.

... de todos os casos que ouvi... é o engraçado e angustioso episódio do “Faz de conta”:
Havia em Braga, a meio não sei de que rua, um arco baixo e grosso, que uma camara municipal qualquer julgou necessário demolir. A demolição fez-se e passou desapercebida, porque o arco não tinha quaisquer qualidades artísticas nem utilidade.
Dava-se porém com ele uma particularidade que o tornava querido das mais devotas servas do Senhor, e lhe creara uma especialíssima função. Porque, no maior círio ou procissão que, nesses tempos felizes, anualmente percorria as ruas da cidade augusta, figurava sempre um altíssimo e pesado estandarte, S. P. Q. R., vulgarmente chamado Guião, ou guiador do cortejo o qual tinha que passar por baixo do arco, mas de uma forma que não brigasse com o caracter grave e a harmonia festiva do conjunto. Para o conseguir viam-se obrigados a tombar o pendão para a frente e a passá-lo em posição que mais parecia de arremeter. Um antigo e venerando uso impunha que a passagem fosse levada a efeito só pelo porta-estandarte na plena consciência da sua missão: ele deveria, portanto, agüentar o pendão a pulso firme, inclinando-o docemente para a frente, em passo sempre lento, e nobre atitude. E assim se fazia desde tempos esquecidos, segundo o ritual sagrado, verdadeiro triunfo da força bruta posta ao serviço das cousas santas.
A esse triunfo assistia sempre, possuído do maior amor divino, o madamosmo da cidade que, a peso de ouro, e outras formas equivalentes, disputava a posse das varandas e janelas próximas do arco, apenas para aquele momento supremo e enternecedor.
Para a tremenda prova ia sempre chamar-se o mais perfeito latagão da cidade e seu termo. Esse era o herói destinado a manter intactos, numa continuidade porventura secular, o brio, a força e a gloria do burgo bracarense. Nunca o culto da beleza plástica se revelára tão francamente espiritual.
Demolido o arco na indiferença geral, sucedeu porém que só lhe deram pela falta no próprio momento em que a procissão ia passar pelo local da façanha; e, a um tempo, madamismo e povo, no auge duma violenta surpresa, sentiram-se roubados e feridos na sua mais profunda afeição, pela obra nefando dos pedreiros livres.
Chega por fim o homem do guião. Não vê o arco, estarrece, estaca, e com o couto da pesada lança, bate de rijo na calçada. Erguendo depois os olhos desvairados, numa anciã alucinante, como que a pedir que o ajudassem a salvar o brio e a honra de todos, percorre lentamente as varandas e janelas donde, áquela hora solene, pendiam as mais lindas colchas do oriente, os mais lindos veludos e damascos e se debruçavam, para o ver bem, não menos indecisas e agitadas do que ele, as senhoras mais formosas de todo o distrito.
Mas então, alguém, subitamente incumbido pelos deuses, resolveu o inesperado caso, dentro dos ritos e usos consagrados, ordenando impetuosamente: “faz de conta, faz de conta”.
E todo o madamismo e seus acólitos, e todo o povo como uma só pessoa, arquejando numa onda de arrebatamento indescritível, repetiam em loucos gritos: “faz de conta, faz de conta, faz de conta...”
Era o amor triunfante, o amor sem gramática, o amor de muitas gerações concentrado nesse ser de eleição e comunicando-lhe um ardor eu lhe centuplicava as forças. E o homem do pendão, sentindo-se arrastado por essa onda de ternura percursôra da vitoria, inclinava-o suavemente para a frente; e, lento, sorridente, na mais hierática atitude e na posse absoluta de todos os corações, caminhou para além do sítio onde o arco havia estado e rigorosamente cumprindo as funções dum bom arco bracarense.

Salvára-se a honra da cidade. Mas a partir do ano seguinte, desaparecia para todo o sempre a encantadora façanha e o seu herói anual.

Camilo parecia ter conhecido pessoalmente o último Hercules triunfador; pelo menos falava dele como pessoa que se viu bem viva, em toda a sua brutalidade e desvanecimento. E só me disse que, trint’anos depois, Braga não podia assistir a semelhantes provas. ”

Outras histórias-anedotas ficarão para a próxima!

