segunda-feira, 9 de maio de 2022

 

ENCONTROS INESPERADOS – 3


Em anteriores páginas do blog, contei alguns dos mais curiosos “encontros inesperados” que se passaram durante a minha vida, e fui deixando prever que haveria mais. E há. Alguns com muito interesse e/ou graça. Aproveito para voltar a dar uma visão de cada um dos “encontrados”, mesmo que já o tenha feito antes.

Vou começar por um que mostra o quanto cada um espera para dar o seu troco nas “ventas” de miseráveis funcionários.

Luanda – 1963 (?)

Estava eu na Cuca e um cliente do interior foi à cidade, onde só se demoraria um dia e combinamos um encontro depois do jantar num salão de bilhares, que havia no primeiro andar dum prédio na rua Rainha Ginga mesmo ao lado da loja de artigos de desporto na esquina.

Lá fui no meu carro, mas tinha havido um acidente com um caminhão que perdera os freios na descida “da Robert Hudson” (rua Cirilo Conceição e Silva) e fora esbarrar e entrar por aquela loja, felizmente a horas tardias, ninguém na loja, não havendo acidentes pessoais.

Muito curioso à volta, os habituais babacas que ficam parados a olhar para… nada, eu tento, bem devagar passar entre eles para estacionar em frente do prédio dos bilhares.

Dois “importantes” à paisana proíbem-me de passar, apesar de haver diversos lugares para carros pararem. Chateado, arranco com o carro, ando cem metros num declive acentuado (desce 10 metros em 100!), paro no sinal vermelho em baixo, e vou dar a volta ao quarteirão para estacionar onde queria.

Assim que estaciono os mesmos dois importantes sujeitos abordam-me e pedem-me os documentos.

- Quem são vocês para me pedirem documentos? E a propósito de quê?

- Somos os dois chefes de polícia e o senhor estacionou onde não devia.

- Onde está a placa a proibir o estacionamento? E os documentos, “chefes” de polícia?

- Somos nós que estamos a controlar a situação do acidente do caminhão.

- Ora passem bem.

Virei-lhes as costas e fui fazer o que ali me levara.

Poucos meses passaram recebo, pelo correio, um aviso de multa! Fdp estavam melindrados. Esqueci.

Passado mais um tempo uma convocatória para ir a tribunal pelo mesmo assunto.

Telefono a um amigo advogado para ir comigo. Não podia, porque tinha outro julgamento à mesma hora, em outro lugar.

- Deixa. É tão evidente o caso, que eu vou sozinho.

No tribunal, o juiz sentado num estrado bem alto, os paisanos fardados, é lida a acusação:

- Desobedecer às ordens da polícia, e conduzir em alta velocidade!

Meus Deus, que barbaridade! Respondi:

- Meritíssimo o senhor conhece o local, acredita que alguém possa atingir algum excesso de velocidade ao descer 100 metros e parar no sinal vermelho? Além disso o que os policiais me disseram era que eu não podia estacionar naquele local, onde toda a gente estaciona.

Entretanto o juiz nomeia defensor oficioso um idiota qualquer que ali estava, e a quem foi dada a palavra para me defender, que disse somente:

- Não tenho nada a acrescentar.

Por fim o juiz pronuncia a sentença:

- Parece que efetivamente o senhor tem razão! (Evidente que tinha). Mas como foi autuado por dois chefes de polícia, confirmo a multa, custas do processo e 250$00 para o defensor oficioso.

Dei um pulo na cadeira, ao meu lado o funcionário do tribunal diz, voz baixa, para eu não reclamar que podia ser preso por desacato.

Saí de lá com vontade de bater em alguém e encontro o miserável “defensor”. Deito-lhe a mão à camisa:

- Seu miserável passe para cá os 250$00. Você não diz uma palavra para me defender e vai levar esse dinheiro. Dê-me já esses 250 paus.

O cara tremia.

- Não tenho dinheiro comigo.

- Pois fique sabendo, quando receber eu vou atrás de você e vai ter que me pagar.

O desgraçado saiu dali correndo. Tive que pagar tudo, mas aquele juiz ficou-me atravessado na goela.

