segunda-feira, 9 de outubro de 2023

                                         Anedotas da História



Este texto já foi aqui publicado há 9 anos.
Tem muita graça, até eu já o tinha esquecido. 
Aqui vai de novo, aliás de velho.

Contava o 2° Marquês de Ficalho (1806-1893) o medo que D. João VI tinha a Carlota Joaquina. Um dia D. João VI seguia de sege para Queluz. Ao seu lado galopava o Marquês, que teria uns vinte e poucos anos, cavalariço do rei. De repente, ao longe avista-se na estrada uma nuvem de pó, e o rei, deitando a cabeça de fora da sege brada:
- Parem! Para trás, que vem aí a p...!
A p... – era a mulher! As palavras são textuais!

***
Ainda o D. Carlos não era rei, foi, como era hábito aos príncipes e nobres ricos da Europa, visitar Paris e esbaldar-se por aqueles famosérrimos cabarets. O seu título na altura era o de Príncipe da Beira, herdeiro do trono, tal como no Reino Unido o herdeiro é Príncipe de Gales.
Acompanhado do seu amigo e secretário particular, Bernardo Correia de Melo, filho do Visconde de Pindela, e na ocasião já nobilitado com o título de Conde de Arnoso, uma noite foram a um daqueles cabarets. Estava lotado, todas as mesas ocupadas, mas o maitre da sala conseguiu instalá-los junto a um senhor que estava sozinho e, muito amável aceitou que se sentassem junto na mesa dele. Mas ninguém se apresentou porque o show estava correndo.
Viram o show, as belezuras mostrando as pernas e sabe-se lá o que mais, entornaram com generosidade, entre risos e olhares ávidos, o inevitável champagne, até que o espetáculo acabou. O Conde de Arnoso quis pagar a conta mas o incógnito não permitiu. Afinal estavam na mesa dele! E todos sairam.
D. Carlos, bem como o anfitrião que os acolheu, tinham as suas carruagens aguardando. D. Carlos segredou ao Arnoso:
- Isto é uma vergonha! Nem nos apresentámos a este tão distinto cavalheiro. Faz as apresentações.
Arnoso, agradecendo todas as atenções recebidas, diz ao desconhecido que queria apresentar-se:
- Nós somos portugueses; eu sou o Conde de Arnoso, secretário particular deste senhor que é o herdeiro do trono de Portugal, Dom Carlos, o Príncipe da Beira.
O desconhecido olhou-os com ar indiferente e gozador respondeu:
- E eu sou o Papa Leão XIII.
Virou-lhes as costas, entrou na sua carruagem e foi embora.
D. Carlos e o Conde Arnoso nunca chegaram a saber com quem estiveram na farra!
***
1903
João Arroio1, a propósito de tapetes:
- Havia em Mafra um grande tapete persa, o mesmo que está hoje em Vila Viçosa, por sinal muito mal tratado. Ninguém fazia caso dele, até que um dia disse ao almoxarife que o guardasse. Mas fiquei sempre com a impressão de que era magnífico.
- Duma vez D. Carlos apareceu extasiado por ter comprado qualquer tapete insignificante, e lembrei-lhe: “V. Majestade tem em Mafra um tapete muito melhor do que esse...”
- Ora adeus!
- Teimo, chamo o almoxarife e o tapete, e o homem instado apresenta, em lugar do tapete, dois papelinhos... A saber: a ordem de Pedro Vitorpara entregar o tapete e o respetivo recibo. Não vi o telegrama do rei, mas vi a resposta do administrador da Casa Real: “Vossa Majestade manda, eu obedeço”.
Daí a dias aparece o tapete. O Arroio tinha-o lobrigado em Mafra e comprado por 75$00 ao Pedro Vitor. Entregou-o e está hoje numa parede do Palácio de Vila Viçosa.  
***
1909
Conta o Columbano3 que a seu pai, Manuel Bordalo Pinheiro4, pediu um dia um companheiro de repartição:
- Tenho lá em casa, na cocheira (do Conde de Lumiares) um quadro muito negro que queria que você visse.
Manuel Bordalo Pinheiro foi buscar a tela, limpou-a da bosta dos cavalos, lavou-a da camada de negro... era, nem mais nem menos, o retrato de Carlos I de Inglaterra, pintado por Van Dyck, que o Dom Luis depois comprou e está hoje na galeria do Paço da Ajuda.