29/jan/2011












terça-feira, 25 de janeiro de 2011

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O jesuíta Tomás Pereira,

o Imperador Kangxi

e Pedro o Grande da Rússia



O jesuíta Tomás Pereira, nascido perto de Famalicão, São Martinho do Vale, em 1645 e falecido em 1708, foi uma das mais importantes figuras da História da China do século XVII, da história em geral, e um orgulho para os portugueses... que sabem da sua existência!
Professor pessoal, intérprete e conselheiro do imperador chinês Kangxi, com quem privou 35 anos, Tomás Pereira, pelas posições que ocupava, acompanhou importantes acontecimentos políticos da China.
Desde há séculos a China só fazia guerra aos Tártaros e, para evitar e expansão territorial dos russos, nos confins da Sibéria, o imperador decidiu mandar uma embaixada à Rússia para estabelecer, definitivamente, os limites territoriais de cada império, numa área de seculares desentendimentos entre as duas nações, o que veio a resolver-se com o Tratado de Nerchinsk, cujas negociações demoraram dois anos, e se concluiu em 1689.
Por ser considerado um elemento de toda a confiança, o padre Tomás Pereira, e seu colega, também jesuíta, francês, Jean-François Gerbillon, foram encarregados de acompanhar essa embaixada, uma vez que a China não sabia nada de tratados e direto internacional, falava-se unicamente chinês, e ninguém sabia qualquer outra língua “ocidental”.


Busto do Padre Tomás Pereira na sua terra natal

O padre Pereira concluiu ainda um tratado sobre budismo chinês e o primeiro tratado de musica ocidental (também convertido para chinês), e foi o responsável pelo Calendário Astronômico, instrumento indispensável na vida política chinesa daquele tempo – nele eram determinadas as datas das cerimônias religiosas que o imperador, como representante do reino do Céu, tinha que presidir.
Essa confiança do soberano chinês culminou com a publicação do Édito de Tolerância de 22 de Março de 1692 permitindo a difusão e prática do Cristianismo na China.
Demonstrou, com este gesto, o Imperador Kangxi, uma invulgar abertura ao Ocidente da qual resultou, não apenas o florescimento da Missão Católica e a confirmação da respeitabilidade do saber ocidental na China, como assegurou a frágil situação de Macau, o único entreposto europeu no Império.

Kangxi


Deixemos a China em paz e vejamos agora um pouco sobre o czar Pedro, o Grande, como ficou na história, não por ter cerca de dois metros de altura, mas pela sua imensa obra, considerado desde os dez anos de idade o czar, um jovem de extrema capacidade e inteligência, que decidiu transformar a Rússia, de um país ainda na idade média, para a moderna época que dominava a Europa.
O seu pai, czar Alexis, foi o primeiro a mandar construir casas de pedra em Moscovo! Até ali eram todas de madeira!
Pedro, aos dezessete anos, dominava toda a política, e iniciava a grande “revolução” cultural, social e militar na Rússia, com uma capacidade jamais igualada por qualquer outro monarca do mundo. Estudou todas as artes e ciências, astrologia, matemática, mais tarde em viagem pela Europa, na Holanda, quis aprender como se construíam navios e, saindo do palácio onde estava hospedado em Amsterdam, instalou-se num pequeno apartamento junto do cais e foi trabalhar junto aos operários na construção de uma nave, começando pelo mais humilde serviço, varrer o canteiro naval, até chegar a mestre. Logo os operários começaram a chamá-lo de Piterboss, o chefe! Foi isto rápido porque Pedro era assaz inteligente e trabalhador. No intervalo do almoço comia até junto com os operários.


Quando soube da embaixada que a China enviava, encarregou o Governador da Sibéria, um boiardo de nome Gollovin, para receber os chineses com a mesma pompa.
A embaixada da China era composta de sete embaixadores, os dois jesuítas e mais dez mil homens de guarda e para a carga de mantimentos e presentes!
Diz a história que a comitiva do Governador Gollovin superou a chinesa! A Rússia não se podia mostrar inferior à China!
O padre Tomás Pereira e seu colegas, foram homens chave nestas negociações! Além do mandarim, falavam latim. Do lado russo havia um único homem, alemão, da embaixada alemã em Moscovo, que falava também latim. E foi com estes interpretes que as duas grandes nações se entenderam! Demorou quase dois anos a conversação, o que não é para admirar. Detalhes a considerar, algumas exigências de parte a parte, e as múltiplas traduções que andavam de um lado para o outro!
Por fim, entendidos, assinaram um documento, feito em duas vias, em latim, com a indicação precisa dos limites territoriais, que todos os negociadores assinaram e juraram, em nome de Deus, e em duas “grandes e grossas” pedras de mármore, que ficaram a assinalar essa divisa, mandaram gravar o seguinte:

“Se alguém jamais tiver o pensamento secreto
de reacender a guerra,
Nós pedimos ao Senhor soberano de todas as coisas,
Que conhece os corações,
De punir os traidores com uma morte precipitada.”

