sexta-feira, 28 de maio de 2010

VISITA AOS CONGOS - 2-

(continuação)


Já de volta a Brazzaville, onde reinava a tranqüilidade, a seguir ao jantar no hotel, noite escura, decidi ir dar uma volta a pé. Depois de atravessar aquele pedaço de estrada ou caminho deserto em que me cruzei somente com meia dúzia de pessoas que me ignoraram, cheguei a um cruzamento onde havia uma espécie de boate, bar, clube. Povo. Aproximo-me, o que espanta aquela gente, talvez porque ali nunca tivesse entrado europeu algum, e pergunto se posso entrar e tomar uma cerveja.

- Bien sur! Porquois pas?

Lá dentro, muita conversa e muita dança. Dizer que a dança estava animada seria pleonasmo porque em África dança e música são a vida daquela gente. Em pé, no bar, sob o olhar curioso dos presentes, fui apreciando o ambiente e bebendo devagar a minha cerveja. Não tardou que me viessem perguntar o que eu fazia ali naquele lugar, parecendo perdido.

- Nada.

De fato tudo quanto fazia era passear um pouco. E ver. Ver o que se passava à minha volta. Acabei por dizer quem era, onde vivia, o que estava a fazer no Congo, como era a vida em Angola, e não tardou que tivesse razoável auditório à minha volta. Eu era, naquele meio, a avis rara. Conversámos, bebemos mais uma ou outra cerveja e quando achei que era hora de me ir deitar, a conta estava paga!

Esta era a África que eu conheci e amei.

Como a viagem ainda teve algumas peripécias mais, vamos seguir. Domingo, dez horas da manhã no aeroporto para apanhar o vôo para Pointe Noire.

- O vôo está atrasado, porque só sai depois que chegar o vôo de Paris.

- Quanto tempo de atraso?

Não sabiam. Comprei um livro qualquer e sentei-me ali, a ler e olhar para um pequeno avião de vôo à vela, que descia daqueles céus com uma calma impressionante. Sempre me atraiu o vôo à vela. E nunca fiz!

Encurtando a história, o vôo de Paris chegou com seis horas de atraso! Seis. Deu para ler o livro todo e ainda tive tempo de o oferecer à moça da companhia aérea a quem entretanto perguntei cem vezes se ainda faltava muito para sair!

Finalmente em Pointe Noire a estadia prevista era de dois dias. O suficiente para contatar os possíveis clientes, e a saída de regresso a Luanda prevista para quarta feira seguinte às nove e meia da manhã. O aeroporto era a cinco minutos do hotel, e bastava lá estar com meia hora de antecedência porque normalmente não embarcava vivalma! No dia do regresso saí cedo do hotel para ir comprar alguma recordação para os filhos, já que em Pointe Noire os artigos de importação, sobretudo franceses quase não pagavam direitos alfandegários, e quando voltei bem antes das nove horas o gerente do hotel, aflito:

- Telefonaram do aeroporto a dizer que mudou o horário do vôo e vai sair uma hora mais cedo!

- Meu Deus! Está na hora.

Peguei nas malas e corri para um taxi. Quando este começa a andar, por cima de nós passou o avião! Perdido! Depois de ter esperado seis horas em Luanda e mais seis em Brazzaville, agora perdia o vôo, único semanal, porque adiantaram, sem me dar conhecimento, o horário! Fiquei com uma raiva...

Esperar uma semana em Pointe Noire, terra de mais ou menos nada... não era programa que me interessasse. Fui procurar saber como sair dali.

- Há sempre carros tanques de gasoil (óleo diesel) a sair daqui para Cabinda. Procure informar-se ali na Mobil.

Por sorte ia sair um, que se prontificou a levar-me, avisando que parecendo ser perto, em linha reta talvez menos de cinquenta quilómetros, até à fronteira de Cabinda, a estrada daí para a frente seguia pelo interior, pela floresta, e naquela época, Abril, de muita chuva, o tempo de viagem seria o que fosse! Antes um dia de viagem de caminhão do que uma semana em Pointe Noire.

Lá fomos. Dia seguinte, de manhã, bem cedo, já muitas horas de viagem no lombo, estrada esburacada e conforto de caminhão, a uns escassos trinta quilómetros de Lândana, a que houve pretensões de chamar Vila Guilherme Capelo em homenagem ao oficial da marinha portuguesa que assinou pelo rei de Portugal o Tratado de Simulambuco, e que já se chamou Cacongo, as chuvas tinham cortado a passagem no meio da floresta.

Carros querendo seguir para o interior, atravessar o lago que se formara, e nós na nossa “margem” sem podermos passar para a costa.

Mas valeu a pena atravessar, mais uma vez a floresta do Maiombe! É uma beleza, imponente.

Agradeci muito a boleia que me deram, arregacei as calças, mala e sapatos na mão, atravessei o lamacento lago e convenci um outro caminhão a regressar a Lândana, onde apanhei um taxi que, voando me levou a Cabinda. No último minuto, já o avião a fechar as portas, consegui entrar no vôo da DTA para casa. Foi uma odisséia e tanto.

Mas África tinha destas coisas (e muitas outras) que são páginas inesquecíveis da nossa história, e muitas delas, apesar da idade, gostaria de repetir.

Do livro “Loisas da Arca do Velho”, inédito, 2001

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