Pode não ser este o que “estava” no Palácio da Ajuda, mas é de Van Dyck

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Dezembro – 1909
Encontro com o Marquês da Foz5, de barbas brancas e aspeto venerando, que desata a narrar conversas extraordinárias surpreendidas a meninas do Sacré Coeur sobre a masculinidade dos criados... Depois fala de arte, de mobília e maravilhas que comprou e vendeu.
- Duma vez quando se vendeu a mobília do palácio de Oeiras dos (Marqueses de) Pombal, os que fizeram a liquidação pediram-me para lhes ceder um andar da minha casa que eu tinha com escritos (para alugar) na rua do Ferragial, para se fazer o leilão. Cedi, e antes do leilão fui lá, agradaram-me diferentes coisas e comprei-as. Custaram-me oito contos. Entre várias trapalhadas iam cinco vasos da China, cinco maravilhas, como nunca tinha visto. Eram precisas duas pessoas para lhes pegarem. Ao centro de cada vaso viam-se as armas de Pombal. Quatro coloquei na entrada de minha casa, o outro levei para a sala de jantar e pu-lo defronte da estufa... Um dia reparei: por causa do calor o verniz estalara. Levantei-me, olhei, sob a casca aparecia outro desenho. Tirei com uma faca o craquelé... e debaixo das armas de Pombal apareceram as armas dos Távoras6.
Tão certo é que até os grandes homens estão sujeitos a estas misérias.

***
O Mardel2 é um homenzinho pitoresco e anedótico. Sabe tudo e inventa o resto. Constrói genealogias, negoceia em bricabraque e escreve sátiras. Duma vez a um figurão que se dizia filho natural de D. Pedro IV (o I° do Brasil) e que mostrava desvanecido a toda a gente o retrato do rei que tinha na sala , perguntando:- Hein, com quem se parece?... – escreveu ele a seguinte quadra

Do Imperador, de quem diz que é filho
Tem o retrato na sala
Mas da p... que o pariu
Não tem retrato nem fala

***

Uma anedota que se tem como absolutamente autêntica:- O D. João VI estava para morrer. O patriarca procurou a D. Carlota Joaquina para a reconciliar com o rei. Recebido na sala do trono, em Queluz, diz-lhe as palavras banais do costume - mas ela não cede. Pede, suplica - perde o seu tempo A rainha está renitente. Então retira-se depois das contumélias da pragmática - e, ao sair, volta-se de repente e dá com ela a fazer um grande, imponente, um majestoso manguito...


Do livro Raul Brandão – “Memórias

1.- João Arroio (1861-1930) foi um jurista, professor universitário, músico e político. Fundador do Orfeão da Universidade de Coimbra. Foi deputado, ministro e par do reino.
2.- Julio Carlos Mardel de Arriaga Velho Cabral da Cunha (1855-1928), genealogista, arqueólogo, erudito em investigações históricas, de humorismo contundente.
3.- Columbano Bordalo Pinheiro (1857-1929),um dos maiores pintores portugueses.
4.- Manuel Bordalo Pinheiro (1815-1880) pintor e escultor. É de sua autoria o busto de Camões na Gruta em Macau.
5- Tristão Guedes Correia de Queirós (1849-1917) foi o 1.º Marquês e 2.º Conde da Foz, ficou conhecido pelo fausto das festas que dava no seu grande palácio cito nos Restauradores.
6- Marqueses de Távora, executados em 1759 por ordem do Marquês de Pombal, que inventou um atentado contra o rei D. José. Os seus bens foram confiscados pela coroa...


14/02/2014

2 comentários:

  1. Francisco,
    Eram gerações de patuscos.
    Abraço
    APM

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  2. Ora toma! Parece que estou na pista do quadro do "Bi". Que existe, existe. Uma vergonha eu ter dito que nunca o vi. E não vi, na verdade. "Desapareceu" como é que esrou para saber. Abraço.

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