Bonito!

A Rússia, estava em boa parte já cristianizada, mas os chineses só conheciam os acontecimentos naturais, mas nem por isso deixavam de reconhecer a existência dum Ser superior “que conhece os corações”!

Acabaram as escaramuças entre tropas chinesas estacionadas na Manchúria, e os cossacos da região de Nerchinsk.
Este tratado durou duzentos anos, e o comércio fluiu entre ambas as partes.
N.- Este texto foi compilado de vários sites da Internet, mas sobretudo da “Histoire de l’Empire de Russie” de Voltaire.

25-01-2011





O Grande Pedro I



sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

Voltemos a FGA e o seu tempo.
Polemicas ficam para o blog http://www.zukumuna.blogspot.com/
E tem ainda muitas!
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Gomes de Amorim e a escola



É sabido, e divulgado, que Francisco Gomes de Amorim quando embarcou em Portugal, em 1837, com destino ao Brasil, era quase analfabeto. É ele quem nos conta isso na Introdução de “Cantos Matutinos”. Por mérito próprio, autodidata, tornou-se mais tarde um escritor admirado.
Entre os seus manuscritos que durante muitos anos guardei, há já alguns anos entregues à guarda da Biblioteca Municipal da Póvoa de Varzim, houve uns poucos de que resolvi ficar com uma cópia!
Num desses apontamentos escreve FGA:

“No bairro Sul da Povoa de Varzim há uma escola para rapazes que tem o meu nome, homenagem da Camara da Povoa. Nos meus livros e papeis, especialmente na minha edição dos Lusíadas, no tomo 2º Ultima Verba, vem explicada por miúdo a inscrição que se poz na casa onde eu nasci na província do Minho, concelho da Povoa de Varzim.”

No entanto, o que escreve no dito tomo do Lusíadas, quando transcreve a carta de agradecimento à Camara Municipal, pela colocação de uma lápide comemorativa, na casa onde nasceu – “Aos 13 de Agosto de 1827 nasceu n’esta casa Francisco Gomes de Amorim. É uma das glórias d’esta aldeia, d’este concelho e d’este triste e velho Portugal. Em homenagem à honradez, ao talento e ao renome conquistado pelo estudo e pelo saber, em sessão de 5 de Outubro de 1885, a camara municipal d’este concelho mandou collocar aqui esta lápide comemorativa.” – ele afirma: – “Oh! E quão grato me seria, se, embora cedendo ao nobre impulso das suas bellas almas, além da inscripção em mármore, onde o meu pobre nome ficará atestando menos o meu fraco mérito do que a munificência da camara da Povoa, em 1885, v.ex.as quizessem também consagrar a humilde casinha que me viu nascer a uma escola de instrucção primaria! Esta seria, francamente o confesso, a maior e mais ambicionada de todas as minhas recompensas.

E continua: - “A casa é pequena, e imprópria, bem sei; mas eu folgaria mil vezes de a ver transformada com este santo intuito. Longe de me considerar desacatado, a minha voz será a primeira que abençoe a camara municipal da Povoa de Varzim, se ella se dignar ao meu humilíssimo nome tão sublime e bemfajeza instituição.

Uma escola na casa em que nasci! Creiam , ex.mos srs., que se a fortuna me tivesse sido algum dia propícia, em vez de ceder a minha pequena parte que me coube n’esse berço de amor e saudade, eu a teria convertido desde muito n’este sonho ideal da minha phantasia. E ainda assim, só condescendi na alienação d’ella, por me terem assegurado que o comprador a destinava para residência perpetua do cura da capella de Nossa Senhora das Neves.

... por isso consenti na venda por baixo preço. Creio, porém, que fui illudido no meu piedoso sacrifício.”

Não sei porque razão FGA anotou, talvez em 1888 ou 89, que haveria uma escola com o seu nome!
Sonhos de quem não desejaria que acontecesse às novas gerações, o que ele passou.
Ainda no mesmo manuscrito:

“Em 30 de Novembro de 1887 foi elevado na marinha o meu vencimento a 600$000 reis por anno. Este miserável ordenado, com que cheguei à velhice, foi devido à cruel circunstancia de eu ter adoecido. Se assim não sucedesse, eu teria alcançado outras posições, como aconteceu a muitos dos meus am.os da mocidade, que foram quase todos ministros.