Uns tantos meses depois, quando da visita a Angola dos embaixadores de Inglaterra, o Governo ofereceu aos ilustres vcisitantes um “copo d’água” nos jardins do palácio, e eu fui convidado (a minha irmã, em Lisboa, era a secretária particular dos embaixadores).

A receber os convidados, um amigo meu, ajudante do governador, capitão António Costa Macedo. Quando entrei estava a receber um baixinho… o juiz! Perguntou-me:

- Conheces o dr. juiz…

- Conheci sim. Condenou-me depois de dizer que a razão estava do meu lado. Não aperto a mão a gente dessa.

Virei-lhe as costas, e mais tarde fui pedir ao meu amigo que me desculpasse ter feito aquela cena em frente dele.

Mas foi um “encontro” em que limpei um pouco do fel que me ficara do miserável baixinho.

Luanda – 1962 (?)

Andando numa rua de Luanda estranhei ver aparecer na minha frente um amigo de infância que não via há muitos anos, e sabia que ele vivia em Lisboa. Um bom abraço, o que fazes por aqui, etc.

Contou-me então que um grupo de amigos a tomarem café na Brasileira do Chiado, comentavam a guerra há pouco começada em Angola. Todos “muito patriotas”, tipo um por todos, todos por um, resolveram em conversa de bravata, criar uma “força voluntária” para ir lutar.

No dia seguinte... o único que se ofereceu foi este amigo! Os outros amarelaram!

Mobilizado, chega a Luanda como tenente, e vai despachado para Cabinda. Levou o seu carrinho, em invejável MG TC 1947, a sua boa disposição e o seu jeito especial para desenho e caricaturas.

Contratei logo com ele que fizesse uns quadros com piadas para propaganda da Cuca. Fez, muita coisa, entre elas uma série que ainda lembro com o tema “Antes de… uma Cuca”, com três quadros cada. Começa com um casamento: no primeiro quadro os noivos, no segundo eles em casa a despirem-se e o terceiro o noivo a dizer: “Antes de… uma Cuca”!

Em Cabinda, onde ficou quase dois anos, nos serviços administrativos – já não tinha idade para andar na mata, aos tiros – pintou até uma empena de um prédio (uma garrafa da Cuca), e para cuidar da sua roupa e apartamento, contratou uma lavadeira, mulher da região.

Fez contas quanto iria gastar em dois anos e concluiu que saía mais em conta casar com ela! Falou com os pais que exigiram o alembamento tradicional – tributo prestado pelo noivo à família da noiva – composto de garrafões de vinho, panos, farinha, algum dinheiro, talvez facas, e no Sul até vacas – e levou a esposa para casa! Não foi para dormir com ele mas para o servir no pequeno quarto onde vivia, r fazer o mesmo trabalho que já fazia em solteira !

Nas vésperas de ser desmobilizado, foi reclamar com a família que a “esposa” o traía com qualquer um e ia devolvê-la, para o que queria o alembamento de volta! Recebeu um garrafão de vinho que bebeu com a já ex-família, e regressou a Portugal.

Era um indivíduo com uma graça especial. Conhecedor e colecionador de cerâmica e antiguidades, escreveu sobre Portugal – Extremadura, Alentejo, Minho, gastronomia, etc., - todos com muito interesse.

Irrequieto, poeta e brincalhão, a última vez que o vi estava já muito doente.

Mais um amigo a não esquecer. Quito. Francisco Hipólito Raposo.

Luanda - 1969

Lá pelos anos 60 e tais estávamos a viver em Luanda. Vez por outra juntavam-se uns amigos e amigas e saía uma grande noite de fados na nossa casa, farras de que já falei aqui no blog, e que sempre me enchem o coração de saudade, mais ainda lembrando que a maioria dos convivas já está a descansar.

Eram belas noitadas, rodeados de gente amiga, bons fados e muito boa disposição.

Numa dessas farras, lá pela meia-noite chegou um retardatário, o muito querido Eduardo Cruz de Carvalho. Tinha estado ocupado, etc., e levava com ele um amigo. Amigo do amigo é, foi recebido com a mesma sem cerimónia habitual, e entrosado como qualquer dos outros.

