INTROITO... não
introduzido
Essas “coisas” começaram por cenas de caça vividas em Angola, que
mandei ao meu GRANDE amigo João Salgado, amigo de infância e parceiro de
algumas caçadas, para que me desse a sua opinião sobre os escritos.
Respondeu-me logo. Tinha gostado imenso, fez alguns comentários e
relembrou várias outras cenas. Enfim incitou-me a que continuasse a escrever.
Continuei.
Para isso, na altura lembrei-me de escrever um Introito, que pareceu
fundamental para iniciar um possível livro, introdução essa acabou não sendo
usada, e agora descoberta um papel amarelado e fragilizado pela idade, no meio
de uma infinidade de outros papeis a que estou a ver se sou capaz de ordenar.
Achei o Introito “abortado” na ocasião, pois não o encontro em nenhum
dos livros que escrevi.
Achei interessante (não me
estou a gabar) e decidi que o daria a conhecer aos que leram o livro e aos
que não leram!
Podem comentar à vontade, dizer bem ou mal, o que desde já agradeço!
N.- O que vai entre parêntesis e em itálico não é do original.
INTROITO
Todos
os, como eu, cresceram e foram educados no tempo do Estado Novo (em Portugal), talvez também uns quantos
mais antigos e, quem sabe?, se igualmente muitos das gerações mais novas,
ficámos imbuídos de um complexo histórico que nos marcou estranhamente, com uma
espécie de aversão aos espanhóis que sempre procuraram dominar toda a
península, mas a quem os nossos ancestres tão bem enxotaram do terreno luso.
Haja
em vista a Batalha de Aljubarrota, o movimento para a Independência em 1640,
sem falar no nosso rei Afonso IV que, não fosse ele, ainda hoje Granada ...
Depois
a nossa ajuda durante a triste guerra civil (quando
os comunistas que se preparavam para ganhar a guerra afirmavam que a seguir
iriam sovietizar Portugal!). E até há poucos anos quando o escudo valia
duas e meia pesetas, o que nos dava uma sensação de superioridade que
confirmava a psicose recebida na escola.
Com
o correr dos anos fui aprendendo que, em cada vinte jogos de futebol
Portugal-Espanha nós conseguíamos a tremendo custo ganhar um, empatar outro e
perder os outros dezoito! Isto, segundo se badalava, jogando melhor que os
adversários, como é de imaginar. Mas sempre havia azar, árbitros do contra,
etc..
A
seguir assistimos a um estupendo surto de desenvolvimento harmónico dos nossos
vizinhos, a um inteligente jogo político entre os diversos partidos, e... a uma
constante desvalorização do nosso dinheiro que hoje vale dois terço de uma
peseta!
Felizmente
que já há muito tinha conseguido constatar que aquela noção de comparação
Portugal-Espanha estava totalmente errada. Graças a Deus, quando não o choque
teria sido muito grande.
Com
respeito aos mouros, uma vez que haviam sido escorraçados do nosso território
há muitos séculos, ficou-nos o tal complexo por termos sido “colonizados”
durante quinhentos a seiscentos anos por “gente de condição tão inferior” à
nossa. Como tal havia sido possível? Só por questão de números: nós éramos
poucos e os “infiéis” aos milhões! Só assim.
Na
escola creio que se esqueceram de nos ensinar algumas coisas que me parecem de
importância relevante na nossa vida quotidiana, mesmo hoje, final do século XX,
Por
exemplo só o facto de nos terem deixado o “almoço”! Imaginem se tivéssemos
ficado sem ele. E o fado? Sim, o fado? Já pensaram o que seria dos portugueses,
sobretudo lisboetas e estudantes de Coimbra, sem o fado? E não me venham dizer
que isso não é herança dos árabes. E os alcatruzes das noras? E as moiras
encantadas, de olhos azuis, que davam toda a beleza aos contos com que
adormeciam os nossos avós? Que mais nos deixaram? Tantos e tantos ensinamentos
de ciências matemáticas, médicas, agrícolas, etc. Talvez a maior herança desse
povo tenha sido ainda a nossa capacidade de miscigenação, que criou os novos
mundos onde não se chocam nem raças nem credos.
Deixou-nos
também um provérbio, cuja origem se perde no tempo, de uma saberia imensa: “Um
homem só se realiza neste mundo se tiver um filho, plantado uma árvore e
escrito um livro.”
Parece
um ditado machista, mas tanto pensei nele, por achá-lo curioso, que não foi
difícil encontrar-lhe o profundo significado: em primeiro lugar, se o homem não
fizer filhos a humanidade acaba por se extinguir.
Crescei
e multiplicai-vos. Há que perpetuar a espécie. Mais do que evidente.
Depois
tem que plantar uma árvore para deixar aos vindouros a natureza equilibrada, tal
ou melhor de como a recebeu. Usou madeira, lenha, e sabe que se não replantar,
um dia os seus descendentes não vão ter mais florestas, perigando a sua
sobrevivência. E hoje em dia que tanto se fala em equilíbrio ecológico, há
quantos anos os árabes nos deixaram essa mensagem?
Finalmente
escrever um livro. Para quê? Para que possamos passar aos filhos os
ensinamentos que conseguimos ir colhendo ao longo dos anos.
Provérbio
sensacional. Foi ele que me inspirou a escrever.
Filhos
tive número suficiente para me terem mantido ocupado e preocupado durante
muitos anos, e ainda hoje. Netos já começaram também a chegar (em 2023 estamos nos bisnetos) que
continuam a povoar este mundo.
Árvores
plantei muitas, de muitas espécies e em muitos lugares. Talvez milhares. E
continuo plantando, não só por considerar isso importante para o equilíbrio da
natureza, mas por puro egoísmo também: as árvores são seres lindos, e dá um
enorme prazer vê-las crescer. Eu sei que algumas levam dezenas e dezenas de
anos a se tornarem “adultas”, e a grande maioria eu já não vou ter
possibilidade de apreciar. Mas o mundo não acaba quando eu fechar os olhos.
O
livro. Não que eu tenha pretensões em deixar aos vindouros algum ensinamento
especial. A minha ignorância não o permitiria. Mas todos nós temos passagens
nas nossas vidas que pensamos merecem ser contadas.
Tudo
aquilo que escrevi não é ficção. Foram episódios da minha vida ou da vida de
alguns amigos que compartilhei. Podem não estar cronologicamente corretas, mas
isso não impede que se tenham passado como os conto. Infelizmente do mesmo modo
não soube contá-los com a graça e a vida que alguns tiveram, nem descrever a
cor local.
São
um apontamento e assim devem ser lidos
São
Paulo, Abril de 1989
Gostei.
ResponderExcluirFrancisco,
ResponderExcluirComo eu gostaria de saber escrever assim - e ter o quê para o fazer.
Ainda não me disse de que é feita a tal bolsa que espirrou azul
Abraço
APM
Gostei, e muito, do introito não revelado na altura própria. Sou sempre suspeito na apreciação dos teus escritos porque sou um verdadeiro macaco de auditório sobre eles. Gostei
ResponderExcluirGrande abraço
Manel