Eu estaria no Tribunal de Contas, ou em qualquer outro, com 1.600$000 reis, pelo menos, de vencimento. Não me chamava a minha vocação para a política, pelo meu gênio irascível, que me obrigava a pagar à boca do cofre a menor alusão desagradável ao meu caracter. Por três vezes me quizeram eleger deputado, uma pelo Porto, por proposta de José da Silva Passos; e duas pela minha terra (Povoa de Varzim), quando esta dava deputados (veja nos jornais de 1852 e os seguintes, q.do se dissolveram as côrtes). Todas as três vezes rejeitei, pedindo a J. Passos que interviesse para que se não propuzesse o meu nome.

Mais abaixo, termina, com letra bem mais trêmula:

“Fui aposentado com o ordenado de 600$000 reis, que percebia desde 30 de Novembro de 1887, em 26 de Abril de 1890. E n’esta data comecei a receber o meu ordenado do Ministério da Fazenda."

O sonho de Francisco Gomes de Amorim pode agora vir a concretizar-se, em Alenquer, Pará, pelo interessante trabalho de pesquisa realizado pelo alenquerense, Dr. Luiz Ismaelino Valente, que escreveu um belo livro - “O Lago Curumu na vida de Francisco Gomes de Amorim” -, e por sua proposta concreta ao Município de Alenquer.

Rio, 21/jan/2011

segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

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Antes de voltarmos a estar com o "velho" escritor FGA, é-nos impossível deixar de comentar o que vai a seguir!


CARTA ABERTA

AO SR. SARNEY

Grã Duque do Maranhão



Li, com verdadeiro espanto, a coluna deste senhor (?), sobre a sua visita a Angola em 1988, em que aproveita para ressaltar, aspetos do seu governo onde sobressai a imodéstia, que lhe é tão característica, quando fala da pré histórica Ferrovia Norte Sul. Esqueceu-se o ex presidente de falar no grande sucesso do seu famigerado plano sarney, que foi um desastre para o país! E também não menciona as “estradas” no seu grã ducado que vão de nenhum lugar para lugar nenhum e que foram generosa e roubadamente pagas com o dinheiro do governo. O nosso dinheiro.
Um “viaduto”, sem estrada por baixo, nem por cima, um monumento à corrupção, lá... “in the middle of nowhere”, grã ducado do Maranhão!

Foto, retirada de um jornal,em 2007, de um "viaduto, sem estrada por baixo ou por cima, no "ducado" do Maranhão.


Ainda se esqueceu do escândalo da Fundação sarney! Um escândalo para os cofres públicos, para perpetuar a memória de quem nada fez pelo país. Foi pena ainda que, na sua coluna da Folha de São Paulo, do passado dia 14 do corrente mês, se tivesse esquecido dos tempos em que serviu subserviente no tempo da ditadura, quando, por exemplo, foi nomeado governador do Maranhão, presidente da Arena e do PSD, para logo a seguir usar do mesmo método com o Partidos dos Trabalhadores, e se manter na crista da pouca vergonha! Etc.
Mas é dos comentários sobre Angola e da administração portuguesa que os reparos interessam sobremaneira, porque sexa não sabe o que diz, o que aliás é próprio da maioria dos donos do poder. Pelo menos neste Brasil, abençoado por Deus.
Primeiro é mentira que o presidente de Angola tenha pensado em acabar com a língua portuguesa. Ele não é ignorante para sequer se atrever a pensar nisso, sabendo que desagregaria totalmente o país, onde se falam diversas línguas. O grã duque não sabia que esse foi um dos pontos chaves que os primeiros governantes de Angola, com o Presidente Dr. Agostinho Neto, decidiram, como no Brasil, para manter a unidade.
Só que... enquanto os brasileiros acabaram com o nheengatu, hoje já ninguém o fala, Angola tem a educação primária baseada em duas línguas: a nativa, que varia conforme as regiões, e o português, procurando deste modo manter o povo ligado às suas raízes, sem descurar o integrar todas as etnias numa mesma e única nação.
Que fez o senhor, pelo nheengatu, quando presidiu este país? NADA.
Depois diz ainda com um desplante de total ignorância que os portugueses em Angola só deixaram a língua, enquanto os ingleses, na Índia, deixaram milhares de quilômetros de linha férrea! Quando Angola se tornou independente, havia mais de 3.000 quilômetros – três mil – de linhas férreas! Mas para que explicar onde ficavam? O grã duque que veja no mapa! Além dos milhares de quilômetros de estradas de primeira qualidade, os portos de mar, as comunicações, etc.
Também não sabia, nem deve saber ainda hoje, que Luanda era, em 1974, a mais importante e bonita e dinâmica cidade de toda a África ao sul do Sahara, com exceção da África do Sul.
E também não sabia que durante a administração portuguesa, Angola exportava, além de minérios – petróleo, ferro, manganês, etc. – alimentos, muitos alimentos, como milho, açúcar, café, de que chegou a ser o terceiro produtor mundial, carnes, peixe e marisco, a melhor farinha de peixe do mundo (segundo análises feitas na Europa e EUA), fábrica de todos os componentes elétricos para a construção cível e cabos elétricos, montadora de aumtomóveis, e muito mais ainda.
Ora se o senhor josé da costa, vulgo sarney, de nada sabia, porque abrir o bico? Ele, que sendo ainda o chefe do ducado maranhense, mantém com a sua camarilha política e judiciária, a censura ao jornal “O Estadão”, que está proibido de publicar críticas à sua família, tem ainda o descaramento de escrever para jornais.
Fala sério, senhor josé da costa.
A palavra pode ser de prata, mas muitas vezes, o silêncio é de ouro.
Toda a verdade não deve ser escondida, e não digas à posteridade se não o que é digno da posteridade! Sábias palavras do senhor François-Marie Arouet.