Infelizmente esqueci o nome dele. Militar, tenente-coronel, aí uns 15 anos mais do que eu, estava a comandar o Batalhão de Transmissões em Luanda.

Conversa vai e vem, soube que era do Porto. E de Cedofeita! Como eu, e lembrava-se do nosso nome, Gomes de Amorim. Coincidência. Também já não sei como, de repente percebi quem ele era, e perguntei-lhe se tinha casado com uma filha do senhor José Rosas, talvez o dono da melhor ourivesaria do Porto, muito amigo do meu pai, quando por lá vivemos na primeira metade dos anos 30.

Era ele.

Mas surpresa maior chegou quando lhe disse que, teria eu uns 9 ou 10 anos, já vivendo em Lisboa, tinha ido ao Porto (1941?) com o meu pai e a minha irmã Zé, ao casamento dele! E mais, foi a minha irmã que levou ao altar as alianças dos noivos.

Foi uma alegria. Como comandante das Transmissões tinha o carro equipado com um rádio especial, e logo fomos, mesmo àquela hora tardia, tentar ligação para casa dele, no Porto, e contar isso à mulher. Não funcionou porque naquele lugar, o rádio não apanhava bem. Ele disse que ia todos os dias, no começo da noite, à ponta de Ilha e de lá falava lindamente. Foi pena.

Uns dias depois voltou, a dizer que lhe tinha falado, e ela lembrava-se sobretudo da menina que tinha entregue as alianças. Teria uns 7 ou 8 anos.

Passou a ser mais um conviva que algumas vezes mais apareceu lá em casa, sobretudo às quartas feiras, dia habitual do almoço dos solteiros. Terminou a comissão de serviço e nunca mais soube dele.

Só anos mais tarde encontrei, num site de genealogia o seu nome: Mário Pinto da Fonseca Leitão!

O tempo rolou. Há quase quatro anos fui almoçar com o Embaixador de Portugal no Rio de Janeiro, Jaime Van Zeller Leitão. Um almoço muito agradável, muita descontração e simpatia, mas na ocasião nem me lembrava já do outro senhor Leitão. Conversámos sobre diversas coisas, mas nada de genealogia.

O Embaixador está hoje em outro país, ambos os nomes de repente assomaram aos meus gastos neurónios e decidi escrever-lhe para saber se haveria algum parentesco. Algo me dizia que sim!!!

Embaixador

Não sei se se recorda de mim: Francisco Gomes de Amorim. Estivemos almoçando, (em finais de 2018) no Palácio, no Rio, com a Embaixatriz Sofia Pinto da França.

Aliás foram momentos muito agradáveis que ali passámos.

O pedido que venho fazer-lhe é muito simples e nada tem a ver com serviços oficiais!

Há muitos anos, aí por 1969, encontrei-me em Luanda com um militar, Mário Leitão., que era casado com uma filha do conhecido ourives do Porto, José Rosas

A pergunta é simples: seria da sua família?

Fico-lhe muito agradecido se me puder responder, até porque esse encontro se revestiu de situações muito curiosas.

Os meus cumprimentos a sua Senhora e peço-lhe que aceite um abraço

Francisco

Não tardou a chegar uma simpática e alegre resposta:


Caro Francisco Gomes de Amorim

Apreciei  ter notícias suas e fico satisfeito por saber que guarda simpáticas lembranças daquela varanda.

 Quanto ao parentesco aqui vão algumas notas.

O Mário Leitão, a que se refere, era de facto primo do meu Pai em terceiro grau, dando –se a coincidência de que a Mulher dele, Helena Ramos-Pinto Rosas, era Prima ainda mais próxima uma vez que tinha com o meu Pai a mesma Avó,  Virgínia de Castro, que casou em primeiras núpcias com o meu bisavô Narciso Leitão (irmão do Avô do referido Mário), joalheiro, e, depois de enviuvar, casou com António Ramos-Pinto (dos vinhos), dos quais foi filha Maria Antónia casada com o joalheiro Rosas, portanto sogros do Mário Leitão. Aí tem pois uma confusão de Leitões e Pintos, enfeitados com joias, a comer em malgas de prata, regadas a bom vinho com perfume a flores.