17-jan-11

quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

do Brasil

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Os  imperadores


Não será novidade para ninguém ver tantos governantes, democráticos, tipo Fidel (há mais de 51 anos a imperar), Gadaffi (há 40 anos), Zé Du (30), Mugabe (30), Hosni Mubarak (28), Obiama Nguema (30), Paul Biva (27), Omar al-Bashir (25), Yoweri Museveni (24), Blaise Compaore (22), Zine Al-Abidine Ben Ali (22), Kim Jong-Il (16, fora os 48 do papai), Hugo Chavez (há 12 et sempiternum), Hafez al-Assad (depois de 30 deixou o trono a seu filho) Bashar Al Assad (10 anos), Abdelaziz Bouteflika (12), sem esquecer o grande gabonês Omar Bongo (42) e agora o Gbagbo (leia-se o bembom!), e outros mais, como gostam de compartilhar o poder! E ainda aparecem na “mídia” a sorrir! Como a hiena... a rir de quê?
Estes são os linha dura. Depois há os linha “soft” aplaudidos, também, mundo fora, que choram ao largar a faca e o queijo da mão, e há ainda a linha dos xicos espertos que lutam anos, depois de terem estado no bem-bom uns quantos, para imporem um herdeiro para o trono, enquanto a sua fama de bonzinho lhe não faltar, porque esperam ansiosamente retornar. E escolhem para isso uma pessoa doente, com câncer.
Se ela – a pessoa – morrer, há sempre uma, vaga, hipótese de voltar a pôr a mão na massa, e olha que tem havido “massa” para deitar e rolar!
Pois é. Por aqui essa “jogada” também tão bem se fez, e de tal modo que o herdeiro/a recebeu a faixa presidencial, imperial.
O imperador de recesso (!), nos últimos dias da sua imperialidade, ainda quis deixar bem patente a sua marca, ao dizer que saía feliz com a crise que atingiu os EUA, a Europa e Japão (sic), declarou com veemência que não permitiria redução no orçamento do PAC (lá voltaremos), contrariou a extradição do assassino italiano, inaugurou tudo quanto pôde e não pôde, como obras ainda nem iniciadas, e tantas foram que nos últimos dias passou a inaugurá-las via internet! E ainda inaugurou a famigerada Ferrovia Norte-Sul, prometida e jurada para terminar durante o seu mandato, da qual só se concluiu um – 1 – quilometro, que assim mesmo foi inaugurado com pompa e locomotiva enfeitada com a bandeira do Brasil! Os cem -100 – quilômetros que faltam não foram feitos... o povo não sabe disso.
Mas, a herdeira, que não é da base do PT, e nunca tinha sido política, mas burocrata, e inteligente, mesmo que aparentemente de saúde duvidosa, começou logo no primeiro dia de trabalho a mostrar quem manda:
 
- reduziu em 3 bilhões o orçamento do PAC;

- diz que será implacável com a corrupção (isso é o que todos, em primeiro lugar querem ver);

- declarou que o assunto da extradição do tal assassino Battisti é da competência dos tribunais e não da presidência;

- lamentou a atitude do Brasil na ONU em relação ao Irã;

- declarou que a política da nossa diplomacia vai voltar ao tempo antigo! Nada de andar a bajular Fideis, Chavezs, Ahmanidejads e outras troglodíticas e perigosas cabeças. É preciso não esquecer que o Brasil, pré palhaço, teve uma das melhores e mais respeitadas diplomacias do mundo;

- e, não anda a exibir-se no espavento como o grande big líder por todo o mundo, sempre, e somente, fez!

- também afirmou que ia acabar a brincadeira de abrir embaixadas! Só no governo do imperador, abriram-se 68 – sessenta e oito – novas embaixadas, em países da maior importância estratégica/econômica, como Burkina Fasso, Bahamas, Belize, Santa Lúcia, São Cristóvão e Nevis (alguém sabe onde fica?), São Vicente e Granadinas, Omã, Azerbaijão, Chipre, Botsuana, Mali, Sudão, Togo, Bangladesh, Mianmar, Coréia do Norte, e outras tantas. Fica difícil entender como não se abriram nas Maldivas, Ilhas Tonga, Niue, ou Tuvalu, onde poderia mandar construir um palácio para a nossa representação trabalhar, na sua capital, Funafuti!

Mas, enfim, ninguém dava nada pela herdeira. Era somente para ser um período tampão para o falastrão poder voltar, porque ele acha que a doença dela, com a carga do ofício a vai levar ao caixão!
Mas... parece que as coisas não vão ser tão fáceis! Mulher que lutou, deu a cara, esteve presa e torturada, não vai fazer-se agora de carneirinho às ordens do imperador, a quem, segundo noticiário, já trata pelo diminuitivo: lulinha!
A crítica está atenta. Sabe-se que os primeiros seis meses vão ser muito difíceis. Mas se já começa a acreditar que ela vai mesmo tomar as rédeas na mãos, e decidir por sua própria cabeça.
Prometeu dar grande prioridade à educação (aplausos), lutar para acabar com a miséria, não pela distribuição de esmola-famílias (muito mais aplausos) mas com a criação de emprego e promover o desenvolvimento de infraestruturas para o país poder crescer.
Se tudo isto for verdade, e todos queremos crer que sim:
- que tenha muita saúde;
- que saiba rodear-se dos melhores e não dos corruptos e devassos habituais;
- e que, pode até ter muita pena, mas tem que mandar o ex-imperadorzinho ficar quieto e não interferir, ou mandá-lo até p’ra...
O Brasil merece isso e muito mais.
Dona Dilma, os duzentos milhões de brasileiros, e o mundo inteiro, querem acreditar que a palhaçada acabou.
Não nos, e os, desengane.

13-jan-11

sexta-feira, 7 de janeiro de 2011

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Neste ALMANACH, de 1882, aparece a seguinte nota sobre:


FRANClSCO GOMES DE AMORIM

Francisco Gomes de Amorim, o dulcíssimo discipulo e amigo dedicado de Garret, nasceu a 13 de Agosto de 1827, na aldeia de Avelomar, na província do Minho. A juventude do auctor dos Contos Matutinos, foi muito trabalhosa. Pobre, odiando a escola primaria que ao tempo era ainda uma espécie de er¬gástulo inquisitorial, embarcou aos dez annos em companhia de um irmão, a bordo de um navio que o levou ao Pará, com trabalhosa viagem de cincoenta e tantos dias.

Mas depressa reconheceu o juvenil emigrado que não nascera para a vida mercial. A sua Índole aventurosa levou-o em breve ao seio das florestas, as cachoeiras dos grandes rios, á convivência com as tribus selvagens do Xingú e Amazonas, cuj língua chegou a falar e a escrever.



Dos quatorze para os quinze annos a leitura casual do poema Camões, do imortal Garret, transformou-o repentinamente, revelando-lhe a sua vocação poética e literaria. O joven illuminado escreveu ao auctor de D. Branca uma sentida carta á qual este respon-deu convidando-o a vir estudar sob a sua direcção, em Lisboa.

Desembarcando em Portugal no periodo mais effervescente da revolução de 1846, associou-se á cau¬sa popular, expondo a sua vida por amor d'ella. Foi d'esta phase da sua vida política que brotaram com o enthusiasino dos 20 annos os seus versos Garibaldi, A queda da Hungria, A liberdade e tantos ou¬tros que lhe illustram o nome.