Um abraço,    

Jaime Leitão

Magnífica resposta, cheia de informações e um humor que me fez rir com vontade. Claro que já escrevi a agradecer!

Rio – 1979

Em Julho fizemos Bodas de Prata, e a todos aqueles que tinham estado no nosso casamento, mandamos um simples convite para se juntarem a nós. A totalidade vivia em Portugal, mas foi um meio de comunicarmos com esses amigos.

Estávamos viver em São Paulo, e eu, a fazer pela vida, a trabalhar no Rio, durante um estafante ano e meio.

As finanças da empresa eram um desastre – acabou em outro… total – e eu tinha que me deslocar aos bancos, fazer aquele chorinho, porque ainda não tinha aprendido a viver no Brasil, isto é, a sonegar o mais que é possível. E assim uma semana o dinheiro ia todo para um imposto, na outra para o pessoal, a seguir o custo social do pessoal, depois outro imposto, e não sobrava uma migalha. Pelo contrário. Uma canseira sem ver o fim do inferno.

Estou no Centro do Rio, rua do Ouvidor, rua cheia de bancos e cheia de pedestres, às centenas, e tinha que falar com dois dos membros da alta agiotagem nacional e internacional. Passo por um, sigo em frente, mas pensei que seria melhor voltar atrás. Rodo 180 graus e estacado na minha frente, para não chocar comigo, um dos meus maiores amigos de toda a vida, alfacinha (lisboeta), com quem sempre estou quando vou à terrinha.

- TONI ??? Aqui?

- Cheguei ontem de Lisboa e amanhã vou para São Paulo. Tenho até aqui no bolso o teu convite das Bodas. Ia telefonar-te logo à noite.

Já não fui a banco nenhum. Entramos no primeiro boteco ou pastelaria e ali ficamos um bom tempo no papo.

Pois o Toni, António Tavares de Carvalho, padrinho de uma das nossas filhas, tinha vindo ao Rio para negociar livros, ele talvez o mais famoso bibliófilo português, que, na nossa mocidade me emprestava a sua bicicleta (eu não tinha, nem dinheiro para isso) para ir de Sintra a Santo Amora de Oeiras ver a pretendida, que acabou por cair na minha conversa… até hoje!

Ao chegar a São Paulo havia greve de taxis! Uma simpática (très simpática) garota abordou-o ofereceu-se para o conduzir no seu carro - tipo “Uber” de hoje. A “Dildinha” - ou nome algo parecido – que viu no sujeito, todo lord, uma bela presa, não largou mais o passageiro. Creio até que o levava ao hotel, estacionava o carro, descia com ele e depois subia com ele até ao quarto, mas não vou garantir porque não sou de fofocas, nem tenho nada com isso.

Sei que o Toni, todos os dias enquanto esteve em SP, a partir de meio da tarde ia para nossa casa, jantava, e só de lá saía, à noite, quando nós nos queríamos ir deitar e o obrigávamos a telefonar à Dildinha que o ia buscar e...

Um dia, domingo, tive que ir visitar, fora de São Paulo um importante cliente (meu), rico, casarão num sítio imenso. Levei o Toni comigo e o senhor muito amável convidou-nos para almoçar.

A casa cheia, uma filhinha pré casadoira, bonitinha, e o preposto noivo, que se apresentou, mas o Toni não ouviu o nome dele e perguntou-me. Eu disse-lhe:

- Não é Dalton.

Logo o Toni:

- É Robespierre.

Era. Ficaram todos com ar de espanto sem entender como ele poderia ter adivinhado!

Meu querido Toni, possas tu ler este pequenino apanhado das nossas vidas, que tanto teriam para contar.


Vejam lá se não é bom guardar estes encontros, mesmo que lembre que o tal juiz miserável com medo dos polícias, que me traga uma saudade grande do Quito, descobrir como o mundo é pequeno, quando ao fim de mais de meio século venho a conhecer melhor dois Leitão, e quando quase choco de barriga com um como irmão!


Tem mais “Encontros”. Daqui a alguns dias.


08/05/22

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