Dotado de rara isenção e altivez de caracter, vendo-se sem recursos de dinheiro durante as revoluções de 46 e 47, Gomes de Amorim aprendeu por louvável e corajoso orgulho, o officio de chapelleiro, para não dever o seu sustento ao favor de amigos. E ao par e passo que trabalhava de dia para ganhar com que comprar livros, perdia as noites a estudar. De então para cá a sua vida tem sido empregada n'um labutar continuo, já como escriptor, já como funccionario; e, triumphando até da doença que nos ullimos annos só a breves intervallos o tem abando¬nado, Gomes de Amorim não cessa de esforçar-se em adquirir novos titulos á nossa estima e á nossa admiração. A sua ultima obra em dois volumes acer¬ca do seu chorado amigo; e protector o visconde de Almeida Garret é prova sobeja do que avançamos.

Notas

1.- Consegue ler-se (com vontade e ampliando a imagem) na capa do Almanach, escrito pelo punho de FGA, o seguinte:

A Francisco Gomes de Amorim Junior, offerece, seu pae e am.o aff.mo,
F. Gomes de Amorim

2.- Neste ano de 1882 tinha FGA cinquenta e cinco anos e só o primeiro volume das “Memórias Biográficas de Garrett” tinha sido publicado. O segundo e o terceiro só apareceram em 1884. Estes deviam ser já do conhecimento”geral” visto que têm impresso “OBRA COROADA PELA REAL ACADEMIA DAS SCIÊNCIAS DE LISBOA”.

3.- O retrato aparecido neste ALMANACH deve ter sido retirado de uma foto datada de “Póvoa de Varzim, 31 de Agosto de 1869”, quando tinha ainda 47 anos.


4.- No primeiro volume, escreveu o autor no verso da página de introdução, a seguir a “máximas” de Alexandre Dumas e Lamartine:
“Se as paixões contemporâneas me acuzaram, sei de certo que a posteridade, quando a haja para o meu pobre nome, há-de fazer-me ampla justiça. Garrett, Obras, tomo XIII, pag.220, ediç. De 1871”

N.-Para ampliar as imagens clique em cima.

domingo, 2 de janeiro de 2011

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Um “herói” no Pará em 1838
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Francisco José de Sousa Soares de Andrea*, se a memória me não falha, era o nome do valente general que pacificou o Pará, por ocasião da cabanagem. Devi a esse homem distincto a satisfação de o ter conhecido pessoalmente, porque elle dignou-se ir de propósito á casa onde eu era caixeiro para me conhecer tambem. Eu tinha apenas onze annos (1838); mas creio poder affirmar, sem immodéstia, que n’aquele tempo, as duas celebridades mais notáveis do Pará (Belém) eram o chefe da província... e eu. Elle distinguia-s pela energia com que batia os cabanos, pelo rigor que mantinha a disciplina militar e provia á defeza da cidade, ainda ameaçada por bandos de facínoras, espalhados pelos rios ou matas próximas; eu, pela audácia com que punia todas as pessoas que me insultavam, sem attenção ao seu tamanho, qualidade, sexo, ou numero, e pela perícia com que lhes qubrava as cabeças, com os pesos das balanças ou com as garrafas de aguardente. A fama do general offuscava um pouco a minha, attendendo-se á posição mais elevada do presidente da província; mas os caixeiros da cidade affrmavam que, em vista da minha idade, eu era muito maior que Andrea!
Elle costumava ir frequentemente a casa de um meu vizinho, chamado João Antonio Rodrigues Martins, irmão ou primo do barão de Jaguarari, que ficava fronteira ao estabelecimento onde eu era caixeiro. Das janellas d’essa casa via-se toda a rua da Paixão, até ao largo do palácio do governo; passavam por ali ás vezes os presos cabanos, agarrados nos matos mais próximos de Santo Antonio, Reducto e Paúl de Agua, e não raro era que o presidente desse instrucções ás escoltas que os conduziam, quando lhes passavam por baixo das janellas, mandando fazer nesses assassinos justiça summaria. Entre outros, recordo-me do seguinte facto:
Dois soldados conduziam um preso, segurando-o cada um do seu lado, pela cintura, e levando as baionetas desembainhadas. Andrea, que estava conversando ao pé da janella, viu-os e gritou:
- Ó soldado! Quem é esse homem?
- É o Diamante, meu general.
- O Diamante?!
- Sim, senhor.
- Tens a certeza d’isso?
O preso, que era homem de cor, entre preto e mulato, dos que no paiz denominam cafuzes, alto, musculoso, de olhar feroz e atrevido, voltou-se para a janella, onde se tinha reunido a família da casa, e, depois de encarar por um instante o general e as outras pessoas, disse:
- Vosserencia custa á capacitá que sô eu mesmo? Tem razão; Diámante não deixava apanhá por seu sordado, si não tivesse caído quando corria em Páu d’Agua. Agora pode matá Ere, que já vingou, picando muito sordado de vosserencia. E tem pena de não matá vosserencia mesmo.
Toda a família se retirou para dentro, revoltada com a insolência do preso. Andrea disse para o soldado, deitando-lhe á rua um bilhete, rapidamente escripto a lapis

- “Dize lá ao ajudante,
Que sendo esse o Diamante,
O mande já lapidar.”-

Não sei se elle teve a intenção de fazer versos; mas as palavras soaram-me do modo por que as escrevi nos meus apontamentos, há mais de trinta anos, e como transcrevo agora. Penso que Andrea não desgostava de rimar... mas corria como certo, no Pará, onde havia milhares de anedoctas a respeito de Andrea, umas comicas e com pilhas de graça, outras dramáticas ou trágicas. Em todas as províncias onde elle exerceu comando, ficou um homem lendário. Com relação ao Pará, foram immensos os serviços que ali prestou, e sem a sua grande energia não se tinha pacificado a província em tão pouco tempo. Elle saía de noite, disfarçado, para rondar as guardas e sentinelas, e era implacável com as apanhasse dormindo. Alguns negociantes, portuguezes e brazileiros, que tinham sido obrigados a sentar praça n’um corpo de policia, para defeza da cidade e sua própria, foram por vezes duramente punidos, até com pauladas, por infracções de disciplina! Os cabanos estavam costumados a zombar das auctoridades legaes, que dormiam muito; por isso só quando que Andrea os lapidava sem piedade, é que se convenceram de que havia passado o seu S. Martinho.
Resta-me explicar por que motivo tive a honra de ser visitado por aquelle homem distincto. No prefacio do “Cantos Matutinos” ** referi uma das minhas proezas, a qual foi eu ter batido com uma grande colher, cheia de manteiga, na cara de um escravo do presidente do Pará. Quando o mulato recolhia a(o) palácio, pingado desde a cabeça até aos pés, e com os olhos vermelhos do sal da manteiga, encontrou o senhor, que se dirigia para casa dos meus vizinhos. Sabedor do caso, o general entrou no estabelecimento, onde eu estava chorando, com as dores das palmatoadas que recebêra do meu ingrato patrão, por premio de tão glorioso feito.
- Foi o senhor quem quebrou a cara do meu escravo?
- Fui; e por causa daquelle patife, apanhei duas dúzias de palmatoadas!...
- Bem merecidas!
- O senhor diz-me isso?!
- Aposto que me quer dar também com a colhér de manteiga?!
- Chame-me gallego, marinheiro, bicudo ou pé de chumbo***, como fez o biltre do seu escravo... e verá!
Andrea quis sorrir-se e fez uma careta medonha. O motivo, que só mais tarde comprehendi, provinha de elle também ser portuguez; mas fizera-se brazileiro e não gostava que lhe lembrassem essas diffrenças.
- O meu rapaz chamou-lhe esses nomes?
- Por que lhe bateria eu?!
- Quem sabe?! Vejo-o quase todos os dias atirar pedras aos pretos, quebrar cabeças e fazer tanta bulha n’esta rua!...
- É porque não estou resolvido a deixar-me insultar.
- Quantos annos tem?
- Onze.
- Promete! Continue assim, que há-de ir longe!
Saíu; e eu, que tomei a ironia por um cumprimento, fiquei todo vaidoso e ufano de ter ensinado o escravo, sem me lembrar já da sova que isso me custára. D’ahi em diante, quando via passar o homem ilustre, que tinha querido conhecer-me, perfilava-me ao balcão, á espera de novo elogio; mas o grande marechal nunca mais se dignou olhar para mim, nem o seu creado tornou ao estabelecimento!
O meu patrão, despeitado com a perda do freguez, poz-me fora por incorregivel!
Assim se apreciam e premeiam as mais bellas acções!

De “O Cedro Vermelho” – vol 2 – de Francisco Gomes de Amorim, 1874. Manteve-se a ortografia original.

*- O general Andrea nasceu em Lisboa em 1781 e morreu em São José do Norte, Brasil, em 2 de outubro de 1858. Foi presidente da Provincia do Pará entre 9 de abril de 1836 a 7 de abril de 1839.


*- Estes eram os nomes que chamavam, depreciativamente, aos portugueses!

02/01/2011